O caso do travesseiro

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Uma das piores solidões é a da madrugada e a da madrugada passada no hospital como era o caso da senhora que se queixava do travesseiro.

– Professor, no plantão eu não gosto quando sou chamado para ouvir bobagens – queixa-se um bom aluno do internato de medicina.

– Conte-me alguma das bobagens que você escuta?

– Noite passada fui chamado para atender uma senhora que não conseguia dormir. Não se adaptara ao travesseiro do hospital. E passou a me falar sobre travesseiros de pena de ganso! O senhor já escutou alguém descrevendo um travesseiro de pena de ganso às três da madrugada?

Insisti que por trás de uma aparente bobagem – e travesseiro nunca é bobagem -, há algo importante. E se a pessoa está doente, pode ser algo que dói.

Na aula seguinte, esse bom aluno me disse:

– Professor, descobri: a paciente sofre de uma solidão de dar dó. A solidão de uma mulher que está bem casada, tem bons filhos, mas ninguém a escuta. Pouco a visitam no hospital e, quando a visitam, não a escutam. Já senti algo parecido. Quando me mudei para cá, ao iniciar a faculdade, nos primeiros tempos as relações eram superficiais. Tipo: ‘bom dia’, ‘vai chover de novo’. Não havia quem quisesse realmente me ouvir.

A propósito, uma meta-analise muito citada hoje em dia demonstra que a solidão aumenta o risco de morte prematura em uma ordem de magnitude comparável aos fatores de risco bem reconhecidos como tabagismo e obesidade em grau elevado (Holt-Lunstad J, Smith TB, Baker M, Harris T, Stephenson D. Loneliness and social isolation as risk factors for mortality: a meta-analytic review. Perspect Psychol Sci. 2015; 10 (2): 227–237).

Mas voltando ao aluno: juntos refletimos sobre a solidão e elencamos maneiras de aliviar esse doloroso sentimento incluindo a simples escuta. Escuta atenta, interessada, íntima… Mesmo que seja por minutos já ajuda e muito.

Reconhecemos que uma das piores solidões é a da madrugada e a da madrugada passada no hospital como era o caso da senhora que se queixava do travesseiro.

Esse antigo aluno, já médico faz um bom tempo, sabe como ninguém tirar da solidão seus pacientes. Também seus familiares, seus amigos, seus colegas…

É por isso, também por isso, que eu sou seu paciente.

Autor: Jorge Alberto Salton

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