O ano letivo termina. Que ano foi esse? Que ano virá?

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Podemos fazer a diferença na vida dos alunos. O ano que finda, tão desafiador e singular, nos permite o reforço desse pensamento. Permite também ampliar a certeza de que o papel do professor é imenso, intenso, para além da visão que se reduz ao ensino, que tanto insistem em enfatizar, com o propósito de diminuir ou anular toda a grandiosidade e força das relações que só se constituem na escola.

Reconhecemos que foi um ano desafiador. Por tudo!

A situação pandêmica causada pelo Covid-19, o retorno à escola na modalidade híbrida e, posteriormente, o desafio do retorno totalmente presencial. Mesmo estando no final do percurso, o que temos em maioria são estudantes em processo de construção de vínculos afetivos com professores e especialmente com o grupo que, durante o escalonamento, não teve a convivência garantida e plenamente satisfeita.

Mesmo que o ano acabe, o que temos em maioria são estudantes desejosos pela vida escolar, dinâmica, viva.  A escola é o lugar que querem estar, permanecer, viver. Isso porque a modalidade remota, lamento informar, não se configurou como a mais desejada, embora ainda tenha quem acredite nisso.

 Mesmo que o fim do ano esteja próximo, reconhecemos que no percurso dele acabamos por desenvolver capacidades que nos permitiram crescer. Quem não aprendeu diante dos desafios deste ano? Sem contar o ano de 2020. É porque somos feitos de desafios! São eles que nos fazem crescer enquanto humanos.

O fato é que ninguém gosta de se sentir sacudido, de lá para cá, ou de cá para lá, sem direção, como se o piloto tivesse abandonado a embarcação. São rotinas muitas vezes distantes ou distorcidas em relação ao que de fato é necessário. O que se pretende dizer com isso?

Que, ao final deste ano, seja possível afirmar que houve uma entrega plena e verdadeira no que fizemos enquanto educadores, e por essa razão nos tornamos melhores em muitas dimensões.  Inclusive para dizer que tudo tem limite! Chegamos ao limite em relação ao uso tecnológico-remoto e nos tornamos ávidos pelo cheiro da escola (mesmo com máscara), barulho da sala de aula, olho no olho e toque (com muito álcool em gel depois).

O professor precisa olhar, ouvir, sentir, tocar. Tem que perceber para além do que os alunos demonstram. O que acontece na escola, e só na escola, e está inteiramente ligado e dependente com o que se passa com seus alunos fora dela.  E a modalidade remota não tem esse alcance! Lamento, mas não tem. Por isso que a escola é mais do que um espaço privilegiado para o ensino, é sobretudo um espaço social, diverso e complexo de relações. Enquanto professor, se os olhos se fecharem para isso, certamente restará o fracasso.

É que na condição de professor, é no chão da escola que se pode fazer a diferença na vida dos alunos. Claro, se eles forem o foco. E convenhamos, é questionável se no atual cenário eles de fato são o foco. Parece que estamos nos distanciando cada vez mais desse propósito, apesar de ter quem discurse o oposto. Mas, como dito anteriormente, nos capacitamos muito durante este tempo difícil, tanto que podemos dizer tudo tem limite! Sabemos o que estão fazendo. Sabemos dos seus planos futuros…

Na condição de professor, podemos fazer a diferença na vida dos alunos. O ano que finda, tão desafiador e singular, nos permite o reforço desse pensamento. Permite também ampliar a certeza de que o papel do professor é imenso, intenso, para além da visão que se reduz ao ensino, que tanto insistem em enfatizar, com o propósito de diminuir ou anular toda a grandiosidade e força das relações que só se constituem na escola. 

Como nos humanizamos? Assista: https://youtu.be/Il_XyDpcsgY?t=12

As modificações da sociedade exigem agilidade dos profissionais da educação em relação ao rendimento dos estudantes. Para cumprir com as determinações legais e alcançar o perfil em voga, os professores acabam por se amparar em programas e projetos que (de)formam exclusivamente para um tipo de sociedade. Dito de outro modo, logo perceberemos a competição entre nossas escolas, num ambiente restritivo, que não contempla os sentidos plurais e inteligentes do ser humano. Estaremos imersos em práticas verticalizadas que encerram o ser humano num mundo desprovido de possibilidades, isso tudo porque se tem como pano de fundo a lógica da competição e da lucratividade. 

No entanto, em contextos social, cultural e economicamente diversos, mais do que conhecer as realidades, é fundamental compreender as situações em que os indivíduos vivem (ou muitas vezes sobrevivem).

Então, qual é conhecimento que se consolida como essencial e que se torna o diferencial na vida do aprendiz? É aquele que permite entender o outro.  Para tanto, é necessário que nos coloquemos no lugar desses outros, com a acolhida, a escuta e a relação humanizada. Isso é o que deveras importa.  Essa perspectiva ultrapassa o processo de ensino, porque almeja algo maior: a compreensão do outro.  E quando alcançamos esse entendimento, conseguimos fazer a verdadeira diferença. Ambas as vidas mudam, a do outro e a minha. Isso é educação plena! E ao mesmo tempo, é do que mais estamos carentes!

Acontece que a escola contemporânea atua como uma empresa. Reestrutura-se para estar em concordância com os objetivos comerciais. Atende um “conjunto de discursos, práticas e dispositivos que determinam um novo modo de governo dos homens segundo o princípio universal da concorrência” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 17). Por esta concepção de característica utilitarista e excludente, ocorre o esquecimento da história pessoal de cada ser e os pilares necessários à vida coletiva.

A realidade de muitas escolas é dura e esgotante. Muitas vezes agimos como o professor que não gostaríamos de ser: apressado; tenso; preocupado; o que fala alto; o que faz a pergunta e dá a resposta; o que perde a paciência; o que não ouve; o que usa e abusa dos manuais; o que usa e abusa da tecnologia; o que fala sem pensar; o que só pensa e não fala; o que diz coisas que não quer e não sente; o que é absorvido pelo cansaço… Tudo isso nos faz mais fracos, e na fragilidade nos esquecemos de argumentar e combater os despropósitos que por vezes nos impõe, e um deles é o que nos limita a só transmitir conhecimento, impedindo a verdadeira compreensão do outro.

Não é fácil conseguir energia para lidar com as adversidades que surgem, mas não é momento para atirar a toalha ao chão! E é isto que deve ser lembrado e até transformado em mantra.  Temos que pensar no ano que virá e oferecer uma educação de qualidade, independente das imposições! E isso implicará alguns embates, pois não haverá garantia dela sem eles. E a qualidade requer que alguns direitos sejam assegurados/respeitados. Mas quais direitos?

De ter uma escola permeada por relações dialógicas. De ter uma escola com possibilidades para aprender com o outro. De ter uma escola que seja possível conhecer e compreender o outro. De ter uma escola que seja possível participar. De ter uma escola comprometida com memórias, momentos e experiências e situações de vida. De ter uma escola que permita a leitura do mundo. De ter uma escola consciente e crítica acerca da realidade, e disposta a agir para melhorá-la. De ter uma escola que prefere cooperar ao invés de competir. De ter uma escola de resistência ao que (de)forma e (des)educa. De ter uma escola com capacidade e coragem para dizer: NÃO. ISSO NÃO É EDUCAÇÃO!

As escolas só serão locais de profusão de solidariedade se fizerem de seus espaços, locais onde se alimenta sonhos. Há muito as escolas deixaram de ser o local onde se vive sonhos. (Everaldo Reis) Leia mais: https://www.neipies.com/escolas-mais-solidarias-pos-pandemia/

Referências bibliográficas:

DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian: A escola não é uma empresa: o neoliberalismo em ataque ao ensino público. São Paulo: Boitempo, 2019.

DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian:  A nova razão do mundo: Ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.

Autora: Ana Lúcia Vieira

Edição: Alex Rosset

 

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