Não desista Rubes

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Na trama da vida e na complexidade do nosso tempo, perder ou ganhar, são valores vazios e desprovidos de seu significado essencial.

Estava pensando em você Rubes, quando ouvi a expressão que falava assim: ‘um sino não é um sino sem você tocá-lo’.  Então pensei: um amigo não é um amigo sem se mostrar amigo.  Escrever é sempre o melhor caminho para se expor o que se pensa e pensar com os amigos.

O seu Nadir sempre fala de você, com aquele carinho típico. No entanto, quando apresentei o projeto das caixas sustentáveis, lembra, percebi ali o desânimo, dúvidas, e uma postura de incredulidade frente ao convite. Não que não estivesse agradecido, sem dúvidas.

Olha Rubes, não se preocupe, porque era apenas uma oportunidade.  E elas surgem todos os dias e nem sempre são as melhores para nós.  Às vezes, são convites menores e, ao invés de aceitarmos, recusamos, para em seguida, vermos nelas um livramento. Quantas vezes!

Você não é obrigado a viver como que se perguntando quais as oportunidades em que agarrou e quais as que perdeu.  E nem deve se culpar pelas que sumiram, e que talvez fossem boas, talvez não.  Nossa carreira não é muito longa e, quando acordamos, estamos em um estágio em que parece não haver retorno possível.

Mas isso é só meia verdade.  Sempre há um retorno! Nossos recomeços podem ser ilimitados, nosso tempo nunca acaba, não enquanto estivermos respirando.  Acaba, um dia, quando nós mesmos o damos por encerrado.  Podemos recomeçar, reaver o que nós achamos que perdemos, a todo instante.  Se é que perdemos alguma coisa. 

Dizem que bens, dinheiro, pessoas, se partiram e nos deixaram, é porque não nos pertenciam e nunca deveriam ter permanecido conosco. O mesmo vale para derrotas, que podem ser apenas o resultado de falsas batalhas.

Nós somente perdemos o que não nos importou, mesmo que distraídos.  Deixamos fugir o que em nossa escala de valores, mais tarde, sequer lembramos.  E somente se compararmos com o que não temos! Não podemos falar em perdas, que, em essência, nunca foram nossas e nem deveriam ficar ao nosso lado.

Ficamos muito tempo com os olhos no passado e não fazemos a conta exata do quanto nos resta.  Porque a nossa idade real é aquela em que ainda temos para viver e não a que já se consumiu.

O que de fato perdemos?  Vamos à Bíblia:  Deus ‘perdeu’ seu filho para salvar a humanidade.  Na verdade, não o perdeu, antes, ganhou milhares de pessoas que o amam até a morte.  Daí que há salvação para todos. E João lembrou que quem ama sua vida vai perdê-la e quem a perde, ganhará. Então perdemos o quê mesmo?

Família, amigos, pais, irmãos, mais amigos, isso sim, são perdas irreparáveis.  Até na saúde precária podemos viver e sorver a vida, em sua magnífica beleza.

O nosso acúmulo de coisas ao longo de nossa jornada vai se tornando pesado e, na medida em que avançamos, aumenta. Arrastamos nossos troféus para que os outros nos contemplem. Mas o olhar indiferente do vizinho e a poeira, é o que neles restará.

As pessoas acumulam muitas coisas, bens, ativos, dinheiro.  A corrida é grande e uma luta para conquistá-los. Em sua partida, porém, haverá limites à sua bagagem. Esquecem que ao final da pista, poucos quilos caberão em sua mala. Nenhum, talvez.  E então a sua vida passa, em tormentas diárias, de trabalho e ansiedade sem limites. Vencedores, nós os chamamos.

O conceito de perder e ganhar, em nossa sociedade foi banalizado.  Em meus lançamentos recentes, pude certificar.  Ao convidar uma professora para apreciar um livro, justamente sobre aceitação, vimos ali uma heroína, que tem em sua carreira uma vida de doação.  Entretanto, outras pessoas, que sequer apareceram, quem sabe por estarem desligadas do verdadeiro sentido do que seja vitória. Pois é na falta da tolerância, da convivência, da empatia e do respeito mútuos, que ali mesmo nasce a derrota.

Vencedores nesta sociedade, são os que conseguem mostrar em sua aparência, o que têm, o que é mensurável, o que vale para mostrar?  Isso para o olhar do outro e sua admiração e, em seguida, para sua inveja.

Muitos bens e pouco bem.  E o que não vemos, quanto vale? Qual o valor de uma casa vistosa, de um carro de luxo, de uma vida de consumo frente a rotina de uma mulher, que levanta todas as manhãs para cuidar de uma casa de repouso, que acolhe pessoas abandonadas!  Cuida de gente sem valor algum, que não produz mais nada e que nada pode consumir. O que vale mais?

Na trama da vida e na complexidade do nosso tempo, perder ou ganhar, são valores vazios e desprovidos de seu significado essencial.

A questão é que nós já os incorporamos, acreditamos nestas conquistas e, quando as conquistamos, ou mesmo, quando as perdemos, será sobre estes padrões que nos julgamos. E sofremos com isso.

Uma pessoa passa a vida dedicada ao bem, por exemplo, a crescer e ensinar às pessoas ao seu redor, mas muito pouco juntou, sendo depois julgada pelo que conseguiu.  Um homem arrogante e tolo, por outro lado, egocêntrico e incrédulo, é admirado e louvado pelos bens que mostra à sociedade.  Não estamos todos perdidos, sob este ponto de vista?

Somos prisioneiros de valores pelos quais não nascemos para lutar e passamos a vida inteira no seu encalço, para depois reconhecer, que o bem maior é a nossa coleção de amigos e não as ações na bolsa que empilhamos.  Mas aí pode ser tarde demais!

Temos de abandonar nossas perdas, porque em sua maioria trata-se de bens e não da essência para o que viemos aqui. Elas têm de partir, uma vez que não nos pertenciam. Temos de segurar o que nos envolve, o agora, porque o que resta de tempo é o único e verdadeiro tesouro a guardar. E assim sempre aprender.

Desistir? Somente quando a tampa for baixada.  Antes disso, há que se reavaliar, ressignificar, recomeçar, refazer, reconquistar, reencontrar…

Ao Universo e a Deus não há dias ou anos. Há hoje. Nós é que tentamos enganá-los, fatiando o tempo ao nosso interesse, como que negociando dias em troca de anos.  Não dá certo! Vivemos tudo ao mesmo tempo.

A cada manhã em que nos levantamos, não há diferença alguma entre a noite que se foi e o dia que começa.  Tudo é presente.  E o mal que passou não vale mais, a dor de ontem não nos faz mais sentir. Daí que mágoas devem ser abandonadas, esquecidas, derrotas devem ser minimizadas, e um novo foco em valores reais deve ser reestabelecido. É retomar a vida que nos foi emprestada.

Voltando ao sino, Rubes, pense em cada vez que ouví-lo, assim que dobrar, uma perda tem de ser esquecida.

Viva seu recomeço!

Autor: Nelceu Alberto Zanatta, autor do livro “A planta, suas folhas e um sino”. https://www.neipies.com/uma-potente-pegada-por-empatia-em-livro/

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