Não sejamos ingênuos a ponto de achar que
os militares venham resolver os problemas que nossos melhores
quadros políticos, nossas melhores organizações políticas,
têm dificuldade de fazer.

 

Nesses últimos dias tenho pensado muito. Várias pessoas têm me provocado para produzir uma posição a respeito do que temos assistido, ouvido, acompanhado no nosso país. Então, resolvi escrever esta reflexão como colaboração à reflexão e ao debate, sobretudo movido por essas chamadas que temos visto em todo canto pedindo “Intervenção Militar Já”. Acho que isso merece uma reflexão e um posicionamento sério, consistente, contundente.

Pessoas democratas, pessoas que valorizam os direitos humanos, pessoas que apoiam o respeito à dignidade, pessoas que apóiam a luta social, o respeito à pessoa humana, não podem pactuar com esse tipo de solicitação.

Pedir intervenção militar significa acreditar que nós, cidadania, não temos condições de resolver nossos próprios problemas e precisamos recorrer a uma força que, nós mesmos, como cidadania, constituímos para nos ajudar a nos proteger naquelas situações de maior ameaça e de violência, particularmente de violência externa. É para isso que existem Forças Armadas.

Então, é, na minha avaliação, primeiro, um atentado contra a consciência democrática, e, segundo, uma declaração de falência ou de incompetência cidadã.

Muitas pessoas têm dito: “não, mas gente não quer uma ditadura militar, só quer uma Intervenção Militar”. Espera aí, o que é isso? Intervenção Militar está prevista na Constituição, é verdade, como está acontecendo no Rio de Janeiro, por exemplo, no caso da Segurança Pública. Mas isso é apenas em situações absolutamente excepcionais e dentro de um contexto bem particular e específico. Não é o caso do que essa gente está pedindo. O que essas pessoas estão pedindo é um Golpe Militar, ou seja, que os militares assumam o poder do país, como já fizeram em outras épocas, sobretudo em 1964.

Dizem: “não, mas se o povo pede, pode fazer, já que o poder emana do povo”… Quem advoga Golpe Militar, advoga a destruição da democracia. Por quê? Porque, efetivamente, ao assumir um governo dessa maneira rompem-se os processos democráticos, rompe-se aquilo que a Constituição brasileira determina ser o processo através do qual o povo, e cada um e cada uma de nós, exerce o poder.

Claro que o poder emana do povo, mas o poder será exercido conforme aquilo que a própria sociedade, aquilo que o próprio povo, no processo Constituinte, estabeleceu como regras fundamentais inscritas na Constituição para que esse poder seja exercido, ou seja, com processos eleitorais, com alternância do poder e outros mecanismos.

“Ah, mas não teve ditadura no Brasil”. O que é isso? Quem governou o país de 1964 a 1985 se não foram militares. Foram eleitos por acaso pelo povo? Não. O Parlamento nesse período foi eleito pelo povo? Não. Ou seja, objetivamente, o poder deixou de emanar do povo.

Quem pensa em Intervenção Militar, sob esse ponto de vista está defendendo Ditadura, Ditadura Militar – não tem outro nome, apenas pode ser um eufemismo –, e isso não faz bem para ninguém. Aliás, não se cura a democracia, e a democracia pode ter muitos problemas, com menos democracia. SÓ SE CURA DEMOCRACIA, COM MAIS DEMOCRACIA. Só se cura liberdade, com mais liberdade. Só se cura injustiça, promovendo a justiça.

Só a democracia nos permite alargar os horizontes das ideias que estamos construindo na história. Somente ela é capaz de considerar as contradições dos pensamentos, para aperfeiçoá-los. Por conta disso, convivemos em permanente tensão entre aqueles que querem fazer das ideias exercício de liberdade e aqueles que gostariam de dizer aos outros “o que podem e devem pensar e fazer”.

Novas ditaduras

Enfim, se esses elementos todos são básicos da nossa compreensão, então acho que não dá para a gente conviver com esse tipo de oportunismo político, populismo político, sem-vergonhice política, que quer enganar os pobres achando que, com isso, vai produzir uma solução rápida, fácil, que resolva todos os problemas. Resolveremos nossos problemas, sim, na medida em que, como cidadania, formos capazes de tomá-los a sério em nossas mãos, a enfrentá-los como problemas nossos, como problemas comuns, como problemas a serem resolvidos por todos e todas.

A crise do abastecimento, a crise dos combustíveis, não tem a ver só com a incompetência e a incapacidade desse governo – que é fruto de um golpe. Tem a ver também com a lógica toda do mercado internacional que joga os combustíveis num campo fundamental de acumulação de riqueza, por isso é que a Petrobras, que agora está a serviço do grande capital internacional, prefere especular vendendo petróleo in natura e comprando petróleo refinado, a custo muito mais caro, onerando o povo brasileiro, a fazer uma política decente que dê efetivamente apoio às condições de vida do povo brasileiro. Então, são opções políticas condicionadas por lógicas de mercado. E elas são parte da política, não nos esqueçamos.

Não vamos ser ingênuos a ponto de achar que os militares venham resolver os problemas que nossos melhores quadros políticos, nossas melhores organizações políticas, têm dificuldade de fazer.

Se temos dificuldade de fazer porque atravessamos esse momento difícil da história, aprendamos com ele e acumulemos consciência e força para seguir lutando, para seguir se organizando, para seguir fazendo da democracia, para seguir fazendo da liberdade, para seguir fazendo da Justiça, para seguir fazendo dos direitos humanos LUTA PERMANENTE e não concessões por qualquer razão que seja.

É isso que me ocorre dizer nesse momento tão difícil, mas que, ao mesmo tempo, exige que a gente assuma posições claras, consistentes e consequentes.

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