Função do ensino religioso na perspectiva da laicidade

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O ensino religioso é mais uma oportunidade
que a escola tem de estudar a cultura local.  
A valorização dos aspectos culturais e religiosos
da sociedade na qual a escola está inserida é fundamental.


É possível ensino religioso nas escolas públicas e privadas no contexto da laicidade brasileira? Qual a função do ensino religioso na perspectiva da laicidade?

Quem não se lembra das aulas de ensino religioso no ensino fundamental? Acredito que a maioria dos brasileiros tiveram aulas com padres, freires, pastores ou pessoas muito engajada em suas atividades religiosas.

Os conteúdos ensinados provavelmente eram ensinamentos sobre a Bíblia, Deus, Maria, Santos, Orações, Campanha da Fraternidade, Círio de Nazaré, Natal, e outros feriados religiosos. O intuito do ensino religioso era a catequização, proselitismo religioso e as igrejas terem espaços nas escolas públicas e privadas para ministrarem temas ligados as suas confessionalidades.

Historicamente, o modelo confessional (ensino dos dogmas religiosos) foi o escolhido pelas escolas públicas e privadas para a identidade do componente curricular ensino religioso. Isto deve-se a influência da Igreja Católica na política brasileira. Acredita-se que o ensinamento do credo, dogmas e princípios morais cristãos eram necessários para a formação humanística do aluno.

A partir da década de 1980, o Brasil avança para o crescimento de outros grupos religiosos cristãos. Os evangélicos tem aumento substancial em número de adeptos e influência na sociedade.

Há quem diga que nas próximas décadas o Brasil será de maioria evangélica. Evangélicos conquistam espaço nas escolas e naturalmente o modelo interconfessional acaba sendo assumindo por alguns sistemas de ensino. Interconfessionalidade consiste no ensino confessional de vários credos religiosos nas aulas de ensino religioso. A diferença que os conteúdos não apenas de inspiração católica, temos a presença de elementos de outras religiões, sobretudo as evangélicas pentecostais e neopentecostais.

Tanto o modelo confessional quanto o modelo interconfessional são problemáticos para o contexto da laicidade em que vivemos. Entendemos a laicidade a separação da Igreja e do Estado.

Assuntos relacionados a religião são fé fórum íntimo, ou seja, a vivência da religião, religiosidade ou outro aspecto de fé é algo particular de cada um. O espaço público é o espaço de todos.  Cabe ao Estado não ter uma religião. A função do estado é garantir a liberdade de culto e religiosa, tratar todas as religiões de forma igualitária, vetar intolerância religiosa e racismo religioso ou qualquer forma de proselitismo religioso nas escolas (isto é constitucional).

O que vem ocorrendo diariamente nas escolas públicas nas escolas brasileiras? Muitos professores de ensino religioso impõe sua religião aos alunos dentro das aulas. Demonizam expressões religiosas diferente da teologia católica ou protestante, a exemplo das religiões de matriz africana. Satanizam as questões de gênero e sexualidade, investem em oração do pai nosso, Ave Maria, recitação da Bíblia, cultos, missas, palestras ecumênicas, dentre outras práticas proselitistas.

Como falamos, o Brasil não é mais um país de maioria católica. Nas últimas décadas, percebemos queda significativa do número de católicos e aumento dos evangélicos e dos sem religião. O perfil religioso do brasileiro mudou radicalmente. O Brasil não é mais uma nação católica e sim de maioria de católicos.

A pluralidade é o retrato da prática religiosa do brasileiro. As pessoas podem optar por serem católicas, evangélicas, espiritas, candomblecistas, islâmicas, umbandistas, vinculadas a alguma filosofia religiosa oriental, uso o chá da Ayahuasca, ou simplesmente não terem religião.

As religiões, religiosidades, filosofias de vidas, crenças, espiritualidades ou o nome que queira sempre influenciaram e sempre continuaram a influenciar a vida particular dos brasileiros e as decisões nos espaços públicos. Isto é, a religião dialoga com as questões de educação, saúde, segurança pública, direitos humanos, turismo, patrimônio, violência, cultura, juventude, e dentre outras áreas.

Acreditamos que a função do ensino religioso na escola pública e laica é outra. É levar o aluno a compreender a religião enquanto fenômeno social. A religião pode e deve ser estudada a partir de uma perspectiva cientifica. As aulas podem ser espaços riquíssimos de levar o nosso alunado a refletir como a religião pode incluir ou excluir as pessoas na sociedade. Isto é, não seria o ensino teológico e sim fenomenológico.

As aulas de ensino religioso precisa estar vinculado a proposta de educação em direitos humanos nas escolas. Os conteúdos relacionados a valores de liberdade, justiça social, tolerância a religião e cultura do outro, solidariedade e promoção da cultura da paz. Caberia ao professor de ensino religioso discutir questões de gênero, raça, etnia, migração, política, cultura, sexualidade, mulheres, indígena, ambiental, na conscientização do respeito as pessoas, a sociedade e a pluralidade religiosa e cultural.

O ensino religioso é mais uma oportunidade que a escola tem de estudar a cultura local.  A valorização dos aspectos culturais e religiosos da sociedade na qual a escola está inserida é fundamental.

Podemos citar o exemplo da Amazônia. Alguns estados reformularam seus conteúdos de ensino religioso e priorizaram as características da cultura e religiosidade local. Os temas trabalhados são as tradições indígenas, as práticas e saberes africanos, religiosidade popular, festas tradicionais, cultura religiosa do ribeirinho e das comunidades quilombolas, turismo religioso, espaços sagrados, dentre outras opções. O objetivo maior é combater a intolerância religiosa e o racismo religioso.



Numa experiência inédita na cidade de Passo Fundo, pelo quarto ano consecutivo, alunos e alunas do nono ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental Zeferino de Costi (ZDC), organizados por seu professor de Ensino Religioso, realizam visitas de conhecimento à Catedral (referência dos cristãos católicos), Sinagoga (referência dos irmãos judeus), Mesquita (referência dos irmãos muçulmanos) e Centro Espírita Dias da Cruz (referência dos irmãos espíritas).

Acreditamos que a ciência referência para o docente em ensino religioso é a Ciência da Religião. Necessitamos de uma política pública que esteja em consonância com os referencias teóricos e metodológicos de pensar a religião enquanto ciência e não dogmatismo. Para isso, as universidade públicas e privadas necessitam oferecer cursos de graduação e de pós-graduação em ciência da religião. Uma pena que a realidade é o contrário. Há resistência de reitores, secretários de educação no comprometimento desta agenda de ensino e de pesquisa.



Acreditamos que o Ensino Religioso tem a possibilidade de educar para a espiritualidade como CUIDADO: de si mesmo, dos outros, da natureza e do Transcendente. Como afirma Frei Betto, “são inúmeros os exemplos de generosidade e solidariedade nesse período em que estamos todos potencialmente ameaçados. Esses gestos têm sua fonte na espiritualidade, ainda que sem caráter religioso. Espiritualidade é a capacidade de se abrir amorosamente ao outro, à natureza e a Deus. E o que ela melhor nos ensina é o desapego, o segredo da felicidade. Rico não é quem tem tudo, dizia Buda, e sim quem precisa de pouco”.

Autor: Marcos Vinicius



Propostas de uma atividade pedagógica Ensino Religioso

Esta atividade pode ser aplicada a estudantes de Nono Ano do Ensino Fundamental ou do Ensino Médio.

No Nono Ano, Unidade temática: Crenças religiosas e filosofias de vida, Objetos de Conhecimento: Princípios e valores éticos. Habilidades: Reconhecer-se como parte integrante de uma sociedade pautada em princípios e valores morais, éticos e religiosos.

Questões de aprofundamento:

  1. Comente com seus familiares algumas ideias do texto, sobretudo sobre a forma como eram as aulas de Ensino Religioso no seu tempo de escola (as aulas eram confessionais, interconfessionais ou interreligiosas)? Anote algumas ideias.
  • A maioria dos professores de Ensino Religioso trabalham com o diálogo inter-religioso, ou seja, respeitando todas as religiões e abordando o conhecimento das mesmas, sem fazer proselitismo. Pesquise na internet o que é proselitismo.
  • Segundo o autor do texto, o que mudou na cultuara e na religiosidade do povo brasileiro nos últimos tempos?
  • Qual é a função do Estado, ou da Escola Pública, no que diz respeito às diferentes religiões?
  • Segundo o autor, como devem ser as aulas de Ensino Religioso?

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