Enfermeira: uma profissão de CUIDADO

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Nelci Zorzi, 54 anos, é mãe, enfermeira Obstetra e Doula. É Mestre em Enfermagem e professora. Uma profissional dedicada e realizada em sua profissão. Quando fala de enfermagem, é grande entusiasta e defensora destes profissionais que tanto se dedicam ao CUIDADO na área da saúde.

Acompanhando as mulheres durante a gestação e nascimento, pós nascimento como enfermeira obstetra e Doula, revela-se uma grande parceira e um importante suporte para a boa condução deste importante acontecimento (o nascimento) para toda a família.

Realiza atendimento domiciliar e hospitalar, cursos para casais grávidos e assistência de enfermagem obstétrica para gestantes e parturientes na hospitalização e domicílio durante o parto natural humanizado e cesareana humanizada. Cuida da mãe e bebê – família após o nascimento, prestando cuidado ao recém-nascido, consultoria em aleitamento materno entre outros cuidados.

Empreendeu, também, na Bem Acolher, Centro de Atendimento a gestantes.

Conheçamos Nelci Terezinha Zorzi, por ela mesma.

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SITE NEIPIES: Como, quando e porquê decidiste ser enfermeira?

Enfermeira Nelci Zorzi: Meu desejo desde criança era ser enfermeira e trabalhar num hospital. Saí de São João Da Urtiga em 1983, para estudar em Sananduva, num município vizinho de São João da Urtiga. Na época, nosso município era distrito de Paim Filho, município vizinho também. Não tínhamos o “segundo grau” (hoje Ensino Médio) no colégio daí fui em busca do meu sonho de estudar. Meu pai sempre falava pelo menos os três últimos filhos devem estudar, pois somos uma família numerosa de 11, 10 filhos vivos.

Lembro até hoje do dia que meu irmão e minha mãe foram me levar até Sananduva, iria morar em casa de família, trabalhar de doméstica e estudar à noite. Tinha 15 anos, era magrinha, pequena, quando a “Dona Gema Salvador” que era fotógrafa conhecida na cidade me recebeu, olhou pra mim e se surpreendeu. Depois me relatou o que pensou: “O que vou fazer com essa menina magrinha, não vai saber fazer nada em casa, os serviços da casa, comida, cuidar de roupas…. Para sua grata surpresa, fazia tudo… pois minha infância foi de aprender trabalhar desde cedo, com os pais agricultores. Meio turno íamos a escola o outro turno íamos pra roça e ajudávamos nos afazeres de casa… mas brincávamos muito também… fugíamos logo depois do almoço brincar, eu meu irmão mais novo Claudiomiro e minha irmã Nair.

Nossas brincadeiras eram muito diferentes das que temos hoje. Subíamos em arvores, brincávamos no meio dos grãos de soja que tínhamos nos galpões (chamados de Paiol). Fazíamos “casinhas” em baixo das árvores.  E muitas outras brincadeiras com vizinhos, primos, amigos…, cata vagalumes a noite, jogar bola, caçador, espiribol… Mas meu sonho de ser ENFERMEIRA estava guardado em meu coração.

De Sananduva vim a Passo Fundo fazer a prova para Auxiliar de Enfermagem no HSVP (Hospital São Vicente de Paulo) em 1987, com ajuda da família de Dona Ione Chiocheta, onde, naquele momento trabalhava como empregada doméstica. Fui aprovada, cursei Auxiliar de enfermagem, comecei trabalhar no HSVP no mesmo ano (1988), e em 1989, me desafiei a fazer vestibular na UPF e então iniciei a faculdade com turno integral e trabalhando à noite. Foi um grande desafio, mas a determinação para vencer o cansaço físico e dificuldades financeiras para estudar, me sustentar com aluguel, alimentação, transporte etc… Venci um passo de cada vez.  Os acessos a tudo eram muito mais difíceis do que temos hoje.

Mas meu sonho se concretizou, de estar atuando no cuidado das pessoas, atuei por 14 anos no hospital como enfermeira ssistencial, depois segui como docente que já atuava desde 1994 na UPF, no curso Técnico de Enfermagem e, em seguida, na graduação. Como docente por 22 anos! Neste tempo todo estava em contato no ensino da enfermagem e em 1999 junto a empresa SAMUR- Emergências médicas, montamos eu e uma colega enfermeira Maristela Rodrigues a Enfermagem Domiciliar, onde fazíamos desde procedimentos variados a Home Care.

Nesta caminhada, fiz duas especializações, uma delas Enfermagem Obstétrica na UNISINOS, Mestrado na UFRGS e cursos na área da Humanização do nascimento, Parto, Atendimento Obstétrico de Enfermagem à nível domiciliar e curso de Doula, para agregar no meu currículo.

SITE NEIPIES: O que mais realiza e desafia como enfermeira?

Enfermeira Nelci Zorzi: O que mais me realiza é estar junto, na gestação, acolher e acompanhar a mulher no parto, no nascimento. Cada nascimento, para mim, é um Renascimento. Ver a alegria, a emoção do nascer no parto, é algo mágico, emocionante, transformador. Uma renovação, VIDA!

Hoje, meu maior desafio é estar e seguir apoiando, encorajando, empoderando as mulheres, os casais, na busca do parto natural humanizado, que estes sejam respeitados no plano de parto de sua escolha. Que o filho deste casal seja recebido com amorosidade e acolhimento, respeitando a Golden HOUR: hora dourada (contato pele a pele logo após o nascimento, o bebê deve ser entregue à mãe para que tenham contato pele a pele. Deve ser estimulado que o bebê seja amamentado pela mãe o quanto antes).

Sabemos que temos um sistema no Brasil com alto índice de cesareanas eletivas, cesareanas desnecessárias, e estamos sempre levando informações aos casais durante a gestação da importância de se aguardar o bebê sinalizar que está pronto para nascer, de se ter a possibilidade da mulher entrar em trabalho de parto, de ser a protagonista do seu Parto.  E desmistificar o parto, pois temos muitas informações inadequadas sobre o processo de parir. Estamos sempre nos desafiando, pois o sistema vigente nem sempre segue o que é recomendado pelo Ministério da Saúde nos programas de Humanização do Nascimento. Muitas vezes remamos “contra a maré”.

Nosso papel na Assistência em ENFERMAGEM OBSTÉTRICA é primordial para garantirmos uma adequada assistência á mulher na gestação, parto e pós parto. E fazer um trabalho em equipe multidisciplinar, com isso quem sairá ganhando são as mulheres e suas famílias.

SITE NEIPIES: Dentre os profissionais da saúde, os enfermeiros e enfermeiras têm o devido reconhecimento?

Enfermeira Nelci Zorzi: Dedicamos a vida aos pacientes. A Enfermagem é a profissão do cuidado, cuidamos com o coração, olhamos para o ser humano como um todo; eu não consigo ver de outra forma. A enfermagem tem um papel fundamental no cuidado, no ensino de educação ao autocuidado. Somos qualificados pra atuar na assistência de qualidade, nas instituições hospitalares, nas instituições que cuidam de idosos, na atenção básica, no atendimento domiciliar, no ensino, pesquisa, etc.

Infelizmente, temos um estigma de ser uma profissão auxiliar outras categorias de profissionais, mas não somos meros auxiliares. A enfermagem é curso superior como outro, temos nível superior, temos muitos enfermeiros com Mestrado, Doutorado, Pesquisadores, etc.

Muitas pessoas valorizam a Enfermeira(o) quando realmente precisam, vejam agora na Pandemia. O papel fundamental no cuidado que a enfermagem está tendo. E, infelizmente, muitas instituições não reconhecem e não tem um plano de cuidados destes profissionais que estão na frente e adoecendo também. Perdemos muitos colegas de enfermagem no Brasil nesta pandemia.

Mas eu vejo muita mudança nos últimos anos, pois o enfermeiro buscou a autonomia de sua profissão, temos muito espaço ocupado pelo enfermeiro (a) e sendo ocupados lindamente com muita eficiência, liderança e gestão de qualidade.

Vídeo do IbacBrasil – Tecnologias Educacionais, apresenta Enfermagem como profissão do CUIDADO. Veja aqui:



SITE NEIPIES: O que significa Enfermagem, a profissão do Cuidado?

Enfermeira Nelci Zorzi:  Cuidar vem desde o nascimento, alguém precisa nos cuidar ou morreremos.  E precisamos ser cuidados até o final de nossa vida. Entendo que cuidar é apoio, troca de idéias, ajuda, atenção, solidariedade, tomada de decisões, sempre embasados no conhecimento técnico e cientifico, promovendo e mantendo o bem-estar.

É estar envolvido no processo, cuidar com qualidade, proporcionar o melhor para se obter o melhor resultado, independente se for um simples procedimento ao mais complexo, se envolve equipamentos, monitores, exames ou simplesmente ouvir a pessoa que estamos cuidando.

Cuidar com o coração, com amorosidade, alicerçado no conhecimento cientifico e na compaixão, para que nossos pacientes recuperem o mais rápido possível sua integridade física e moral.

Cuidar é doar, amar, se colocar no lugar do outro.

Quando estou, por exemplo, acompanhando um trabalho de Parto, me entrego totalmente a este processo. A mulher precisa de mim inteira, conectada, apoiando, mostrando confiança. Trabalho para que esta pessoa que estou cuidando tenha um cuidado digno e respeitoso.

SITE NEIPIES: O que significa conciliar o trabalho de Enfermagem Obstétrica e de Doula com o trabalho de ensinar os fundamentos da profissão, como professora?

Enfermeira Nelci Zorzi:  Incluiria aqui o papel de mãe, que amo e é grandioso. Vejo que tudo tem uma ligação, não tem como desconectar.  Nosso cuidado está sempre ligado ao ensino, emeducação continuada, em promover a saúde e bem estar.

Como enfermeira assistencial, enfermeira obstétrica, professora, doula, minha caminhada também foi e ainda é muito voltada a área materno infantil, sempre no intuito de melhorar a assistência obstétrica e neonatal e iniciativas de resgate e estímulo ao parto natural que vem ao encontro com as ações propostas do Ministério da Saúde e outros órgãos como OMS e OPAS.

Através da enfermagem na defesa da saúde materno-infantil, aleitamento materno e educação permanente. Através da Bem Acolher segui mais focada aos cursos para casais grávidos e capacitação para profissionais que atuam com o atendimento de gestações, parto e pós-parto. Também na assistência de enfermagem obstétrica para gestantes e parturientes na hospitalização e no domicílio, durante o parto natural, cesarianas e período pós nascimento. Sempre estou comprometida com a atuação ética e humanizada. Todos os serviços desenvolvidos respeitam e buscam um equilíbrio com equipe multidisciplinar,

SITE NEIPIES: Durante a pandemia e a crise do isolamento social, qual é a importância do trabalho dos enfermeiros e enfermeiras, sobretudo nos postos de saúde e hospitais?

Enfermeira Nelci Zorzi:  Vejo que é um grande desafio aos colegas que se encontram nesta linha de frente. Eu, como enfermeira, não atuo mais diretamente como funcionária de instituições hospitalares ou públicas. Como mencionei, sou enfermeira obstetra e hoje desenvolvo meu trabalho atuando num serviço no qual sou idealizadora, que é a BEM ACOLHER- Atendimento obstétrico de enfermagem, diretamente com gestantes, casais grávidos, mães com seus bebês, consultoria em amamentação etc..

Na pandemia, o desafio é estar cuidando destas gestantes no nascimento e pós nascimento. Estamos tendo dificuldades em entrar em algumas instituições, pois o protocolo é apenas um acompanhante por gestante, que no caso será o companheiro (a), esposo.

Mas seguimos realizando partos humanizados onde está sendo possível e amparando estes casais, pois, pelo isolamento social, ficam sem o suporte de suas famílias no auxílio dos cuidados com a mãe e bebê, cuidados domésticos etc, o que acaba sobrecarregando esta mulher que acabou de ter seu filho. Este é um momento de muita necessidade de apoio afetivo, emocional e físico. Então, para nós da enfermagem, se faz necessário seguir com nosso cuidado técnico-científico e amoroso.

Como classe, vale pensarmos em como as autoridades em saúde, as instituições, sindicatos, Conselho de Enfermagem estão pensando no suporte de cuidados a nós profissionais. Que perspectivas, que projetos, o que a legislação está prevendo para cuidar dos profissionais de enfermagem que estão nesta pandemia? 

Como será o cuidado de quem cuida? Que ações estão sendo desenvolvidas dentro do ambiente de trabalho para que promovam a saúde física e mental destas enfermeiras (os)?  Suas famílias estão recebendo apoio psíquico e emocional?

O cuidador enfrenta diversas situações e fatores no ambiente de trabalho que afetam a sua integridade física, psíquica e emocional. Este é um questionamento importante de ser feito: que suporte está recebendo?



SITE NEIPIES: Como imaginas o futuro da enfermagem no pós pandemia?

Enfermeira Nelci Zorzi:  Sairemos fortalecidos, pois para a classe da Enfermagem, esta pandemia veio a fortalecer nosso compromisso de CUIDAR.

Nossa percursora da enfermagem, criadora da primeira escola de Enfermagem, FLORENCE NITGHALE, se destacou por cuidar de feridos em batalhas, ficando famosa na Guerra da Criméia. Em 1854, durante a Guerra da Crimeia, quando a o Inglaterra, França e Turquia enfrentaram a Rússia, Florence foi levada ao campo de batalha, onde assumiu a chefia do corpo de Enfermagem do exército britânico na Turquia. Alarmada com o alto índice de mortalidade causado pelo tifo e pela cólera, concluiu que as doenças hospitalares estavam matando mais do que os campos de batalha.

Com uma coleta constante de dados e aplicando os métodos de Quetelet, Nightingale organizou registros e estatísticas montando diagramas de área onde visualizou, mês a mês, que o rigor na assepsia fazia decrescer as mortes por infecção. Seu trabalho baseado em evidência foi responsável pela diminuição de mais de 70% das mortes de soldados feridos em batalhas, por decorrências de atendimento médico inadequado da época.  E cá estamos nós, de novo na linha de frente, no enfrentamento de uma pandemia, tratando de doentes desta pandemia, adoecendo também e muitos perdendo a vida nesta caminhada.

Como profissionais de saúde, entendo que situações como esta nos trazem, como classe, muitos questionamentos, amadurecimento, revisões de nossas funções e condutas e, principalmente, novos horizontes no cuidado, incluindo além de cuidar, muito mais espaço para o ensino e pesquisa.

SITE NEIPIES: Na tua visão, como sairemos desta pandemia? Que ensinamentos podemos levar deste período de imposição do isolamento físico e social?

Enfermeira Nelci Zorzi:  Eu acredito Nei, que depende como a encaramos. Se persistirmos com medo, pensamentos negativos, será mais delicado. O que vejo, é que temos muitas inseguranças quanto a questão de nossa integridade física e mental, quanto a questões financeiras e, principalmente, quando terminará esta Pandemia, se teremos vacina para proteger toda população, etc…

O medo e as impossibilidades de prever o futuro estão permeando nossa sociedade. Não sabemos se estaremos livres de nos contaminarmos com o COVID- 19. É uma guerra de inimigo invisível. Temos amigos, conhecidos, pacientes, adoecendo, morrendo…isto nos deixa instáveis…

Ainda temos como conseqüências da pandemia outras doenças que o isolamento social  e físico  trazem, que podem estar sendo esquecidas: depressões, pânico, abandono etc.. Sairemos desta, quando e como?  Depende como encaramos o medo, as fragilidades e como desenvolvemos a Solidariedade. E, principalmente, como encaramos e nos relacionamos com nosso próprio EU, e nosso próprio lar.

Não entrar no fluxo energético de negativismo e medo e sim do Amor e Perseverança!

SITE NEIPIES: Uma frase que define tua vida.

Enfermeira Nelci Zorzi:  Duas frases: “A paz do mundo começa em mim”! E “Para mudar o mundo, é preciso antes mudar a forma de nascer” (Michel Odent – obstetra Humanista Francês)

SITE NEIPIES: Que mensagem aos que te lêem agora?

Enfermeira Nelci Zorzi:  Dizer que acreditem em seu potencial, busquem seu propósito de vida!  A todos da Enfermagem: acreditem e valorizem sua profissão. Busquem vossa autonomia. Somos e seremos sempre uma profissão do Cuidado. Somos o nosso futuro!

Tomei como minha missão: “promover uma nova forma de nascer através de uma assistência adequada, humanizadora, acolhedora no período da gestação, nascimento e pós-nascimento, valorizando o ser humano em sua totalidade”.

Esta é a BEM ACOLHER, está é a NELCI!

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