Educação contemporânea: compasso de mudanças e manutenção de desigualdades

1385

Há mais de dez anos atrás, conhecemos o professor Eduardo Albuquerque, na rede municipal de Passo Fundo, onde fomos colegas de escola. Naquele período, Eduardo já tinha um diferencial em suas aulas de língua inglesa, pois portava um projetor e um notebook. Este seu estilo de ministrar aulas era verdadeiro encantamento para os estudantes daquele lugar de periferia em nossa cidade. Ao mesmo tempo em que projetava suas aulas, passava pequenos vídeos, enriquecendo os seus conteúdos.

Mais tarde, conhecemos e reconhecemos sua atuação como dirigente do CMP Sindicato em Passo Fundo, RS. Ao mesmo tempo, fomos acompanhando seus passos de aperfeiçoamento pessoal e professional, através da realização de seu mestrado na área da educação e agora o seu Doutorado.

Acompanhamos também sua longa trajetória como professor de Língua Inglesa em diferentes escolas particulares de nossa cidade e região.

Eduardo Albuquerque também é escritor. Editou o livro É para copiar, lançado pela Editora IFIBE, em 2016.

Em razão de seus estudos, de sua experiência na educação, de seu compromisso incansável pela qualidade na educação, decidimos conversar sobre as problemáticas do exercício docente a partir de sua trajetória e, num contexto mais amplo, a partir da pandemia.

Conheçamos um pouco mais de Albuquerque por ele mesmo.

***

SITE NEIPIES: Como, quando e porquê a educação entra na sua vida?

Professor Eduardo Albuquerque: Desde sempre. Ainda no ensino médio, sabia que seria professor, mas não sabia do que exatamente. A língua inglesa surgiu pela facilidade que tive com o idioma e por entender a importância de se aprender um ou mais idiomas não só como elemento de cultura, mas também como aprimoramento mental e cognitivo.

SITE NEIPIES: Em 2016, lançaste o livro É para copiar? Qual foi o objetivo desta obra e como foi esta tua experiência de escrita?

Professor Eduardo Albuquerque: O livro tinha o propósito de incialmente ser uma experiência de escrita. Me desafiar na difícil arte de escrever. Gosto muito de contos e crônicas, por isso decidi contar um pouco do que era a escola que eu via nos anos 70, 80, 90 e atualmente, usando pequenos contos e algumas crônicas. Nunca foi meu objetivo fazer reflexões profundas acerca da educação, apenas contar um pouco sobre a escola que eu e muitos outros da minha geração conheceram, tentando usar um texto mais leve e por vezes tentando ser engraçado.

SITE NEIPIES: O uso de tecnologias de informática nas suas aulas já é realidade há bom tempo. Qual é a importância das tecnologias na educação?

Professor Eduardo Albuquerque: Primeiro é preciso conceituar ou lembrar um pouco o que é tecnologia. Sempre que se usa esta palavra, pensamos em uma complexa rede de maquinas e equipamentos com instruções e comandos ainda mais complexos. Na verdade não é isso. Tecnologia é um produto da ciência, do estudo, da observação sendo colocados em prática.

Se voltarmos ao passado, tivemos tecnologias que revolucionaram o mundo todo e cito duas delas: o fogo e a roda. Na educação, tivemos algo que foi igualmente revolucionário e que se chama giz e apagador. Portanto, lidamos com tecnologia todos os dias, todas as horas. Não estaríamos aqui conversando se não fossem elas, você não tocaria o seu violão, não comeríamos o que comemos, não seriamos o que somos. É errado pensar em tecnologia como se fosse algo alheio à educação, pois tecnologia é que nos move e nos trouxe até este estágio evolutivo e vai nos levar a lugares que não sabemos, inclusive na educação.

SITE NEIPIES: Por alguns anos, tiveste ativa participação nas lutas sindicais do magistério público municipal. Qual foi tua maior aprendizagem deste período?

Professor Eduardo Albuquerque: Aprendi muitas coisas. Aprendi que nos falta consciência de classe. Saber reconhecer quem somos e de onde viemos e que papel nos foi imposto pelo “stablishment”, e saber enfrentar estas forças que nos dominam.

Aprendi que sindicato é feito tão somente pelos seus filiados, pela categoria em geral. As decisões tem que partir do coletivo que é a instância máxima de um sindicato. Diretores estão de passagem e a instituição é maior que qualquer um diretor. Se este processo não for obedecido, criamos os sindicatos pelegos, com diretores pelegos e interessados apenas em ascender financeiramente, politicamente, socialmente ou apenas se acomodar mesmo e ficar por ali meio que para sempre se possível. É só olhar no nosso universo próximo e vemos isso acontecer.

Outra coisa que aprendi é que quando o sindicato vira patrão ele perde sua força e aos poucos vai se terminando. No Brasil, os sindicatos se tornaram patrões com a ascensão do PT ao poder e sindicalistas atuantes e combativos, passaram a apoiar as decisões de governo. Isso não é uma crítica ao PT. Aconteceu com Getulismo, na ditadura, com o neoliberalismo e com o governo do Partido dos Trabalhadores e acontece em nível de municípios também hoje em dia.  

SITE NEIPIES: Conheces a realidade educacional da rede privada e das redes públicas. Na sua visão, o que difere, em termos educacionais, estas duas realidades?

Professor Eduardo Albuquerque: As diferenças são evidentes. A primeira delas é a estrutura. Escolas particulares são muito bem equipadas e estruturadas. Os pais não matriculam seus filhos em escolas com estrutura inadequada, com boas salas de aulas, internet, equipamentos, bons banheiros, espaço de lazer, de esportes, de artes e outros. A segunda é a questão do material humano. Não se trata de dizer que os as escolas particulares têm melhores professores que as escolas públicas, porque na sua maioria são os mesmos que atuam nas duas redes.

A questão é que na escola pública falta material humano. Veja, uma escola particular tem um ou mais psicólogos, psicopedagogas, orientadores, coordenadores, diretoras, professores, assistentes, funcionários treinados e qualificados para atender os alunos. Na escola pública, nem sempre é assim.

Outra diferença é o tempo de estudo. Alunos de escolas particulares estudam em media seis horas por dia ou mais enquanto alunos da escola pública estudam 3 a 4 horas no máximo.

Outra questão importante é o currículo. As escolas particulares tem um currículo e uma proposta pedagógica que é seguida. E veja que não estou defendendo a escola A ou a escola B ou esta ou aquela proposta. Estou defendendo que se tenha uma proposta e que seja seguida enquanto rede, o que não acontece na maioria das escolas públicas que conheço.

Não falei em salário, pois tanto a escola pública como a escola privada pagam muito mal e salário não pode ser o balizador para se ter uma boa aula. Pagar bons salários é obrigação do patrão, seja ele público ou privado, não para que ministremos melhores aulas, mas porque bons salários pagam nossas contas, podemos tirar férias, comprar um carro, construir uma casa, colocar filhos na universidade, apenas isso.

SITE NEIPIES: O que é ser professor de Língua Inglesa? O que os conhecimentos desta língua acrescentam na vida dos estudantes?

Professor Eduardo Albuquerque: A ciência já provou que dominar outro idioma abre uma série de possibilidades em termos de conexões mentais. Aprender uma outra língua mexe com partes específicas do cérebro, tornando-o mais ativo. Fora isso, existe a comunicação em si. Sem entrar no mérito do colonialismo e todo este discurso que de fato é real, hoje, dominar uma outra língua e em especial o inglês abre portas na área profissional e pessoal pois rompemos barreiras da comunicação e da cultura. Uma pena que no Brasil estejamos tão atrasados neste processo de aprendizagem de uma outra língua.

SITE NEIPIES: Por que decidiste fazer Mestrado e depois Doutorado? Qual é a importância desta qualificação para as suas práticas docentes?

Professor Eduardo Albuquerque: Mestrado e doutorado para mim é uma obrigação. Não busco títulos e nem reconhecimento social. Apenas desejo preencher lacunas na minha formação enquanto professor e tentar fazer com que isso reverbere na qualidade das minhas aulas.

SITE NEIPIES: Como pesquisador e doutorando em educação, como avalias os impactos da pandemia na vida de professores e de estudantes?

Professor Eduardo Albuquerque: Acho que já foi muito falado sobre isso. A pandemia escancarou uma realidade que já sabíamos que existia, mas não queríamos ver ou reconhecer de que existe sim a escola do rico e a escola do pobre. A escola do rico em questão de dias ou semanas conseguiu se adaptar e os prejuízos foram bem menores. A escola do pobre ainda não se encontrou neste processo e os prejuízos são gigantescos para os alunos, para os professores e para a educação pública, lembrando que escola pública= escola do pobre, escola particular= escola do rico e do que tenta ser rico.

SITE NEIPIES: As recentes mudanças, através da BNCC e da Reforma do Ensino Médio, por exemplo, são suficientes para elevar a qualidade social da educação no Brasil? O que falta, na sua visão, para o Brasil fazer uma verdadeira revolução na educação?

Professor Eduardo Albuquerque: A reforma do ensino médio e a nova BNCC são a prova do que acabei de falar quando me refiro e a escola do rico e do pobre (também conhecida como a escola dualista).

Vou te fazer uma pergunta que é retórica, mas que vai exemplificar perfeitamente o que digo: você acha que o pai rico ou da classe média, seja ele empresário, latifundiário, professor, medico, juiz, promotor vai topar matricular seu filho em uma escola que oferece itinerários e que seu filho ou filha frequente apenas aulas de linguagens deixando as ciências exatas de lado, ou ainda que seu filho ou filha faça um curso técnico? Todos sabemos que a resposta é não.

Esta nova proposta serve apenas para manter as diferenças da escola dualista, onde o filho do trabalhador pobre vai ser matriculado em itinerários ou em algum curso técnico pois é o seu treinamento para ali na frente ser aquele que vai receber ordens do filho do trabalhador rico que não frequentou os tais “itinerários”.

Quero lembrar que isso não é novo no Brasil. Eu mesmo fiz um curso técnico aqui mesmo em Passo Fundo chamado redator auxiliar na Escola Cecy Leite Costa, ainda nos anos 70. Planos como este servem para escamotear a falta de investimentos na educação, que é marca do atual governo.

SITE NEIPIES: Na sua opinião, como será o retorno às aulas em 2022, apesar da insistente permanência do Covid entre a gente? Quais são os desafios da educação no pós-pandemia?

Professor Eduardo Albuquerque: Não vai mudar muita coisa. Dá para perceber que a grande maioria aprendeu nada com esta pandemia, com exceção das crianças que parecem ter assimilado lições importantes de saúde e socialização.

A escola pública vai continuar sendo de baixa qualidade, com um ou outro projeto isolado de qualidade, uma vez que nem estados, nem municípios e muito menos governo federal querem investir de verdade na educação.

Os desafios serão basicamente os mesmos, acrescentados do fato que deveríamos tentar recuperar estes dois anos de lapso na educação pública, o que, ao que parece, não vai acontecer. Repito o que já disse, educação precisa de muito investimento, senão ficamos por aí com estes projetos estapafúrdios como escola Cívico Militar, mães crecheiras, homeschooling e outras aberrações.

SITE NEIPIES: Uma inspiração, um pequeno poema, um pensamento que diga algo relevante sobre você e/ou sobre a educação.

Professor Eduardo Albuquerque: Minhas inspirações são a minha família, meu filho, meu neto, meus pais que são pessoas simples e honestas, com pouca instrução formal, mas de uma capacidade intelectual gigantesca e com quem tenho o prazer de debater todos dias temas como educação, política, economia, e com quem aprendo todos os dias…mas, em respeito ao pedido, vou citar uma frase que tem na casa de uma tia querida que mora em Porto Alegre e que diz assim e que eu acho que é do Pablo Neruda, mas não tenho certeza: “ … Algum dia, em qualquer parte, em qualquer lugar indefectivelmente te encontrarás a ti mesmo, e essa, só essa, pode ser a mais feliz ou a mais amarga de tuas horas”.

Fotos: Arquivo pessoal/Divulgação

Edição: Alex Rosset

DEIXE UMA RESPOSTA