Da Igreja ao sindicalismo: uma trajetória de escolhas

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Revelamos e promovemos, com alegria e muita satisfação, histórias de vida que estão imbricadas com a humanização, seja através da religião ou da educação. O entrevistado desta matéria é professor e sindicalista Altair Follador, da rede municipal de Passo Fundo, RS.

Follador é destes profissionais da educação empenhados e envolvidos com muita intensidade, interesse e responsabilidade, seja pela qualidade da educação escolar, seja pela valorização profissional dos seus colegas professores e professoras, através do CMP Sindicato. Conviver com ele, conhecer sua história e reconhecer o seu trabalho é uma missão e uma tarefa que apreciamos muito neste site.

Esta matéria foi produzida por João Lucas da Silva, estudante de jornalismo da UPF (Universidade de Passo Fundo), gentilmente cedida para publicação neste site.

“Apesar das mudanças, a vocação para ensinar sempre esteve presente. Eram meados da década de 70. Sentado no topo de uma coxilha, o jovem de 13 anos, filho de pequenos agricultores, imaginava como seria o seu futuro. Altair Follador sabia que se continuasse ali não teria outra perspectiva senão casar-se com uma moça da região, “provavelmente polaca”, e seguir a profissão de seu pai.

Cerca de 50 anos depois, um professor, ex-sacerdote e sindicalista. As mãos que diariamente abotoam as tradicionais camisas já encarregaram-se de tudo um pouco. Capinadas de enxada, gesticulações nas homilias de domingo, quadros cheios de conteúdo em sala de aula, além, é claro, do punho cerrado em meio à manifestações.

O terceiro filho de uma família de oito irmãos sabia que estudar até o 5º ano do ensino fundamental não o levaria longe, mas o pai era relutante. “Filho meu não vai pra casa de estranhos (para estudar)”. Entretanto, Altair discordava. “Eu não me conformava com aquilo, eu sempre me imaginei estudando pra além do 5º ano. Não sei por que razão, eu nunca achei que 5º ano era o limite.”

Do interior de Alpestre, município mais setentrional do Rio Grande do Sul, o jovem só pensou em um meio de sair mundo afora. Ir para o seminário. “A família era um bocado religiosa e inclusive gostou da ideia, incentivou e encaminhou os meios pra ir”. A partir daí o itinerário seguiu por Frederico Westphalen, Viamão e Passo Fundo. Mesmo com questionamentos próprios à sua vocação, Altair foi ordenado padre seis meses antes de concluir a formação, por ocasião do jubileu da diocese que fazia parte. “Eu, que estava meio em dúvida, ainda me apressaram. Parecia que tava tudo conspirando”. Ele trabalhou por anos em capelas e paróquias na região de sua terra natal.

Quem vê o professor nas escolas de Passo Fundo nem imagina sua trajetória.

Altair teve a oportunidade de morar em Roma por dois anos e meio, onde trabalhou e fez mestrado. O curso intensivo de italiano e a vida na capital europeia o levaram a aprender a nova língua rapidamente, nada impossível para um descendente de italianos que cresceu ouvindo o dialeto vêneto em casa. Seu percurso diário, na época feito de bicicleta, pode ser considerado invejável por muitos. “Eu fazia um trajeto que passava do lado do Vaticano, depois do lado do Coliseu. O pessoal paga uma fortuna pra vir aqui ver essa construção, eu passo de bicicleta todo dia [ele ri]”.

Na Europa, Altair pôde viajar pelo continente, visitando diversos países e a cidade originária de seus ascendentes. Na comuna de Borso del Grappa ele chegou a conhecer a casa em que seu bisavô havia nascido.

De volta ao Brasil, em 1994, o padre tornou-se professor do instituto que havia cursado teologia. No período, a situação na Igreja era delicada, pois a Teologia da Libertação era contestada pela ala mais conservadora. Altair tinha sido formado no contexto do movimento e concordava com o pensamento de tal. Foi nesta circunstância que sua vida mudou de rumo. O professor reencontrou Andréia, uma moça que havia conhecido durante a graduação, mas que perdeu contato e ficou mais de dez anos sem conversar.

Neste meio tempo, apesar da incerteza paulatina, seguiu sua profissão de fé, mas quando retomou a comunicação com a antiga paixão, não houve dúvidas. Em 2000 ele deixou a Igreja, mudou de emprego e dedicou-se à companheira, com a qual possui três filhos. “Se lá na roça do meu pai eu imaginei o que seria o meu futuro se eu ficava lá, eu voltei a me questionar, o que vai ser da minha maturidade e da minha velhice se eu continuar nessa função.”

O atual sindicalista foi trabalhar como representante comercial e bancário, mas no final das contas retornou para a sala de aula.

Desde 2012 na rede municipal de educação, Altair leciona filosofia e ensino religioso e já passou por diversas escolas, fazendo parte, inclusive, do sindicato de professores.

Participa do Conselho de Representantes praticamente desde o início e em 2018 ingressou na diretoria, sendo, hoje em dia, um dos principais nomes dentro da entidade. Após todos estes anos de trabalho, ele pretende-se aposentar em 2023 com a consciência tranquila. “Mais de uma vez eu encarei uma decisão de dar uma guinada na vida. Pelo menos não me arrependi de nenhuma delas. Eu acho que todas me deram oportunidades que eu não teria.”

Autor: João Lucas da Silva

Fotos: divulgação/redes sociais CMP Sindicato

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