Educação como conversação e redescrição do mundo

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Ao invés de uma sociedade competitiva, individualista, consumista, xenofóbica, misógina e racista, na perspectiva de Rorty é possível esperançar uma sociedade solidária, inclusiva, tolerante e dialógica. Talvez assim tenhamos chances de não sucumbir enquanto civilização.

Richard Rorty (1931-2007) é reconhecido como um dos filósofos mais brilhantes e polêmicos da tradição americana do final do século XX e início do século XXI. Sua obra Filosofia e o espelho da natureza, publicado em 1979, vislumbrou o mundo acadêmico e foi amplamente traduzida em diversas línguas. Desde então até sua morte em 2007, desenvolveu um intenso debate em revistas especializadas em filosofia, ciências sociais e políticas, educação e teoria literária.

Para além dos trabalhos especializados, Rorty se transformou também em um dos melhores escritores dos chamados filósofo-literários dos maiores jornais do mundo, inclusive no Brasil, onde foram publicados diversos textos de sua autoria na Folha de São Paulo.

O interesse por esse autor se dá pelo fato que seus escritos revelam uma profunda e intensa capacidade de dialogar tecnicamente com as duas grandes escolas do pensamento ocidental atual: a filosofia analítica e a filosofia continental. Em suas diversas conferências, publicadas posteriormente em diversos livros, é possível ver um autor que passa com facilidade da terminologia de um filósofo como Hegel, para outros filósofos com pensamentos completamente diferentes como Nietzsche ou Sartre, Bertrand Russell ou Wittgenstein.

Ao mesmo tempo, Rorty lembra que os ideais de democracia e de justiça social, que foram sonhados por Marx e Mill no século XIX, chegaram até o século XX com John Dewey e Jürgen Habermas, e continuam sendo ideias potentes para pensar a organização da sociedade e a relação entre as pessoas.

Uma das ideias mais importante do pensamento de Rorty e a forma como ele compreende o papel da filosofia no mundo contemporâneo está focada no conceito de Conversação e na ideia de redescrição do mundo. Para ele, antes de perseguirmos a Verdade, a Razão e a Ciência (todas com letra maiúscula), devemos perseguir a liberdade, a esperança e a solidariedade, por meio da conversação a da redescrição da forma como percebemos o mundo.

Seu pensamento nas ajuda a compreender que a raça humana poderá enfrentar todos os seus desafios e desastres (a peste, a guerra, a ditadura, a fome, a miséria, a injustiça social, a violência, o mal) se se mantiver a liberdade, as esperanças e a solidariedade.

Quando defende a democracia liberal, tornada possível graças a conversação e a capacidade de redescrição do mundo, Rorty está sinalizando para um modo de pensar que deve nutrir-se da liberdade de expressão e de imaginação.

Não encontramos em Rorty uma fórmula infalível, uma plataforma doutrinal ou um sistema filosófico que indique um percurso prescritivo de como deve ser as normas pedagógicas para construir uma sociedade livre, esperançosa e solidária. Se ele fizesse isso, estaria cometendo os mesmos erros que as religiões fundamentalistas fazem quando indicam o caminho único da salvação e com isso acabam se tornando uma das principais formas de alienação das pessoas.

Em Rorty encontramos um convite à invenção de novas interpretações e descrições do mundo, a possibilidade de construir utopias de um futuro melhor, o apelo à conversação que se torna exercício de encontro com o outro, com o diferente, com o controverso. Será no interior desta conversação que podemos compreender que o que somos, o que é o real, o que foi o passado e o que será o futuro, depende da forma como nos relacionamos uns aos outros. Por isso que a liberdade, a esperança e a solidariedade são tão importantes e deveriam ser parte constitutiva central dos processos educacionais.

Ao invés de uma sociedade competitiva, individualista, consumista, xenofóbica, misógina e racista, na perspectiva de Rorty é possível esperançar uma sociedade solidária, inclusiva, tolerante e dialógica. Talvez assim tenhamos chances de não sucumbir enquanto civilização.

Autor: Dr. Altair Alberto Fáveroaltairfavero@gmail.com

Professor e Pesquisador do Mestrado e Doutorado do PPGEDU/UPF. Também publicou no site “A intolerância fragiliza a democracia”:  https://www.neipies.com/a-intolerancia-fragiliza-a-democracia/

Edição: A. R.

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