Como fazer brinquedos com material reciclável

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O imaginário das crianças deve sempre ser povoado e cultivado e ninguém tem o direito de invadir esse espaço sem ser convidado, pois é um lugar que pertence somente a elas. O que os adultos podem fazer é ajudar a desenvolver esse imaginário cada vez mais e nada melhor para isso do que a fabricação de brinquedos a partir de materiais recicláveis.

Estou vendo a lua! Estou vendo a lua! Gritou um rapaz de 19 anos num vídeo do app Tik Tok semanas atrás todo contente ao ver a lua da janela da sua casa com um telescópio feito de cano de pvc e outros materiais reciclados. Isso é arte! Isso é criatividade! Seria mais um brinquedo para o seu irmão mais novo, mas acabou sendo o seu primeiro telescópio, pois não tinha dinheiro para comprar um “de verdade”.

O que serão as coisas de verdade? Vamos tentar descobrir neste texto. Vem comigo!

O que é cuidar? Quem precisa de cuidados? Acredito que todos precisamos de cuidados, mas há uns seres mais especiais e em fase de desenvolvimento que não conhece o mundo real como um todo ainda que precisam de mais cuidados e esses são as crianças. Para isso é que o médico pediatra e psicanalista inglês Donald Winnicott criou o termo holding que quer dizer cuidar, proteger, limpar, alimentar e sem dúvidas amar as crianças. Muitos de nós estamos esquecendo desse cuidado, deixando as crianças por conta própria presas nos seus quartos assistindo televisão ou jogando videogames e não atentamos para o brincar além das quatro paredes do nosso lar.

O mesmo Donald Winnicott defende o brincar na infância como a única coisa que a criancinha deve fazer ao longo dos seus primeiros anos no seu livro “O brincar e a realidade”. Recomendo a leitura para todos os pais, professores e responsáveis por crianças. A criança que brinca ao ar livre como eu já disse aqui em outro ensaio tende a ser mais saudável e inteligente e a ter menos problemas emocionais.

A criança que brinca descobre novos mundos além do real e faz do seu imaginário um lugar legal para se morar. É preciso permitir que as crianças tenham tempo para brincar sozinhas ou acompanhadas. O ideal é que a criança se socialize com outras desde a tenra idade para ir aprendendo logo cedo a compartilhar os seus brinquedos e criar laços afetivos.

Crianças que têm vovôs e vovós brincam mais isso é um fato porque esses deixam a criança livre para fazer aquilo que desejarem dentro e fora das suas casas. Claro que as crianças não vão fazer tudo o que quiserem, mas o que for considerado bom para elas.

Os avós sabem como cuidar dos seus netinhos e não se preocupam tanto quanto os pais se eles caírem, se eles se sujarem, se eles chorarem porque já passaram por isso e sabem bem como lidar com certas emoções infantis. São os avós responsáveis na maioria das vezes pelos nossos primeiros brinquedos. Sim! São eles os primeiros que nos dão de presente uma bicicleta ou uma boneca falante. E são eles também que nos ajudam a cuidarmos do meio ambiente mostrando para nós a como reciclar alguns objetos em casa e a transformá-los em brinquedos lindos e encantadores.

Foi com a minha bisavó que aprendi a criar os móveis da minha casinha, feitos de caixas de fósforos e também fiz meus bonecos com dois copos plásticos colados um no outro e pintados à mão. A minha bisavó era bastante criativa e sabia como proteger o meio ambiente. Ela costumava reclamar com os vizinhos que jogavam o lixo no meio da rua e dizia em bom tom “não existe jogar fora”, para ela o “fora” que as pessoas pensam ser fora das suas casas não existia. E isso é verdade. Então, vovó fez muitos brinquedos de material reciclável para mim. Hoje, quase não vejo mais avós fazendo esses brinquedos para os seus netinhos, não sei se por falta de tempo ou por falta de hábito mesmo.

Tendemos a comprar tudo pronto hoje em dia, achamos mais prático e mais rápido, para que perdermos tempo com um brinquedo que a criança logo irá se cansar? É assim que pensamos, infelizmente.

Os brinquedos feitos de materiais recicláveis ainda são vistos nas escolas e isso é muito bom porque é um dos lugares onde a criança passa a maior parte do seu tempo. Onde aprende a cuidar do meio ambiente e a não sujar as ruas com o seu próprio lixo. Os professores e professoras dispõem na internet de uma lista enorme de brinquedos que podem ser fabricados a partir desses materiais recicláveis.

O mais importante é convidar a criança para brincar com esses brinquedos e criar nela um laço afetivo por eles. Quando se gosta muito de algo a gente aprende a cuidar e a ficar mais tempo perto do que gostamos. Talvez em meio a tanta tecnologia seja um desafio fazer as crianças gostarem por brinquedos artesanais feitos de simples garrafas pet ou papelão, mas desafios estão aí para que possamos superá-los assim é a vida, assim é a corrida pelo viver melhor.

Estamos aqui para lutarmos por um mundo mais bonito para as nossas crianças e quanto mais criarmos coisas de materiais recicláveis estaremos contribuindo para diminuir a quantidade de lixo que jogamos todos os dias “fora”.

Quando o imaginário da criança é acionado ela consegue fazer com que aquele brinquedo feito com tanto carinho por uma simples garrafa pet cortado ao meio e colocado na sua ponta e no seu fim duas rodinhas de tampas um carrinho de polícia, uma ambulância, um transporte coletivo e daí a imaginação vai crescendo porque a ambulância, de repente, pode estar levando um paciente muito mal para o hospital ou o transporte público pode estar muito cheio e os passageiros reclamando. E dentro desse ônibus tem um passageiro chato que não quer dar o lugar para a vovozinha que está em pé.

A criança pode ter o seu mundo imaginário desenvolvido com fatos e personagens que vão surgindo ao longo do seu brincar. Na música “Gente tem sobrenome” do cantor Toquinho tem uns versos que falam assim “Todo brinquedo tem nome /Bola, boneca e patins /
Brinquedos não têm sobrenome / Mas a gente sim”. Esta é uma bela música para questionar as crianças e instigá-las a refletir porque os brinquedos não têm sobrenome. Eu mesma nunca pensei sobre isso e ouvindo a música recentemente fiquei com isso na cabeça.

Assista: Gente tem sobrenome. https://youtu.be/hDkp5gTwmio?t=24

Acho que a maioria de vocês também nunca pensou sobre esse sobrenome que os nossos brinquedos não recebem. Isso pode gerar uma aula interessante para discutir não somente sobre os sobrenomes dos brinquedos mas sobre a origem dos sobrenomes das crianças.

No meu título acima eu sugiro que vou ensinar vocês a fazerem brinquedos de materiais recicláveis, mas aqui não farei isso porque podemos encontrar vídeos no youtube que explicam direitinho a como fazer esses brinquedos. A minha preocupação aqui é que vocês possam compreender a importância de junto com a criança produzirem brinquedos a partir de materiais que iriam para o lixo e foram aproveitados em coisas que nos divertem, que nos fazem sorrir, que nos levam a um brincar saudável.

O lúdico é preciso ser recuperado nas salas de aulas para que as crianças possam aprender brincando sempre com a interatividade do brinquedo e do parquinho ao ar livre. Ter nas estantes das escolas brinquedos feitos de materiais recicláveis com acesso fácil à criança é o mais recomendado não somente por mim, mas por todos aqueles que sabem da responsabilidade de uma educação pedagógica baseada em Paulo Freire na sua Pedagogia da Autonomia.

A criança deve ter autonomia para escolher o seu brincar, a sua forma de aprender, o seu querer e, principalmente, o seu sorriso às coisas que despertam um pensar crítico e reflexivo. Ainda em Paulo Freire podemos encontrar a seguinte citação “A alegria não chega apenas no encontro do achado, mas faz parte do processo da busca. E ensinar e aprender não pode dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria.”  

Que essa alegria de Freire possa se dar no processo de criação dos brinquedos pelas crianças e que os professores possam mostrar aos seus alunos a boniteza de aprender através do simples contato com materiais que poderiam estar no lixo, mas foram resgatados antes mesmo de serem jogados “fora” e agora servem para nos ajudar a sorrir e a sermos mais felizes brincando com eles.

Quando a criança fabrica o seu próprio brinquedo, ela coloca ali um pouco do seu tempo, do seu precioso tempo da infância e vai junto com essa fabricação traçando pensamentos lúdicos e de aprendizagem necessários à sua formação. Entram nesse momento de fabricação o estímulo do pensamento cognitivo que pode acionar a criatividade e ao desenvolvimento de habilidades antes desconhecidas pelos pais e professores que estavam guardadas dentro da criança.

Nas escolas, ainda vemos muitos gênios escondidos por trás de uma pedagogia autoritária e disciplinadora. Não queremos formar alunos apenas para serem aprovados no ENEM, mas para serem adultos responsáveis e vencedores nas mais diversas esferas das suas vidas com pensamentos críticos e reflexivos sobre a realidade em que estão presentes.

Ao ver uma criança brincando, seja num parquinho no condomínio do prédio ou seja no quintal de casa, me vem uma alegria enorme e ainda mais quando aquela criança está rodeada de brinquedos. Fico a observar as suas falas com os soldadinhos, os bonecos, os ursinhos, os dinossauros e cavalos de plástico. Também me vem ao pensamento que muitos daqueles brinquedos que devem ter sido uma fortuna podiam ser substituídos por brinquedos feitos de materiais recicláveis e isso me traz um lamento daqueles que eu poderia pedir aos pais para fabricarem os próprios brinquedos dos seus filhos, não digo que todos, mas que a maioria deles fossem criados por quatro mãos, ou seja, as dos pais e as das crianças.

Encontro no poeta português Fernando Pessoa o poema intitulado “Quando as crianças brincam” onde ele nos diz numa das suas estrofes “Quando as crianças brincam / E eu as ouço brincar, / Qualquer coisa em minha alma / Começa a se alegrar.” Sim! É como eu me sinto quando vejo crianças brincando sorridentes com os seus brinquedos sentadas na grama do quintal de casa ou no tapete da sala.

Outra coisa que as crianças gostam muito de fazer é espalhar os seus brinquedos pela casa. Cada canto da casa tem um brinquedo largado. Os pais se estressam. A cuidadora também. A criança entristece e recolhe os brinquedos chorando. Brinquedo não é lixo, brinquedo não desarruma a casa. Chegará um dia que todos nós sentiremos falta desses brinquedos espalhados pela casa.

Chegará um dia que sentiremos falta das crianças correndo para lá e para cá com um aviãozinho nas mãos dizendo que está viajando pelos céus. A coisa que melhor representa uma criança é o brinquedo. Logo, devemos ter cuidado nas suas escolhas. Há brinquedos recomendados para a idade das nossas crianças e ainda há aqueles que são aprovados pelo INMETRO. Precisamos ter esses cuidados quando formos comprar um brinquedo para presentear alguma criança.

Alguns brinquedos, feitos de materiais reciclávei, também contêm peças pequenas que devemos ter cuidados para que as criancinhas não tenham acesso e possam engoli-las e se machucarem. Os brinquedos feitos com tampinhas de garrafas pet, por exemplo. Mas, são apenas alguns.

O certo é que todo cuidado com crianças é pouco como é sabido por pais e professores. Mas já pensou em fazer aquele boneco de pano daquela blusa que já não servia mais ou fazer aquele carrinho da caixa de sapato que também não servia mais para nada? O robozinho que pode ser feito com latas de refrigerante e os cabelos com esponja de lavar louças. O trenzinho com várias caixas de papelão juntas por um barbante. Tem tantos brinquedos que podemos inventar a partir de materiais recicláveis que seria preciso escrever bastante para mostrar a lista infindável, basta usar a criatividade.

E se é de criatividade que estamos falando podemos experimentar o pensar criativo das crianças e com uma caixa de ovos, caixa de papelão, cartolina, tesoura sem ponta, barbante, cola e tinta guache escolar fazermos uma aula onde cada uma delas possa criar um brinquedo do jeito que imaginar, do jeito que quiser, do jeito que achar mais interessante. Um brinquedo que receberá nome e sobrenome. Que poderá ser o mascote para representar uma atividade escolar. Com alguns aparelhos eletrônicos quebrados podemos fazer naves espaciais, discos voadores, aviões e tantos outros brinquedos.

O importante é que possamos desenvolver a criatividade das crianças. Também é legal passarmos vídeos sobre a fabricação desses brinquedos para que elas sejam estimuladas a partir deles a criarem outros com os mesmos materiais.

Eu me lembro bem do meu cavalinho de madeira que fez a minha alegria na infância. Quantas crianças ainda terão um cavalinho de madeira em meio a tantos produtos eletrônicos? Como fazermos para diminuir a frequência com que as crianças usam os aparelhos eletrônicos e possam brincar com seus brinquedos artesanais ou não?

Estou largando desafios aos pais e professores. Sei que é difícil nos dias atuais fazer uma criança largar o celular para brincar com um carrinho feito de lata de leite ninho como era o famoso brinquedo da minha infância onde a gente saía puxando uma latinha por um barbante chamado aqui no nordeste brasileiro de roladeira. A roladeira era a nossa diversão. Um brinquedo tão simples, mas que divertia muitas crianças.

A fabricação de pipas também exige criatividade e tira a criança de dentro do quarto, do comodismo, do sedentarismo. Para fabricar pipas podemos usar palitinhos, barbante, papel e cola. O importante é que este seja um momento lúdico onde as crianças possam se divertirem. Na minha rua, as crianças fabricam as suas próprias pipas. E já vi uma criancinha brincando com uma pipa feita com rabo de plástico o que é um brinquedo reciclado porque esse plástico poderia estar em algum esgoto ou rio. As crianças precisam aprender que nem tudo se encontra pronto, que as coisas feitas por nossas próprias mãos têm mais valor e são cheias de afeto e carinho.

Cada coisa que fabricamos mostra o quanto somos inteligentes e criativos. Toda brincadeira que inventamos é fruto da nossa criatividade. E o bom é que os testes de altas habilidades/superdotação fazem uso do tamanho da criatividade da criança. Quanto mais criativa, mais inteligente será considerada.

Os professores podem fazer joguinhos com materiais recicláveis de forma que as crianças aprendam matemática ou português brincando. Tabuleiros com cartas de jogar, dados feitos de cartolina, tampinhas de garrafas pet pintadas. Os joguinhos desenvolvem várias habilidades na criança, tais quais os de leitura, resolução de problemas matemáticos, os de ortografia, os de escrita e até mesmo os de produção de textos como a criação de uma pequena história ou a continuidade de uma história que começou com um aluno e continua com o próximo que for tirado no jogo.

Muitas coisas que servem para o ensino-aprendizagem das crianças podem ser criadas a partir dos brinquedos com materiais recicláveis. O bom é que aproveitemos todos esses materiais, inclusive as caixinhas de leite líquido onde podemos fazer lancheiras para festas de aniversários ou festas escolares.

E para finalizar este meu texto gostaria de falar sobre o imaginário das crianças que deve sempre ser povoado e cultivado e que ninguém tem o direito de invadir esse espaço sem ser convidado, pois é um lugar que pertence somente a elas. O que os adultos podem fazer é ajudar a desenvolver esse imaginário cada vez mais e nada melhor para isso do que a fabricação de brinquedos a partir de materiais recicláveis.  

Trago assim alguns versos da música cantada por Maria Bethânia “Brincar de viver” que diz em seus versos “Você verá que é mesmo assim / Que a história não tem fim / Continua sempre que você / Responde sim à sua imaginação / A arte de sorrir / Cada vez que o mundo diz não”. A história do brincar da criança não tem fim e continuará sempre que a sua imaginação seja respondida com um sim. Viva ao carrinho de lata!

Veja análise de música Maria Bethânia: https://youtu.be/Fn3dvG8aVEE?t=34

De verdade é tudo o que a imaginação consegue produzir no mundo real. Use a sua imaginação e transforme o mundo.

Autora Rosângela Trajano

Edição: Alex Rosset

12 COMENTÁRIOS

  1. Ás crianças precisam desse estímulo para deixarem os celulares de lado. Hoje em dia, os pais só querem dar de presente celulares aos seus filhos e esquecem de brinquedos como esses que são tão belos. Parabéns, Rosângela.

  2. Parabéns Rosângela , realmente antigamente era reciclados os brinquedos e proporcionava a alergia da criançada, sinto saudades de vê as crianças brincando os esses tipos de brinquedos artesanais, como boneca de pano ou bola de meia. Lembro-me bem dessa época, hoje em dia tudo se tornou robotizado e muitas crianças estão presa a tecnologia, não é atoa que isso acaba interferindo no comportamento e trás a falta de interação com outras crianças e vemos o crescente número de crianças frequentando as terapias.

  3. Um texto encantador, Rosângela. É sempre bom lembrar da infância, coisa que você vem fazendo há alguns meses nos seus textos. Muito obrigada!

  4. Que texto necessário, hoje em dia podemos fazer os brinquedos para nossas crianças com mais facilidade mas a prática acaba sendo esquecida pois nas lojas encontram tudo pronto e mais moderno sendo que acaba servindo para a mesma coisa. O importante é proporcionar a alegria da criança e a motivação a ter esses brinquedos. 👏🏻 Parabéns Rosângela 💕

  5. Lindo texto, tia! Mais uma vez parabéns! Eu lembro dos brinquedos que vó fazia para mim. Acho que a minha mãe ainda tem um guardado…risos.

  6. Excelente! Seu texto me fez lebrar de um campeonato de Pipas que minha mãe promoveu quando eu era criança. Graças a Deus cresci com uma mãe que já tinha esse pensamento de que “na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”.

  7. Maravilhoso texto, minha filha! Eu me lembro de você pequenina brincando com o seu cavalinho de madeira.

  8. Amo tudo que você escreve.Sua leitura nos inspira A sair correndo e fazer artesanato com reciclaveis.
    Hoje em dia as crianças não brincam…só jogam com celulares ou vídeo games.bela citação de Fernando Pessoa e da música da Maria Bethânia …perfeito!!!

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