“Doutor, como estão os loucos hoje?”

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Uma de minhas netinhas, aos três anos de idade, passou por uma porta de vaivém, eu vinha atrás dela, e me disse: “Que loucura essa porta, né, vovô?!”. Um pequeno exemplo dos inúmeros significados que a palavra loucura tem.

Esse termo não é mais usado na psiquiatria. Antigamente, referia-se ao que hoje se chama de psicose ou estado psicótico: sofrimento do cérebro que leva o paciente a confundir imaginação com realidade. Algumas doenças podem provocar momentos psicóticos: esquizofrenia, transtorno bipolar, dependência química, por exemplo.

Loucura, hoje, refere-se a comportamentos fora do padrão esperado pelo meio social em que se vive. Seu uso é tanto no sentido positivo quanto negativo. Também no sentido engraçado.

Positivo quando se admira determinada ação por ser difícil e de grande risco. “Louco Abreu” foi um jogador de futebol uruguaio que fazia jogadas fora dos padrões, de grande risco de darem errado e que, na maioria das vezes, davam certo. Salvador Dali, para citar outro exemplo, era “louco de bom!”. Lembram da sua famosa frase? “A única diferença entre eu e um louco é que eu não sou louco!”

Negativo quando se refere a comportamentos que provocam espanto, revolta, perplexidade: “Hitler e Stálin eram loucos!”. Os dois, diga-se de passagem, não apresentavam qualquer doença mental.

Tentativas foram feitas de enquadrar todas as maldades dentro de patologias mentais. As pessoas “normais” não seriam maldosas. Ao contrário disso, apenas uma pequeníssima parte da maldade praticada no mundo tem por trás uma doença mental. A maior parte é realizada por indivíduos sem diagnóstico psiquiátrico.

Quando me perguntam o que é ser louco ou o que é ser normal, eu não sei responder. Nós, psiquiatras, não classificamos as pessoas assim. O que fazemos é avaliar se há sofrimento e se esse sofrimento vem de uma doença que podemos tratar.

Uma vez fui chamado a dar uma entrevista na TV e o jornalista abriu nosso diálogo em pleno ar me perguntando: “Doutor, como estão os loucos hoje em dia?”.

Eu vacilei antes de explicar para ele o que falei acima. Estava diante de alguém com um comportamento fora do padrão esperado. Fui pego de surpresa. Sim, jamais esperava começar uma entrevista com essa pergunta. Vacilei para responder, pois minha vontade era dizer: “Cara, que loucura essa tua pergunta!”.

Autor: Jorge Alberto Salton

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