Das inquietudes dos estudos de ciência, tecnologia e sociedade – CTS na educação fundamental

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É possível pensar num ensino de ciência, tecnologia e sociedade voltado para os anseios das crianças? Por que não temos uma literatura sobre ciência, tecnologia e sociedade para crianças?

A Ciência, Tecnologia e Sociedade – CTS aborda assuntos que podem ser adaptados às crianças e vamos discorrer o quanto é fundamental à educação fundamental.

São conceitos que estão cada vez mais próximos do mundo da criança e do pré-adolescente envolvidos com as ciências e a tecnologia, seja na escola ou em casa, mas ausentes de uma teoria mais elaborada de conscientização e criticidade.

Tendo por base a relação que as crianças nessas séries entram em contato com a ciência e a tecnologia muito mais rapidamente do que antigamente, e precisam saber viver em uma sociedade que exige delas cada vez mais, principalmente nas escolhas que poderão influenciar na vida adulta.

Tomando por referência os argumentos citados acima, perguntamos: é possível pensar num ensino de ciência, tecnologia e sociedade voltado para os anseios das crianças? Por que não temos uma literatura sobre ciência, tecnologia e sociedade para crianças?

Como poderíamos ensinar ciência, tecnologia e sociedade às crianças? Quais contribuições poderíamos oferecer aos infantes com a introdução da ciência, da tecnologia e dos ensinamentos da dinâmica da sociedade?

A disciplina de ciências é lecionada sem que os alunos tenham noções teóricas do que é ciência e suas bases epistemológicas, qual sua importância no dia a dia, para que serve, o que podemos fazer com ela, quais benefícios nos oferece. As crianças vão para sala de aula cheias de curiosidade, anseios, vontades. É nesse momento que a ciência propriamente dita poderia explorar todos esses sentimentos para mostrar a sua importância no mundo.

Parece-nos haver uma lacuna entre o processo de conhecimento do aluno não só no ensino de ciências, mas das outras disciplinas também. Essa lacuna se dá quando o aluno recebe o conhecimento e não sabe o que fazer com ele, o que ele é ou pode vir a ser. O aluno passa a usar palavras que nem mesmo sabe seus significados.

Esse uso das palavras, sem conhecer o significado, não permite que as crianças possam avaliar as representações reais das do seu entorno. Como exemplo, podemos citar o uso da palavra tecnologia, que todos associam a qualquer produto eletrônico moderno capaz de processar informações rápidas. Fica o conceito criado pelas grandes empresas ou pela mídia que não interage com o processo cognitivo da criança, alienando-a e prendendo-a num casulo.   

“Podemos aprender muito com as tecnologias, não podemos ir do oito ao oitenta. Nem deixar à vontade, nem proibir. Nesse tempo em que estamos em casa, utilizar a internet vai ser o principal recurso de acesso à escola, mas para tudo precisamos ter limites, não podemos sobrecarregar nossas crianças. Tempo para brincar, para ler um livro, para ficar com a família, para jogar. Porque se a gente não medir (e falo isso tanto para pais quanto para professores), em pouco tempo estaremos todos esgotados mentalmente. Deve ser algo leve e prazeroso, a tecnologia é nossa aliada, não vamos virar escravos dela”. (Professora Graziela Bergonsi Tussi). Leia mais!

Nos PCN´s do ensino fundamental, a disciplina de ciências deve ensinar o corpo humano, a alimentação, o meio ambiente, etc., mas não se preocupa com o mundo ao redor do aluno cheio de perguntas e inquietações, ou seja, o que é ciência, para que serve, que importância terá na minha vida, que posso fazer com ela. É como se pulássemos essa etapa do conhecimento prejulgando que o aluno já conhece tudo isso.

Estamos numa era na qual as crianças e os pré-adolescentes adquirem contatos com as ciências e a tecnologia muito cedo, na prática, sabem utilizar os aparatos tecnológicos que lhes são oferecidos, mas quando questionados no como ou no porquê eles não sabem responder ou, mais grave ainda, não pensam essas questões como importantes para a elaboração e representação do conhecimento. 

Um outro problema que constatamos é que as ciências ficam distantes da tecnologia nos materiais didáticos do ensino fundamental como se as duas não estivessem próximas uma da outra. Fala-se muito em vacinas, higiene, bactérias, fungos, fauna e flora, mas esquecem de ensinar o que tudo isso representa para o planeta e quais os substratos teóricos que afirmam, para que esses conhecimentos nos servirão além de aprender a viver bem, ao invés de ensinar o que é o viver e o que é o bem-estar no âmbito das ciências.

Cremos que a ciência está no mundo para melhorar a vida das pessoas, por isso deve haver uma preocupação maior ao falarmos dela para os alunos. Sempre devemos procurar mostrar que a ciência é de suma importância na vida de todos.

Alguns professores se detêm no óbvio, mas não levam o aluno a pensar cientificamente, ou seja, a investigar através de métodos ou que validade o conhecimento passado tem verdadeiramente para o homem. 

Estamos ensinando ciências não com a preocupação de criar pensamentos críticos e reflexivos diante das coisas ao nosso redor, mas oferecendo conhecimento que não se permite ser aberto para investigação, isto é, para ficar apenas em um exemplo, dizemos que as mãos devem ser lavadas antes das refeições, para evitar as doenças, mas não dizemos por exemplo, o ser das doenças, a unidade de estar saudável e adoecer, as ideias por trás de um bem-estar ou as questões que surgem com as doenças.

A verdade é que ensinamos conhecimentos desnecessários ao viver da criança e do adolescente, pois no seu grandioso mundo não cabem tais saberes. E aprender algo que não nos interessa não causa prazer. Surge, então, o desconforto e o desânimo.

É difícil apaixonar-se pelo que não nos é apresentado como belo, ou seja, com amor e paixão por parte de quem está ensinando. A simples tarefa de transmitir conhecimento já não tem mais espaço nas salas de aula, atualmente há uma troca de saberes entre professores e alunos. Ninguém pode ser baú de conhecimentos, mas questionador do que lhe é ensinado.

Podemos adiar os conceitos das coisas para depois, ao longo dos anos os alunos aprenderão, hoje é desnecessário, não compreenderão mesmo. Pensamento errado esse. Ou se aprende desde cedo o conceito de algo corretamente ou mais tarde teremos vários conceitos de uma coisa só sem sabermos quais deles é o certo. Ensinar o que é o conhecimento deveria ser tarefa de todo professor.

Assim, caímos no dilema de como ensinar o conhecimento e mais ainda como ensinar o conhecimento da ciência sem ser através de explicações elaboradas com palavras que muitas vezes não dizem nada para o aluno, porque o que dizemos não chega ao seu conhecimento de mundo, as suas vivências e experiências adquiridas. É preciso que todo conhecimento ensinado seja antes ligado a um pertencimento do aluno.

Parece-nos que no ensino de ciências da educação fundamental tudo está pronto para o aluno que copia, faz os exercícios, recebe as notas das avaliações e pronto. É uma disciplina com um currículo sem ritmo ou melodia para os professores ousarem novos desafios em sala de aula, porque seu ensino-aprendizagem detêm-se também aos cartazes, as colagens, vez ou outra a uma aula de campo para diversão de todos.

Apenas isso. Mas isso é pouco. O material didático está pronto, os alunos recebem as aulas, depois todos vão para casa. Como se o mundo fora dos muros da escola não exigisse desse aluno mais do que o conhecimento dos livros didáticos. 

O ensino de ciências na educação fundamental apresenta bons conteúdos que preenchem quase todas as necessidades do aluno, porém é um currículo que exige revisão.

O mundo vive hoje a grande revolução das ciências e da tecnologia ultrapassando fronteiras e diminuindo distâncias, com isso os alunos precisam ficar mais próximos desse novo universo, procurando compreender essas mudanças e no que elas afetam a nossa existência e a sobrevivência do planeta.

É como se precisássemos ensinar o que está na camada mais inferior da ciência, ou seja, seu alicerce. No que ela se constitui e como podemos fazer dela um instrumento que vai além do conhecer e chega a investigar as suas causas e consequências no que concerne ao conhecimento de mundo e para o mundo.

Talvez, se começássemos pelo tripé ciências, tecnologia e sociedade para que, porquê e como, para depois explorarmos questões mais complexas dentro de cada uma dessas três grandes áreas, fosse uma oportunidade de oferecer um ensino-aprendizagem completo.

Antes do aluno ter aulas de robótica, ele precisa saber o que é uma sociedade, as suas regras, os seus costumes e tradições; precisa, ainda, aprender o significado de ciência, sua importância, sua criação, quando o homem começou a fazer ciência. Mais importante do que o robô é a pessoa que o criou. São questões como essas que estão faltando aos nossos alunos do ensino fundamental.

Não há um incentivo nas escolas para filmes de ficção científica. É consabido que a curiosidade precisa de um estímulo. Nesses filmes o que parece impossível torna-se realidade, é com esse pensamento que o aluno vai para o laboratório pesquisar e buscar soluções para os problemas do mundo.

Acompanhamos as aulas de ciências de várias escolas onde as crianças aprendem a não poluir o meio ambiente e preservar as florestas elaborando cartazes, desenhando, criando redações ou participando de concursos de fotografias.

Claro que está aí um grande estímulo para um mundo melhor, se levássemos essas crianças a pensar como verdadeiros cientistas, ou seja, pesquisando as áreas atingidas pelo desflorestamento, como eram antes como são hoje, o que acontecerá no futuro, seus impactos para a sociedade, e ficcionalmente ou virtualmente criando alternativas para melhorias desses problemas.

Vivemos uma época em que os valores humanos estão se perdendo e que os laços familiares estão sendo substituídas por máquinas. Precisamos resgatar urgentemente esses valores, para isso faz-se necessário que o aluno da educação fundamental aprenda a importância da família, dos amigos, dos parentes, do vizinho. A sociedade está cada vez mais individual, violenta, egoísta. Sentimentos de posse doentia são demonstrados todos os dias.

Urge o ensino dos bons modos de se viver em uma sociedade com harmonia e paz. O homem criou sistemas e máquinas que possibilitaram um bem-estar fabuloso à sociedade, como o avião, o metrô e o navio.

Ao mesmo tempo que o avião reduz a distância entre as pessoas também destrói vidas, sendo utilizado em guerras. Como usarmos a tecnologia para fazer o bem à sociedade é uma grande questão. Quantas câmeras de segurança têm desvendado crimes e salvado vidas nos últimos anos! São coisas assim que precisamos questionar junto aos alunos.

Não é possível mais vivermos sem os benefícios da ciência e da tecnologia. Vivemos a era das redes sociais e das amizades virtuais. Temos milhões de amigos que não conhecemos, mas que sabemos tudo sobre eles. Que sociedade é essa? Que laços são possíveis criar em uma rede social?

As crianças são pequenas demais para entenderem tudo isso, mas já estão todas em rede conversando umas com as outras e querem privacidade das suas conversas com os amigos virtuais, para isso é necessário que essas crianças saibam os valores morais que regem uma sociedade para poderem criar as suas regras no mundo virtual.

Nas escolas há as constantes feiras de ciências, onde os alunos preocupam-se em criar robôs ou fazer experimentos químicos, mas pensamos que antes de fazer tudo isso é preciso que se conheça o que e para que está se estudando tal coisa. Não adianta ensinar robótica se não ensinar o que é tecnologia, não adianta ensinar um experimento químico se não ensinar o que é a química, cada coisa tem a sua necessidade de apresentar-se antes de ser utilizada. Os alunos usam a tecnologia nos computadores que lhes são entregues atualmente nas escolas, contudo não sabem o porquê desse uso.

Temos visto uma grande evasão nas escolas principalmente de pré-adolescentes e adolescentes que estão cansados de um ensinamento que não acrescenta nada aos seus mundos. O ensino precisa acompanhar o ritmo do discente, pois ele está ávido para conhecer aquilo que faz parte do seu mundo, mas ele não entende por que gosta tanto de algo que não sabe que tipo de bem-estar vai proporcionar-lhe.

Faz uso por fazer, porque a mídia incentiva ou por que vê todos os outros amigos fazerem, mas logo cai no desânimo e na troca por outro que preencha seus vazios. As crianças e os jovens estão a todo tempo buscando questões que expliquem esse aparato de conhecimento que recebem nas escolas e não sabem o que fazer com ele.

O ensino não pode mais se deter a simples decoreba. O aluno que decora esquece tudo, muitas vezes, antes da prova. Chegou o momento de ensinarmos ciências e tecnologia para aproveitar essa bolha gigantesca que envolve os alunos em meio a tantas questões cruciais sobre o mundo.

Na disciplina de ciências não há uma preocupação maior em mostrar aos alunos a importância da ciência como criadora e renovadora de ideias, das coisas ao nosso redor no mundo atual, o uso da tecnologia, como viver em harmonia na sociedade.

Sentimos uma distância muito grande da realidade com o material didático dos alunos das séries iniciais do ensino fundamental I e II. Tampouco, temos professores preparados para falar sobre esse tema que, de certa forma, é o que move as relações humanas no mundo contemporâneo.

No que diz respeito às ciências e a tecnologia o importante é que fixemos conteúdos teóricos de um pensar reflexivo e que se crie uma postura crítica diante das coisas. Sabemos que o progresso da ciência e da tecnologia é muito rápido, por isso precisamos informar aos nossos alunos o porquê dessa rapidez, suas astúcias e sua relevância.

Para sanar os problemas mencionados acima vividos pelos jovens alunos é que propomos ser acrescentada a disciplina de Ciências e Tecnologia como tema transversal nos PCN’s – Parâmetros Curriculares Nacionais.

Autora:Rosângela Trajano.

Edição: Alex Rosset

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