As árvores aliviam as dores da depressão

3158

Para Kátia Alves que me presentou com uma folha do seu cajueiro e em 04 de outubro de 2021 tirou a sua vida porque não tinha quem compreendesse a sua dor.

Para começar este lindo texto que fala de vida, de amor, de cuidado e de cumplicidade, trago a nossa querida poeta Cecília Meireles em suas lindas palavras “Nunca tive os olhos tão claros e o sorriso em tanta loucura. Sinto-me toda igual às árvores: solitária, perfeita e pura”.

As árvores conhecem a solidão e as dores da alma, por isso elas sabem cuidar de nós e dos nossos sofrimentos de angústia, melancolia e depressão. Escute-as por um minuto ou converse com elas um pouco e descobrirá que não está sozinho no mundo.

No início de 1997, fui diagnosticada com uma forte depressão depois de passar três meses numa grande tristeza, chorando e sem querer sair da cama. A vida tinha perdido o sentido para mim. Viver doía internamente e externamente. Os amigos já não eram boas companhias e o meu trabalho perdeu a graça. Eu sabia que precisava de acompanhamento médico e procurei uma psiquiatra. O diagnóstico veio depois de algumas consultas e eu fiquei perdida.

O tempo passou. Os amigos já não tinham mais paciência para comigo. Todos se foram e fiquei sozinha no mundo. Não parecia fácil lutar sozinha contra uma doença que nos maltrata e que não entendemos o motivo de tanta tristeza, dor e lágrimas. De repente, me vi sem ter com quem falar sobre as minhas dores e os meus desesperos.

Lembro-me que morava, nesta época, num condomínio chamado Parque das Palmeiras e que existiam muitas árvores próximas dele. De frente ao meu prédio tinha uma mangueira enorme! Eu era rodeada de árvores.

Sem amigos, com a vida destruída, coração despedaçado e a alma angustiada eu ficava deitada na cama o dia inteiro. Era difícil levantar-me para ir à cozinha ou ao banheiro.

Rede de Proteção à vida (RPV), divulgação.

Tudo era difícil. Qualquer coisa que exigisse o mínimo do meu corpo eu achava cansativo. A dor só aumentava com o distanciamento dos amigos. Todos se foram porque não suportaram ver o meu fracasso. Sem dar por mim havia as árvores do meu condomínio que faziam um tapete de folhas ao seu redor para que pudéssemos passar.

Era uma quarta-feira nublada, lembro-me bem, e parecia mais um dia como qualquer outro quando desci do meu prédio para ir à médica. Só que olhei para a mangueira gigante de frente para mim. Não havia ninguém na rua. Nunca tinha gente na rua naquele local. Naquele dia eu falei para ela que venceria a depressão. Que seria mais forte do que todos pensavam e sairia daquela situação. Fui e voltei da médica como sempre com receitas de medicamentos nas mãos e conselhos de que ficar em casa só prejudicaria mais ainda a depressão. Eu precisava fazer amigos.

Lá de cima eu via a mangueira, mais precisamente do décimo primeiro andar. Ela parecia sozinha igual a mim. No meio da multidão ninguém ligava para ela. Era apenas mais uma árvore que dava sombra, frutos e espalhava folhas ao seu redor. Eu decidi vir fazer companhia para a árvore naquela noite de outono bonita. Cheguei perto dela com timidez e fiquei quieta. Sem nada dizer. A árvore me olhava. Ela sabia que eu não estava bem.

Como sempre, as árvores conseguem nos entender só pelo olhar. Nada precisamos lhes contar. Eu comecei a chorar. Um fruto caiu perto de mim. Depois mais outro. Folhinhas começaram a cair dos seus galhos. Eu senti que ela queria falar comigo.

Num ato de desespero eu abracei a árvore por um bom tempo. Ficamos ali abraçadas olhando para a noite bonita com céu estrelado. Comecei a chorar e contei todas as minhas dores para ela. Eu não sei o motivo, mas vez ou outra achava a árvore parecida com a minha médica que só fazia me ouvir. A única diferença é que a árvore parecia mais amiga, mais próxima da minha alma, mais necessitada de mim. E pela primeira vez dei por mim que havia alguém com mais solidão e tristeza do que eu.

A árvore precisava dos meus cuidados assim como eu precisava dela. Depois de conversar todas as minhas dores para aquela mangueira frondosa senti um grande alívio no peito e fui me deitar. Daí por diante, começou uma grande amizade entre nós duas. Eu não passava mais pela árvore como antes. Nem ela me deixava passar despercebida. Nos cumprimentávamos.

Peguei o costume de levar um livro para ler embaixo dela quando estava de folga na maioria das minhas tardes. Senti que a árvore queria saber o que eu lia e comecei a ler poemas para ela, mais precisamente poemas de Fernando Pessoa e Florbela Espanca que combinavam conosco.

A árvore começou a filosofar junto comigo. Depois passei a desenhar embaixo dela e senti do alto dos seus galhos e caule grosso ela me pedir para que a desenhasse de várias formas. E fiz vários desenhos da árvore. Quando eu chorava diante dela sentia que queria de algum jeito me proteger e jogava folhas sobre o meu corpo. A partir daquele dia, descobri que aquela mangueira frondosa estava me curando da depressão porque ler um livro, fazer um desenho ou escrever um poema eram coisas que eu não fazia há meses.

Aquela árvore além de ser a minha única e melhor amiga porque me escutava sem críticas e comentários tolos, porque não achava ruim que eu a abraçasse chorando e vez ou outra quisesse desistir de tudo sabia como ninguém curar as minhas dores. De fato, passados alguns anos eu consegui vencer a depressão. E não foi nenhum remédio, psiquiatra ou psicólogo que me curou, mas o meu diálogo todos os dias com aquela árvore amiga e cuidadosa onde eu me sentava para receber a sua sombra, os seus frutos e limpar as suas folhas secas.

Sim, as árvores sabem aliviar as dores da depressão. O relato acima não é fictício. Eu o vivi. Eu sou a testemunha de que as árvores são grandes terapeutas. Se acaso você se sente triste, solitário e não vê mais sentido na vida procure conversar com uma árvore perto de você. Abrace a árvore. Conte para ela das suas tristezas e dores.

As árvores são grandes amigas quando lhes damos atenção. Elas sabem o momento exato de nos dar uma resposta. Os seus abraços são os melhores do mundo porque podemos abraçar-lhes com muita força que não vão reclamar.

É como uma terapia com um analista conversar com uma árvore. Elas ficam silenciosas e só nos ouvem. Nós acabamos descobrindo as nossas próprias respostas. É preciso saber interpretar os cuidados das árvores. Apesar de também viverem sozinhas e abandonadas, muitas vezes, elas sabem como ninguém do que lhes falamos e contamos.

Claro que não vamos abandonar as pessoas de carne e osso pelas árvores, mas nas horas difíceis em que nos vemos sozinhos no mundo e temos uma árvore perto de casa é com elas que podemos desabafar e falar dos nossos sentimentos e emoções. Elas nunca se cansam de nos ouvir. Não reclamam de que sejamos falantes ou silenciosos. Seus galhos conseguem nos ninar balançando pra lá e pra cá. E se ouvirmos com atenção elas até cantam para nos embalar em seus galhos finos e podermos dormir embaixo dos tapetes das suas folhas ou encostados nos seus troncos grossos.

Dizem que ter um amigo na terra é um tesouro e eu lhes digo mais quando esse amigo é uma árvore o tesouro parece encantado e mágico. As árvores são como as mães, elas se sacrificam por nós. Elas são capazes de morrerem para nos ver felizes. Você não precisa nem conversar em voz alta com as árvores para que não lhe chamem de louco ou maluco, basta ficar perto delas, basta lhes demonstrar carinho e cuidado que em troca elas serão grandes companhias.

O filósofo francês Michel de Montaigne tinha um grande amigo chamado de La Boétie para quem escreveu o ensaio “Da amizade” eu tenho a minha mangueira no quintal da minha casa para quem escrevo todos os dias poemas tristes e alegres conforme o estado do meu espírito. Já o filósofo Cícero nos perguntou “Existirá algo mais agradável do que ter alguém com quem falar de tudo como se estivéssemos falando conosco mesmos?”

Acho que só com as árvores podemos nos sentir assim a não ser que você tenha amigos como os de mamãe que contam sessenta ou setenta anos de amizade. O problema é que não temos mais tempo para os amigos e os laços de amizade agora são líquidos.

Sabe aquele amigo que você queria sempre disponível? Pois bem, assim são as árvores. Elas estão sempre no mesmo local à nossa espera. Nunca estão ocupadas. Nunca estão cansadas. Nunca dormem ou ficam emburradas. Sem contar que entendem muito bem as dores da depressão porque quando estamos muito tristes e não sabem como resolver a nossa tristeza elas acabam ficando tristes junto conosco deixando os seus galhos caírem e as suas folhas secas se espalharem por todos os lugares.

Ah! se soubéssemos o quanto as árvores podem aliviar as dores da depressão, visitaríamos menos os consultórios psiquiátricos e faríamos menos análises. Se valorizássemos essas árvores que vivem perto da gente e estão ali prontas para nos ouvir sem censuras e sem comentários que muitas vezes só doem mais ainda dentro da gente abrindo a ferida cada vez mais tenho a certeza de que haveria menos suicídios e mais pessoas felizes no mundo.

Eu fico triste quando sei que alguém tirou a sua própria vida por causa da depressão quando ao seu lado tinha uma árvore que podia ter lhe salvado, bastava ter sido vista com os olhos de quem necessita de cuidados.

Não! Eu não quero que você largue o seu tratamento psiquiátrico ou a sua análise terapêutica. Isso também ajuda no tratamento da depressão. Eu só quero que você saiba que é possível sentir alívio da depressão conversando com uma árvore todos os dias ou quando sentir vontade. Pois comigo foi assim. Ainda é assim quando chego no quintal da minha casa e converso com o meu cajueiro. Quanto mais formas de tratamento você encontrar melhor será.

Nas árvores a gente sente que é acolhida como o carinho de uma mãe que se preocupa verdadeiramente conosco. A gente pode contar os mais bobos pensamentos para elas, chorar até se cansar ou ficar horas abraçados aos seus troncos que não vão se importar.

E quando abraçamos as árvores recebemos da natureza, da mãe Terra e dos deuses a energia necessária para que possamos viver melhor e se ficarmos em silêncio completo e adentrarmos no espírito da sabedoria da vida perceberemos o quanto essa energia nos traz felicidade, amor, bondade, solidariedade e paciência.

Para quem não tem uma árvore em casa ou perto pode ir até um bosque ou parque ambiental. Apesar de o homem está derrubando as árvores para construir prédios e abrir estradas, ainda assim há muitos lugares onde elas existem e são bem cuidadas. Se você experimentar só por um momento fazer isso que eu fiz acima e proporcionar a si próprio uma conversa com uma árvore verá o quão maravilhoso será este momento.

As árvores nos respondem das suas formas e aos poucos aprendemos a decifrar as suas respostas.

Uma árvore nunca lhe deixará na fila de espera para lhe atender. Nem se mostrará aborrecida quando você a deixar por uns tempos sozinha. Sequer vai questionar o que você anda fazendo que sumiu, de repente. Ah! Essas maravilhosas amigas que a natureza nos ofereceu e não sabemos valorizá-las, elas parecem que foram criadas para nos ajudarem nas horas difíceis quando não temos ninguém por perto e a dor da depressão nos invade.

Se a depressão é o mal do século XXI, as árvores seculares são a cura para essa doença, porque cada vez mais não temos ao nosso dispor pessoas que queiram nos ouvir e saibam nos compreender. Nos jogamos nos tratamentos medicamentosos e precisamos passar o resto das nossas vidas tomando pílulas e mais pílulas para sentirmos um pouco de alegria, sim, um pouco.

Se você conseguir ser amigo de uma árvore verá que não é preciso tomar pílula nenhuma para receber a energia da natureza que invade o nosso espírito e nos leva para outros mundos além metafísica capaz de nos dar vontade de viver além séculos. Ficamos tão motivados a viver que queremos pular para o alto na tentativa de alcançar os galhos das árvores para neles nos dependurarmos. Viramos crianças novamente.

Não há mistério ou segredo para se conversar com uma árvore. Basta se colocar embaixo dela e ficar ali quieto. Sem dizer palavra alguma. Se sentir vontade de chorar, chore. Se sentir vontade de abraçá-la, abrace-a. Faça somente o que sentir vontade. A árvore jamais vai dizer que você não é um bom amigo. Quando estiver muito triste e com vontade de sumir para sempre, antes procure sentir a energia de uma árvore sentando-se embaixo dela e contando tudo o que está sentindo. Você verá que a vontade de sumir desaparecerá em segundos.

Quem dá amor também quer receber, não é verdade?

Pois bem, saiba cuidar da sua árvore. Se ela é a sua melhor amiga seja a melhor amiga dela também ouvindo-a sempre que puder, pois as árvores também conversam dos seus modos. E elas as podem dizer coisas maravilhosas que você nunca imaginou existir ou que elas sentissem. Você pode querer saber se existe árvore ciumenta e a resposta é não. Todas elas são amigas e solidárias. Na mãe natureza só há espaço para as virtudes, pois as árvores não costumam usar de vícios para conquistarem o que desejam.

Sim, as árvores também podem ficar tristes e iguais a nós sentirem angústias e entrarem em depressão, por isso elas conseguem nos compreender tão profundamente, afinal para conhecer a dor do outro verdadeiramente é preciso já ter a vivenciado ou experimentado.

Saiba cuidar e dar amor a sua amiga árvore. Quem sabe ela está precisando de cuidados iguais a você e ambas podem se curar sendo cúmplices no compartilhamento dos afetos.

Nunca se sinta sozinho e mesmo que perto de você não tenha nenhuma árvore, imprima uma foto de alguma que encontrar na Internet e coloque perto de você. Converse com ela sempre que sentir vontade que mesmo à distância ela vai ouvir a sua voz e transmitirá a energia necessária para o alívio da sua dor.

Jesus Cristo dizia ao homem de pouca fé que ele poderia movimentar uma montanha se quisesse, pois eu lhe digo que você pode se curar através das árvores se acreditar nisso. Claro que é preciso crer com todas as forças da sua alma.

Antes de tentar tirar a sua vida, devido a depressão ou a solidão, busque os cuidados de uma árvore, como último recurso para a cura da sua dor que ninguém consegue compreender. Elas nunca pedirão paciência, nunca dirão que é falta de fé, nunca mandarão você rezar ou coisa parecida e o mais importante nunca chamarão você de fraco, ao contrário elas vão lhe acolher em seus troncos e galhos. E tenha a certeza de que a mãe Terra junto com toda a natureza trabalhará pela sua cura.

Para concluir, deixo vocês com o querido poeta Olavo Bilac e os versos do seu poema “Velhas árvores” que nos diz:

 “Olha estas velhas árvores, mais belas / Do que as árvores moças, mais amigas, / Tanto mais belas quanto mais antigas, / Vencedoras da idade e das procelas… / O homem, a fera e o inseto, à sombra delas / Vivem, livres da fome e de fadigas: / E em seus galhos abrigam-se as cantigas / E os amores das aves tagarelas. / Não choremos, amigo, a mocidade! / Envelheçamos rindo. Envelheçamos / Como as árvores fortes envelhecem, / Na glória de alegria e da bondade, / Agasalhando os pássaros nos ramos, / Dando sombra e consolo aos que padecem!”

Que possamos envelhecer com a vontade de viver muitos séculos e rindo das coisas mais bobas da vida porque a depressão não mata quem tem como amiga uma árvore tagarela.

Autora: Rosângela Trajano

DEIXE UMA RESPOSTA