Aprender com a pedagogia de Jesus

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 “Enquanto conversavam e discutiam, o próprio Jesus se aproximou e começou a caminhar com eles (Lc 24,15)

A palavra pedagogia tem origem na Grécia, deriva de paidós que significa criança e agodé que se traduz por direção, deste modo cabe ao pedagogo e à pedagoga caminhar com o educando possibilitando aprendizagens. É tarefa desse profissional ajudar o estudante a vislumbrar direções, a extrair sentidos do seu existir no e com o mundo.

Dentre as muitas opções pedagógicas, este breve ensaio se propõe a iniciar uma reflexão sobre a pedagogia de Jesus, tal como se encontra em Lucas capítulo vinte e quatro, versículos de treze a trinta e cinco, trata-se de uma pedagogia na qual o ensino e aprendizagem ocorrem no caminho, a exemplo do que já faziam os peripatéticos antes de cristo.

Da etimologia grega do termo pedagogia se desdobra uma concepção bem desafiadora para o fazer educativo que se realiza nos espaços escolares e fora deles, isto porque a existência humana acontece em um mundo com diversas opções de caminhos, alguns íngremes, barrentos, espinhosos demais para serem trilhados sem que a dignidade seja estilhaçada.

Dentre os muitos caminhos que se apresentam à nossa vista, se encontra a opção por uma educação calcada nos valores do neoliberalismo, na formação de mão de obra barata para um mercado de trabalho que deseja espezinhar, escravizar ao invés de oportunizar renda e condições para que a vida seja humana; outras opções metodológicas fundadas em visões autoritárias fortalecem a violência e desmobilizam a cultura da paz.  

Essas constatações e críticas são temas de conversas, de pesquisas, de buscas que enquanto humanidade fazemos. Também andamos como aqueles dois discípulos de Emaús, cabisbaixos a caminho de nossas casas, de nossos locais de trabalho, especialmente quando se trata dos espaços onde a educação ocorre, ali onde a vida deveria ser tematizada e fluir na alegria da descoberta, reinam práticas, por vezes autoritárias, violentas, desprovidas da intenção humanizadora. 

O clima é de desesperança e de tristeza diante do mercado que vende uma falsa ideia de felicidade, diante de concepções e métodos distorcidos que não educam para a liberdade e autonomia.  

Cléofas e o outro discípulo, (sem nome, porque figura cada um de nós) são, para fins dessa reflexão, professores, educadores, gestores, pessoas que perderam a referência do Mestre, que deixaram de acreditar e apostar na força transformadora do seu fazer.

O caminho de Emaús acontece aqui, onde o sistema sufoca a vida, onde as políticas educacionais são pensadas desde um poder que se serve ao invés de servir. Neste cenário caótico que se insere a pedagogia da pergunta, recurso filosófico que serve para desestabilizar, colocar em crise as certezas e dar à luz a estratégias que reascendam a esperança.

há que se pensar no caminhar pensante, alternativas para se evitar o choque com as pedras, pois são mais duras do que o frágil ser humano. Levanta hipóteses: saltar sobre elas, passar por baixo ou, simplesmente, buscar um suave desvio. (Eladio Vilmar Weschenfelder) Leia mais: https://www.neipies.com/eureca-no-caminhar-pensante/

“O que vocês andam conversando pelo caminho?”, é a pergunta do Mestre aos discípulos de ontem e de hoje, e como dito acima o tema da conversa é a esperança que se perdeu, havia tanta potência naqueles estudos que realizávamos, naqueles grupos de pesquisa que frequentávamos, porém os tempos mudaram e a liquidez da vida tapa nossos olhos para o essencial do fazer pedagógico, para a fé no ser humano e na transcendência, o amor – caridade que se traduz em ações geradoras de vida, a esperança do verbo esperançar como arguia o pedagogo e filosofo Paulo Freire.

O objetivo da pergunta de Jesus é provocar a reflexão dos seus discípulos para que se lembrem do essencial, da palavra das escrituras e dos fatos que fazem arder o coração.

No caso dos profissionais da educação é preciso recordar as teorias que fundamentam a prática e superar a dicotomia entre uma e outra, como argumenta Freire “é fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal forma que, num dado momento, a tua fala seja a tua prática” (FREIRE, 2003, p. 61).

Um educador freiriano e discípulo de Jesus precisa buscar através da sua práxis coerência para que seu fazer nunca perca de vista a humanidade e não sirva a outras pedagogias que favoreçam o mercado alimentando o sistema neoliberal.

É urgente apostar cada vez mais num fazer pedagógico inclusivo e dialógico, reunir-se com os pares e partilhar as angústias enfrentadas no caminho é condição para formar comunidade educativa.

É preciso como fez Jesus com aqueles discípulos recordar as razões da fé, os motivos da escolha pela docência e os compromissos assumidos nas relações de ensino aprendizagem. Para tanto, é necessário que a educação seja concebida como processo no qual todos se humanizam, é sempre ponto de partida que não se conclui com o encerramento de uma etapa, de um ciclo.

Por vezes, somos lentos demais para perceber que o fazer pedagógico, embora nem sempre se realize nas condições ideais, faz grande diferença na vida das pessoas.

É pela educação que se pode romper ciclos de vulnerabilidade, de violência e de injustiça. É na escuta atenta da palavra, na aprendizagem de conteúdo específicos que se pode desenvolver habilidades provocadoras da mudança. É preciso prestar atenção nos sinais e dar ouvido ao que parece absurdo, ou seja, as pessoas que anunciam a possibilidade do novo, que nutrem grandes esperanças, e por vezes, são desacreditadas devido ao pessimismo e ou descrença daqueles que o sistema conseguiu dominar.

Ao chegar no destino, pequeno povoado de Emaús, aquele homem, até então estrangeiro, fez menção de seguir adiante, porém foi convidado à ficar, porque já era tarde. Foi então que os olhos dos dois se abriram quando sentados à mesa Jesus abençoou e partiu o pão, nesse momento eles entenderam porque durante a caminhada, processo de aprendizagem muito usado pelo evangelista Lucas, os corações deles ardiam.

Assista e escute também: https://youtu.be/wXTDU2UHG-4?t=75

O momento da partilha do pão aqui é figura da vida partilhada entre docentes e discentes, das reuniões pedagógicas onde a experiência dos colegas pode iluminar as diferentes práticas possibilitando esperançar. Sentar-se à mesa, quando se trata de educação, significa alimentar-se dos fundamentos que movem as ações pedagógicas, e festejar as conquistas que ocorrem durante a caminhada.

Um educador cristão não é um apologista e ou doutrinador, pelo contrário é um ser humano que, por convicção, entende as implicâncias éticas do seu agir e assume, assim como Jesus, a árdua missão, de questionar, provocar e mobilizar esforços em prol da vida, inclusive quando entende as consequências de remar contra a maré de um sistema inumano desde as suas origens. Sistema que impede a festa da páscoa sempre que provoca a fome, a miséria e as situações de não vida. 

Um educador cristão sempre será um discípulo que opta pelo diálogo, pela pedagogia da pergunta se importando e se colocando a serviço da vida.  Quando os profissionais da educação entendem a grandiosidade da tarefa que realizam, eles não ficam parados resmungando, murmurando contra o sistema, eles se mobilizam para construir sentido e elaborar significados diferentes dos ditados pela pedagogia neoliberal.

Educadores que não perdem de vista os motivos principais do fazer que realizam partilham vivências, elaboram e efetivam planos que corroboram com a formação integral de sujeitos. Essas atitudes figuram o corajoso retorno à Jerusalém, outrora lugar da derrota. Era noite, mas o medo foi vencido, visto que notícia feliz não pode ser guardada, precisa ser partilhada e dar sentido a existência de outras pessoas, fomentar outras práticas geradoras de vida.

Que cada instituição se constitua nesse lugar de encontro e da partilha que gera a vida.

Autor: Marciano Pereira

REFERENCIAS:

BÍBLIA DE JERUSALEM. Bíblia sagrada.  Paulus – 2008 (Lc 24, 13- 35).

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 27ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2003.                         

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