A tragédia ambiental nossa de cada dia

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 (27 de julho de 2023, quinta-feira)

Recado do secretário-geral das Nações Unidas, depois de o serviço meteorológico europeu ter registrado, nas três primeiras semanas de julho, as temperaturas mais quentes da história

do Velho Mundo: “As mudanças climáticas estão aqui. É aterrorizante. E é apenas o começo”. O planeta entrou na era da “fervura global”.

Nesse momento de mudança climática, num mundo cada vez mais quente e cheio de riscos, dada a carga pesada que impomos ao planeta, consta no Relatório da Plataforma Intergovernamental Sobre a Biodiversidade e os Serviços Ecossistêmicos, IPBES, que “os ecossistemas, as espécies, a população selvagem, as variedades locais e as raças de plantas e animais domésticos estão se reduzindo, deteriorando ou desaparecendo. A essencial e interconectada rede de vida na Terra se retrai e está cada vez mais desgastada”.1

Ponto delicado, “os ecossistemas do mundo enfrentam ameaças sem precedentes”, sentenciou Antonio Gutierrez, secretário-Geral da ONU, em mensagem datada de maio de 2019. Decerto, as consequências são de longo alcance, prejudicando, entre outros, e de forma severa, a segurança alimentar. Não por acaso, a mudança climática das últimas décadas já causou uma queda de 4% a 5% na produção mundial de trigo e milho em relação a 1980.2

Seja como for, na base de significativo declínio da natureza, uma série de impasses (da crescente emissão de dióxido de carbono à mais avassaladora produção de plásticos; da invasão de habitats selvagens à constante poluição do ar, da água, do solo; da mortalidade ininterrupta de árvores ao aumento do nível do mar) atravessa nossa realidade cotidiana, e traz a certeza de que a nossa espécie, de um jeito ou de outro, e pouco importa o jeito, se especializou em gerar saldo ecológico negativo.

Sob esse sentimento, exploração do globo – fruto dos danos do industrialismo -, consolidando o modo capitalista de produção, talvez seja, à primeira vista, o nome mais adequado para isso. Pelo sim, pelo não, somente a degradação da terra, cabe reparar, afeta 40% da população mundial.

No entanto, a coisa toda é bem mais séria. De acordo com o Relatório de Riscos Globais 20233, tudo leva a crer que todos (vale aqui o grifo) os riscos planetários mais importantes são ambientais, e muitas das mudanças climáticas, nessa mesma sequência, são irreversíveis. Ainda assim, a crítica é pertinente: por conta de nossos excessos, chegamos até aqui afetando a biodiversidade (nosso suporte vital), a preservação dos biomas, os habitats e o ciclo de nutrientes.

Não obstante a isso, cada vez mais, pelo modo de vida ocidental, fazemos o planeta arder. Conceito amplo, “não estamos indo ao encontro do aquecimento global e da mudança de regime climático. Já estamos dentro”,4 assinala Leonardo Boff.  De forma semelhante, Alberto Acosta, economista equatoriano, chama-nos a atenção ao dizer que “não é mudança climática, é colapso climático”.5

Em palavras realistas, enquanto os tecnocratas debatem se o crescimento verde (fisicamente impossível) nos legará um mundo ecologicamente sustentável, e se com mais tecnologia é possível acelerar a produção e levantar uma economia sem limites, os homens e suas ações, longe de qualquer sinal de pausa e voltados a justificar a concepção moderna de mundo desenvolvido, seguem dando provas contundentes de como afrontar os ciclos ecológicos do planeta – o ciclo da água, do carbono, do oxigênio, do nitrogênio.

De resto, no ponto ecologicamente insustentável de agora, próximos dos limites planetários, aumentam os perigos que a natureza enfrenta devido as mudanças do clima, seja pelo nosso comportamento antropocêntrico dominador, pelas crescentes práticas de produção ou mesmo, e isso está longe de ser assunto comum, por conta das 36,6 bilhões de toneladas de CO² (GtCO²) que mandamos para a atmosfera.

Dolorosa consciência, não há mais como esconder: somos agora mesmo ameaçados pelas consequências globais do agir humano sem compromisso com a causa ambiental.

Mais concretamente, pensando o modelo de modernidade conhecido, isto é, o atual “capitalismo de desastre” (expressão empregada pelo filósofo francês Mark Alizart), pesa-nos reconhecer que, enquanto respiramos a cultura de crescimento econômico (baseado no extrativismo de recursos e na expansão dos mercados, vale dizer, na maneira como temos medido a civilização), nenhuma área conhecida está a salvo das consequências de nossas ações produtoras de complexos problemas de degradação do planeta.

Ora, degradação do planeta, insistindo com o assunto, é a expressão mais forte de nossa negligência com a Natureza, eixo da vida, matriz de tudo. A partir dessa perspectiva, falamos aqui de ações que, sobretudo, geram distúrbios no meio ambiente. Ou impactos ecológicos (sempre numa escala global) decorrente da política de abundância material (cuja destruição dos recursos naturais, cada um sabe, faz parte dessa lógica) em tempos de modernidade industrial.

E no caso ainda de refinar-se a análise, tudo indica que não há mais como contestar a guerra do homem contra a natureza, expressa sobretudo na destruição ininterrupta dos ecossistemas do globo, empurrada, é claro, pela dinâmica capitalista.

Nesse mesmo tom, não é a primeira vez que os teóricos da ecologia afirmam com clareza suficiente que, na era dos humanos (na nossa condição!), há anos queimando carvão e petróleo e fazendo a economia girar com mais velocidade, seguimos marcando conflituoso relacionamento com o planeta vivo, a ponto de afetar os suportes à vida (solos, chuvas, aquíferos, rios, lagos, oceanos, polinizadores, perda do gelo marinho, diversidade biológica). Assim sendo, fica bem claro que o que estamos fazendo com – e contra – o planeta, nos condena.

De toda forma, sustentado pela ideologia neoliberal, não é de hoje que nosso poder de perturbar à biosfera se mescla à nossa irresponsabilidade ambiental. Que o digam os mais variados elementos de descompasso ambiental e climático.

Nessa direção, longe de esgotar o assunto, temperaturas em partes do Ártico estão até 20ºC mais altas que a média, como mostra o Arctic Resilience Report, relatório conduzido peloInstituto de Pesquisas Ambientais de Estocolmo. Já os oceanos, que desempenham papel crucial na regulação do clima, continuam com muito mais ácidos (redução de seu pH), alterando o equilíbrio nos mares e ameaçando os ecossistemas de recifes e a biodiversidade marinha. No sentido tradicional, para fechar aqui esse conteúdo, somos lembrados pelo conhecimento científico que 18 dos 31 ´sinais vitais´ do planeta, incluindo as emissões de gás com efeito estufa, a espessura das geleiras e o desmatamento, já alcançaram níveis recordes preocupantes.

Na origem dos fatos, importa muito notar com redobrada atenção, o Antropocentrismo dominador compromete de imediato duas realidades: o sistema- vida e o sistema-mundo.

De forma resumida, nessa tragédia ambiental nossa de cada dia, o que está em jogo, de fato, é o futuro da nossa própria existência e do nosso planeta. É esse o ponto mais delicado diante de nós.

A crise ambiental global é, antes de tudo, uma crise de valores que afeta sobremaneira a forma de pensar, agir e sentir da humanidade. Qualquer um com um mínimo de inteligência precisa perceber isso. Leia mais: https://www.neipies.com/terra-adoecida-humanidade-a-deriva/

Autor: Marcus Eduardo de Oliveira

Edição: A.R.

Notas:

1. https://www.ipbes.net/global-assessment

2. LOBELL, D. B. et al. Climate trends and global crop production since 1980 [Tendências climáticas e produção agrícola global desde 1980]. Science, n. 333, p. 616-620, 2011.

3. https://www.zurich.com.br/pt-br/blog/articles/2023/01/global-risks-report-2023

4. https://www.brasildefato.com.br/2023/02/23/o-novo-normal-ameacador

5.https://www.ihu.unisinos.br/categorias/613515-nao-e-mudanca-climatica-e-colapso-climatico-entrevista-com-alberto-acosta

Economista, ativista ambiental e Mestre em Integração da América Latina pelo Programa de Pós-Graduação Integração da América Latina (PROLAM), da Universidade de São Paulo (USP). Autor de Economia destrutiva (CRV, 2017) e Civilização em desajuste com os limites planetários (CRV, 2018). prof.marcuseduardo@bol.com.br

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