2020: marcado pela pandemia e pela resistência dos professores da rede estadual do RS

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Contar histórias de pessoas que marcam a história de nossa educação, em especial, a educação pública, é uma escolha editorial que fazemos reiteradamente no site. Nosso compromisso é com aqueles e aquelas que sonham, lutam e promovem a educação de qualidade social.

Em novembro de 2020, quando nos aproximamos de mais um final de ano, com poucas previsões e muitas dúvidas sobre o término do ano letivo, entrevistamos Helenir Schurer, presidente do CPERS Sindicato.

O Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul em Sindicato é o sindicato dos professores do ensino público do Rio Grande do Sul, com sede em Porto Alegre. É filiado à Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação. Foi fundado em 21 de abril de 1945, com o nome de Centro dos Professores Primários do Estado do Rio Grande do Sul (CPPE). Atualmente reúne mais de oitenta mil filiados. 

Conheça a história desta professora e líder sindical que se entrelaça com a história do CPERS Sindicato, por dela mesma.

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SITE NEIPIES: Quando, como e porque a senhora decidiu ser professora?

PROFESSORA HELENIR: Decidi ser professora desde a terceira série, quando tive uma professora maravilhosa. Foi ali que me encantei com a profissão. Depois a vida seguiu, eu trabalhava na iniciativa privada e um dia resolvi largar tudo e fazer o magistério. A partir dali me apaixonei pela educação e nunca mais saí dela.

SITE NEIPIES: Como a luta por educação pública de qualidade foi se entrelaçando com a sua história profissional?

PROFESSORA HELENIR: Minha vida profissional e a nossa luta pela educação pública de qualidade foram se entrelaçando no fazer pedagógico e na importância que eu senti quando trabalhei, principalmente, alfabetizando, num momento, e no outro, trabalhando com o Supletivo. Na alfabetização, quando as crianças aprendem a ler e na busca de alternativas mais apropriadas para fazer o desenvolvimento das crianças na aprendizagem de maneira mais profunda e no Supletivo quando pude ver a alfabetização política das pessoas. Não consigo entender educação que não seja libertadora e no Supletivo pude perceber isso mais fortemente em minha vida.

SITE NEIPIES: O que mais a desafia e o que mais a realiza como dirigente do CPERS Sindicato, um dos maiores sindicatos de professores da América Latina?

PROFESSORA HELENIR: O que mais me desafia a frente do Sindicato é buscar garantias de conquistas para nossa categoria. Estamos vivendo num segundo governo estadual extremamente neoliberal, onde se busca retirada de direitos e isso nos desafia muito. 

O que mais me realiza é o contato com a categoria, é o diálogo com a categoria e, principalmente, saber que a gente conseguiu nestes 06 anos de direção fazer com que a categoria novamente acreditasse no Sindicato e as grandes mobilizações que fizemos. Isso me realiza enquanto professora e me honra muito estar à frente de um Sindicato, de uma categoria tão guerreira, tão batalhadora e com tanta fibra.

SITE NEIPIES: Qual é a importância do sindicalismo neste momento histórico pelo qual passa o Brasil e o RS?

PROFESSORA HELENIR: Estamos vivendo num momento, no mundo inteiro, de ataques aos direitos dos trabalhadores. Nesta conjuntura, o papel do Sindicato se torna fundamental. Sindicatos continuam sendo uma ferramenta de busca de direitos e de resistência, mais de resistência, atualmente, pelos governos neoliberais que temos tanto no país como no Estado. A importância é essa, de estar ao lado dos seus sócios e dos trabalhadores. Não somente dos sócios, porque o movimento sindical tem de saber que todos os trabalhadores tem de ser motivo para nossa luta. O papel dos sindicatos hoje é essa, não só a luta corporativa, mas também a luta pela democracia.

SITE NEIPIES: O CPERS Sindicato é conhecido por demarcar posições políticas significativas com relação aos governos estaduais. É conhecido pela combatividade e pela mobilização contra os reiterados ataques pelos quais vem passando a categoria no RS. Qual é a diferença neste enfrentamento nos últimos 3 governos (Governos de Tarso Genro, José Ivo Sartori e Eduardo Leite)?

PROFESSORA HELENIR: Olha, tem pessoas que dizem que todos os políticos são iguais e é uma despolitização dizer isso. Porque nós temos diferenças e as pessoas tem de entender que tem projetos diferentes. Tarso Genro tinha um tipo de projeto, um projeto diferente de Sartori e de Leite. Apesar de termos feito muita luta no governo Tarso Genro, é importante ressaltar que não tivemos, em momento nenhum, o fantasma da perda de direitos. Conseguimos avanços importantes, principalmente os reajustes dos nossos salários. No Governo Sartori e Eduardo Leite foram somente perdas. Sartori foi reajuste zero, Leite ainda reajuste zero. São governos que privatizaram e que retiraram direitos fundamentais da nossa categoria, com maioria absoluta na Assembléia Legislativa e que lhes dão e deram sustentação.

SITE NEIPIES: Como a Pandemia marca os professores e professoras da rede estadual de ensino em 2020 e o que ela mostra a toda sociedade gaúcha?

PROFESSORA HELENIR: A pandemia tem todo seu lado triste, das milhares de mortes que infelizmente marcam o nosso país, mas na vida dos professores e professoras da rede estadual, eu tenho pensado muito sobre isso. 

O que a pandemia fez com nossos professores e com toda sociedade gaúcha foi demonstrar, primeiro, uma mudança de discurso. Devemos lembrar que antes da pandemia, o grande discurso era homeschooling, era educação à distância, como se isso fosse a salvação da educação. Com a pandemia, quando estamos vivenciando estas duas questões, acho que escola pública sai muito fortalecida. Hoje temos muito mais reconhecimento dos pais da importância da escola pública, da importância do professor, do que tínhamos antes. Se tem alguma coisa desta pandemia, foi este reconhecimento da profissão docente que estava tão desgastada e desvalorizada e que parece foi agora redescoberta pela sociedade gaúcha.

SITE NEIPIES: Por que a educação é o setor da sociedade mais vulnerável e mais oprimido também nesta Pandemia?

PROFESSORA HELENIR: Na pandemia ficou explicitado o grande apartheid que temos na sociedade. Temos pessoas que conseguiram passar pela pandemia com seus estudos tranquilamente, porque tinham todas as ferramentas disponíveis, mas ao mesmo tempo a gente vivencia crianças que não tem sequer um celular para poder acessar as aulas remotas e outros sequer tem o sinal de internet. As diferenças sociais e abismais que temos no nosso país ficaram muito explícitas durante esta pandemia. Por isso é importante a sociedade se mobilizar para termos um plano para no próximo ano recuperarmos as crianças que ficaram à margem de todo este processo educacional.

SITE NEIPIES: Qual é, ou continua sendo, o maior desafio para tornar a educação pública com qualidade social?

PROFESSORA HELENIR: O grande desafio para tornar a educação pública com qualidade social é investimento, investimento não só financeiro, mas também investimento nas pessoas, investimento na formação dos professores (formação continuada), investimento nas políticas sociais para que as diferenças existentes entre aqueles alunos que vão para escola também para garantir sua alimentação e aqueles outros que tem absolutamente tudo. 

Uma educação de qualidade se faz com investimentos sim nos professores e na formação, mas investimento social para que as famílias que fazem parte da comunidade das escolas públicas deixem de ser esquecidas pelos governos e muitas vezes sejam vistos como párias, como se não fizessem parte da sociedade. Tem que se ter este olhar. Com alunos com fome não há como ter uma escola com qualidade social. Um aluno com preconceitos, ou afastado por preconceitos, também não cabe numa escola de qualidade social. Então, temos muito a caminhar, muito a fazer, sendo que um dos grandes desafios da escola, dos professores, da comunidade escolar, em conjunto com a sociedade.

SITE NEIPIES: Por que, muitas vezes, as ações do CPERS Sindicato parecem estar tão distantes da realidade dos colegas professores e professoras, bem como também da situação das escolas?

PROFESSORA HELENIR: Nestes seis anos, o que mais temos buscado é aproximar esta categoria do Sindicato. O Sindicato estava muito distante. Temos feito muitas, muitas Caravanas, muitas ações de ir para a base com a categoria, muitas ações para trazer os aposentados para próximo do Sindicato. Acho que já conseguimos um bom intento, mas ainda temos de continuar trabalhando para que, cada vez mais, as pessoas se sintam o Sindicato. O Sindicato deixa de ser aquela entidade tão distante onde os sócios não se reconhecem como trabalhadores, como parte do Sindicato.

SITE NEIPIES: O que mais marca a atuação do CPERS neste ano de 2020?

PROFESSORA HELENIR: O que mais marcou a atuação do CPERS este ano foi a RESISTÊNCIA. Sofremos ataques terríveis desde o início do ano com a retirada de direitos. Estamos agora numa pandemia, onde o governo, de forma irresponsável, tenta nos fazer voltar às aulas presenciais mesmo sabendo que as condições sanitárias não estão dadas e nós temos resistido. A categoria tem resistido e isso nos dá muito orgulho. Nossa maior marca deste ano é a Resistência.

SITE NEIPIES: Qual é a expectativa do CPERS Sindicato com a implantação do Novo Ensino Médio?

PROFESSORA HELENIR: A implantação do Novo Ensino Médio é um dos grandes desafios que temos pela frente. No Novo Ensino Médio, o governo vai tentar implantar o EAD, mesmo com todos os problemas que a pandemia já demonstrou com relação a isso. Precisaremos fazer grandes debates com a comunidade escolar para continuarmos resistindo. O Novo Ensino Médio retira dos alunos a possibilidade de conhecimento pleno, portanto não serve e deve ser rechaçado.

SITE NEIPIES: Como motivar professores e professoras que, além de seus salários parcelados, convivem com a desconfiança de parcela da sociedade e a imposição de mais precarização no seu trabalho pelo governo estadual?

PROFESSORA HELENIR:  Os professores e professoras, apesar de tudo que passamos, com salários parcelados, há seis anos sem reajuste, e muitas vezes questionados em seu trabalho, esses professores tem resistido. Sempre digo que nossa categoria tem esta característica de “não vergar a coluna”. A gente sofre ataques e parece que quanto mais batem, mais a gente se fortalece. Mas também é verdade que temos de trabalhar como um todo: aqueles que convivem com o Sindicato, que vivem o Sindicato, a gente percebe que conseguem entender a situação, enquanto outros que estão mais afastados realmente ficam mais fragilizados. Então, neste momento que eu falava que a pandemia ajudou a fortalecer a escola pública aos olhos dos pais, vejo que este é um bom momento para nós nos levantarmos e construirmos juntos com a sociedade e a comunidade escolar resistências contra as precarizações. A gente sabe que este governo tem no seu planejamento fechar escolas, principalmente escolas do campo, e temos de fazer muitas lutas para que este projeto não se concretize.

SITE NEIPIES: Qual é o segredo seu para o entusiasmo e sua liderança perene diante de tantos desafios da realidade educacional no RS?

PROFESSORA HELENIR: O segredo para meu entusiasmo é a grande admiração que eu tenho pela nossa categoria. É uma categoria que vale a pena a gente lutar. Uma categoria que temos de abraçar e, quando a gente abraça, a gente caminha junto. Meu entusiasmo é justamente por isso: nunca me sentir só. A gente sempre construiu a luta e a categoria respondeu, o que me deixa muito feliz e muito orgulhosa. Não tenho orgulho de ser presidente, mas de estar presidente do Sindicato desta categoria, eleita por ela, uma categoria tão grandiosa como a do CPERS Sindicato.

SITE NEIPIES: Que mensagem gostarias de deixar aos leitores deste site, em especial, os professores e professoras estaduais do RS?

PROFESSORA HELENIR: A mensagem que eu gostaria de deixar, primeiro, é pela importância do voto. Temos que começar cada vez mais nos preocupar com eleições, nos preocupar com projetos, estudarmos os projetos, fiscalizarmos as ações de todos os partidos políticos, porque só assim vamos poder detectar quais projetos eles defendem. Por exemplo, uma maior fiscalização da Assembleia Legislativa e do Congresso Nacional. Ver como votam os partidos que atacam e retiram os direitos dos trabalhadores. Quando entendermos isso, perceberemos que estes defendem o projeto do Estado Mínimo, de políticas neoliberais. Enquanto aqueles que nos defendem, que estão juntos e caminham conosco defendem outro projeto. Um projeto de um Estado protetor dos direitos, um Estado com desenvolvimento social, e esses fazem a diferença. 

Neste ano de eleições municipais, deveríamos dar respostas a todos os partidos que nos tiraram direitos, porque votar nestes partidos é fortalecer este projeto. E fortalecer este projeto nos exigirá muito mais lutas, lutas difíceis de serem ganhas em relação às nossas conquistas. Para voltarmos a conquistar, é importante termos esta leitura de projetos que estão em jogo na sociedade. Os projetos que nos defendem são daqueles que sempre votaram a favor de nós. Cada voto tem uma consequência e estamos vivendo estas consequências de votos errados que foram dados para Sartori ou Eduardo Leite e a grande maioria da Assembleia Legislativa onde tem 40 deputados que apoiam estas políticas. 

Um grande abraço!



Fotos: CPERS Sindicato

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