A rigor, a luta por direitos sempre é luta de resistência.
E, em sentido atual… significa angariar forças para imunizar-se
e imunizar a sociedade de posições neoconservadoras,
neonazistas atentatórias à dignidade humana.

 

 O tema é super oportuno e se põe numa conjuntura complexa de retrocessos em vários sentidos. Assim que, compreender o sentido de resistência requer situar-se nestes contextos. Mas também requer perceber os múltiplos sentidos e usos da noção de resistência, na biologia, na física, na história, na geografia, na política, na filosofia…. e também sua raiz etimológica, formada por “re” = de novo + “sistere” = continuar existindo.

Em termos histórico-políticos o uso contemporâneo foi associado ao movimento antinazista, especialmente na França (resistência francesa) – no campo contrário ao dele os colaboracionistas, daí porque, no jargão político, resistência é o movimento que faz oposição a uma proposta, política, governo ou poder considerado ilegítimo e ilegal por ser opressor e totalitário (sendo que aquele que contribui com estes tipos é colaboracionista – no sindicalismo brasileiro estes últimos foram apelidados de “pelegos”).

O sentido político de resistência articula dois aspectos: a oposição – o que significa que nele está contida a ideia de conflito, de divergência, de contradição e também a ideia de posicionamento o que leva à luta (agón) contra determinada posição (o que inclui pelo reverso ser a favor de outra determinada posição). Por outro lado, recolhendo o sentido vindo da biologia (immunitas – imunidade) também tem o sentido político de defesa, de defender-se, de proteger-se – o que novamente requer ler a realidade de modo a identificar oposições e exigir posição.

O modo de resistência pode ser diversificado, sendo que, em termos estruturais, pode ser de ação ou de inação. No caso da ação há um envolvimento direto para promover processos, movimentos, dinâmicas e atuações capazes de incidir sobre os fatores geradores da necessidade de resistência.

Ela pode ser ela direta ou indireta, sutil ou forte, pacífica ou violenta. Inclui perspectivas instituintes e constituintes no sentido de afirmar dimensões utópicas e hererotopicas. No caso da inação há promoção de processos, movimentos e dinâmicas que inibem a ação, que a desinstalem, que a desmontem, que a tornem inoperativa (é o agir para não agir) – uma espécie de puxar para trás com força equivalente ou maior do que aquela a quem se pretende oferecer oposição. Inclui perspectivas destituintes no sentido de afirmar dimensões distópicas.

Em termos ideológico-políticos, a resistência pode ser do tipo progressista ou do tipo conservador. No primeiro caso estará estribada em posições que querem mudanças de tipo reformistas, transformadoras ou revolucionárias; no segundo caso em posições de manutenção (conservadoras) ou de restauração (reacionário). Imagino que aqui nos interessa o tipo progressista de resistência.

As formas históricas de resistência são as mais diversas e se expressão em rebelião, revolução, burla, comédia, escracho, greve, não-violência, desobediência civil ou mesmo até o monasticismo.

No Brasil os escravos desenvolveram diversas formas de resistência. São exemplos o sincretismo religioso, a capoeira, o banzo. Neste último caso, a palavra vem do quimbundo mbanza, que significa “aldeia”), entendida como a “melancolia” dos escravos com saudade” de sua terra – o banzo era uma prática de protesto dos escravos que se traduzia em greve de fome, em sentido mais forte, o suicídio, o aborto, o infanticídio, as fugas e, de modo mais organizado, a formação de quilombos. A desqualificação fez transformar banzo em sinônimo de dengo ou choramingo.

Em suma, resistência exige luta contra práticas e formas de organização do poder que sejam ilegítimas. Também significa organização para defender os direitos diante de práticas e propostas austericidas a aporofóbicas.

A rigor, a luta por direitos sempre é luta de resistência. E, em sentido atual… significa angariar forças para imunizar-se e imunizar a sociedade de posições neoconservadoras, neonazistas atentatórias à dignidade humana; também para enfrentar, pondo-se à frente na frente de propostas e políticas que sejam destrutivas de direitos e acima de tudo, exercer a criatividade ético-política para gestar novas formas de vida, fazendo a vida brotar nas fendas da “terra seca”. Uma cunha numa pequena rachadura pode parecer nada, mas se mantida em perspectiva de resistência pode significar a destruição daquilo a que se oferece como resistência.

Paulo César Carbonari, professor do Instituto Superior de Filosofia Berthier (IFIBE) e militante de direitos humanos no Brasil, faz importantes reflexões sobre o significado da ética em nossa vida cotidiana. Partindo de uma concepção de que somos seres em relação, o professor afirma que a humanidade está nas mãos dos seres humanos. Somos abertos, inconclusos, podemos sempre ser diferentes e mais do que somos. Ao mesmo tempo que pode estar na perspectiva de potencialização e afirmação positiva, a humanidade pode também estar na perspectiva da destruição e dominação de uns sobre os outros.

 

O segredo da resistência é a persistência e a resiliência. Isso tudo para que se possa realizar o que está no radical etimológico da resistência que é insistir para re-existir.

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