Da minha infância aos meus dezesseis anos, morei muito próximo de uma “comunidade russa” no Brasil. Nasci em Campina das Missões, uma cidade do RS que se tornou referência na vivência de costumes, tradições e de religiosidade ortodoxa russa.

Como descendente de imigrantes alemães, sempre vi, de forma desconfiada e intrigante, esta cultura que estava a me rodear. Tive colegas de escola que revelaram poucas coisas sobre sua história e a história de suas famílias.  Minha mãe, Lúcia, me contava algumas poucas palavras ditas “em russo” justamente por sua amistosa e intensa convivência com amigos e conhecidos da comunidade russa.

No meu imaginário, a Igreja Ortodoxa Russa, o cemitério e uma grande vontade de participar da festa anual comemorada pela instigante comunidade de russos em Campina das Missões.

Para descortinar um pouco mais desta história que conheci na minha infância, que agora passa a interessar a outros brasileiros por conta da realização da Copa do Mundo na Rússia, entrevisto um casal de brasileiros que vive, no cotidiano de suas vidas, a história, a cultura e a religiosidade no Brasil, mas com um pezinho na Rússia:  o advogado Jacinto Anatólio Zabolotsky e a professora Ilse Ana PeriusZabolotsky.

 

Nei Alberto Pies: Jacinto, como descendente de russos que vieram da Sibéria em busca de melhores condições de vida, como avalias o impacto cultural e econômico no desenvolvimento desta região missioneira a partir da imigração russa?

Os imigrantes de todas as etnias tem a sua parcela de contribuição no progresso do estado e da nação, independente da etnia de sua origem. Pois com a força de seu labor mudaram o rosto de Campina das Missões, do Estado e do Brasil, com determinação, garra e coragem em busca de novos horizontes que esta terra tão maravilhosa acolheu a todos a partir de 1909, que aqui plantaram sua história, constituíram as suas famílias, cultura, religiosidade, enfim, o seu legado histórico-cultural-religioso, se tornando o berço da cultura russa.

 

Nei Alberto Pies: O que torna esta cultura tão marcada em solo gaúcho? Foi a união, a identidade em torno da igreja e da cruz ortodoxa, do cemitério e das festas anuais que estes imigrantes realizavam por aí? O que mesmo identifica este grupo étnico nesta região do RS?

Assim como o Brasil, a Rússia é um país com dimensões continentais, culturalmente multifacetado e multiétnico. Os dois países são formados por inúmeros povos e culturas que se entrelaçaram ao longo dos séculos entre si, e formam as suas nacionalidades. A identidade do Brasil enquanto povo é formada essencialmente por estas misturas, e aqui no RS, onde vieram inúmeros imigrantes da Europa tal riqueza cultural da nossa identidade se torna ainda mais evidente.

Devido a singularidade do povo russo, ao chegarem ao Brasil trouxeram consigo não só o trabalho para desbravar estas novas terras, mas sobretudo uma série de novos costumes e tradições que não eram praticados pelos imigrantes da Europa Ocidental ou nesta região até aquele momento. Neste sentido, os imigrantes russos ajudaram a formar e enriquecer o mosaico cultural de nosso Estado.

“Uma das principais contribuições deste povo, foi justamente a introdução da fé ortodoxa russa no Brasil, sendo que em Campina das Missões, no ano de 1912 foi inaugurada a primeira Igreja Cristã Ortodoxa Russa em solo brasileiro”.

Tal excepcionalismo é uma marca que os difere da fé católica primordialmente praticada pelos imigrantes de origem europeia ocidental que colonizaram o RS. Para além de inúmeras diferenças culturais, como idioma, culinária, danças etc, se eu pudesse definir o que os identifica enquanto grupo étnico, seria primordialmente a fé ortodoxa, que é preservada até os dias de hoje em nosso município.

Também trouxeram na sua bagagem a determinação para vencer as vicissitudes, tanto é que tinham que desbravar as densas florestas, enfrentar animais selvagens, encontrando aqui índios e a vontade de lutar para melhorar as condições de vida de sua família e não esqueceram a fé, pois na hora das imensas dificuldades, era na fé que encontraram forças para vencer as dificuldades. Foi aqui erigida a primeira Igreja Ortodoxa no Brasil em 1912.

“As festas anuais realizadas cada ano no dia 09 de outubro, ou no domingo mais próximo, são como um encontro de todos e os que se mudaram para outras regiões do Estado e do Brasil. Nesta data é a comemoração em honra ao seu patrono, o Padroeiro Apóstolo São João Evangelista, o Apóstolo do Amor. Nesta data também é comemorado o Dia do Município de Campina das Missões e o Dia da Etnia Russa no Estado (Lei Estadual nº 13.299/2008)”.

Para salvar a história foi erigido um monumento na entrada da cidade, nas margens da RS 307, em homenagem ao Centenário da Imigração comemorado em outubro de 2009. Também, no centro da cidade, encontra-se a Praça Russa São Vladimir, Santo Equiapostólico, batizador da Rússia em 988, cujo busto está no arco, com  a cruz Ortodoxa, com cúpula dourada.

 

Nei Alberto Pies: Em sua vida cotidiana, estás bastante conectado com a cultura dos teus antepassados da Rússia. O que mais te realiza como cidadão brasileiro, mas com um pezinho na Rússia?

Para iniciar esta resposta, posso dizer que realmente estou conectado, pois possuo dois canais da TV Russa, canal um (pervií canal) e outro, Russia RTR, onde vejo as notícias em tempo real diariamente. Também tenho contato com os primos que residem na Sibéria, em Krasnoyarsk Ainda contatamos com o Pe. Dionisio, que atualmente exerce trabalho pastoral em Rublevo, próximo a Moscou.

Da mesma forma temos congresso anual de médicos, do qual sou o mediador entre Brasil-Rússia, deste projeto. Em meados de 2016 estive 47 dias, para aprimorar o idioma russo no Instituto Pushkin, em Moscou. Sempre que possível, viajo com a família.

Estamos na coordenação, há 26 anos (desde 1992) do Grupo Folclórico Russo TROYKA, que divulga os usos, costumes, tradições e as danças alegres e vibrantes do fascinante folclore russo.

“A preservação do legado histórico-cultural-religioso de meus antepassados no Rio Grande do Sul, é algo que me fortalece enquanto brasileiro, e que fortalece o Brasil enquanto uma nação multiétnica e multicultural. Não esquecer a memória e a vivência de luta dos imigrantes russos que vieram até as longínquas terras de Campina das Missões é sobretudo lembrar e resgatar a história da formação de nosso Estado e de nosso povo”.

 

Nei Alberto Pies: O que os destemidos e corajosos imigrantes russos tem a ensinar, de sua cultura, para a cultura brasileira?

A coragem de enfrentar os problemas com garra e determinação.

 

Nei Alberto Pies: Quais foram as principais trocas culturais a partir do seu casamento com  Ilse Ana Perius Zabolotsky, uma descendente de imigrantes alemães? Para irmos um pouco mais além, como avalias a convivência entre russos e alemães nesta região do RS?

Que cada um trouxe a educação de seus pais e a vontade de lutar, pois ambos temos Mestrado, a esposa em Matemática e eu em Direito e que juntos temos dois filhos, Tatiane, médica e Bóris, Mestrando em Relações Internacionais na UFRGS, com foco para a Diplomacia.

 

Nei Alberto Pies: Para aguçar um pouco da minha curiosidade de infância e dos leitores do site, poderias elencar palavras do cotidiano da vida em russo.

Que já estão incorporadas várias palavras russas no vocabulário português, tais como: A vodka, a babá, que cuida nossas crianças, ícone (por ex, este é um ícone da Cultura), ou ainda Ortodoxa (orto, significa reto) doxa (fé), por ex. economia ortodoxa, quer dizer economia correta; Bistrô, rápido em russo; Troyka: 3 membros; prato típico: Borsh (sopa de legumes), dentre outras.

Ilse Ana Perius Zabolotsky, esposa de Jacinto Zabolotsky.
Nei Alberto Pies: Como professora da rede estadual, esposa de um descendente de imigrante russo no Brasil e descendente de imigrantes alemães, como vês esta integração e convivência entre alemães e russos nesta região do RS?

Sem nenhum problema, pois vivem em perfeita harmonia e respeito, assim como o meu pai Oscar Perius dizia: “Tem pessoas boas em todas as raças”.

 

Nei Alberto Pies: Como são as viagens com o marido Jacinto para a Rússia? O que a Rússia de hoje tem a ensinar para o nosso querido Brasil?

As viagens são excelentes e produtivas, de amplo conhecimento e relacionamento com o povo russo que é muito receptivo.

“O que a Rússia pode ensinar é a disciplina e o respeito às Leis, sendo que levamos isto ao Grupo Troyka, por este motivo, que já possui mais de um quarto de século”.

 

Nei Alberto Pies: Como foi visto, na época de seu casamento, o seu casamento com um homem russo?

De forma natural, como qualquer pai de família faz, em analisar o novo integrante da família.

 

Nei Alberto Pies: Qual é a importância para as novas gerações russas o grupo de Danças Troyka? Qual é o papel da dança na divulgação da cultura russa que resiste para não morrer nesta querida cidade Campina das Missões?

Para que não se perca o legado histórico-cultural-religioso para as atuais e futuras gerações.

Difundir e levar consigo a linda tradição russa em todas as partes do Estado, do Brasil e além fronteiras, que possui no seu vasto currículo de sucessos em mais de 650 shows em festivais, regionais, nacionais e internacionais, eventos culturais, feiras e eventos realizados na região, estado e País, tanto que chamou atenção da grande mídia nacional, tais como: SBT Brasil (exibido em 06.06.2018), SBT RS, Globo Repórter (exibido em 08.06.2018), Globo News, várias exibições de 25 min, em rede nacional, na RBS TV, série partiu RS, Bom dia Rio Grande, Jornal do Almoço, revista Veja, O Estadão/SP, Folha de São Paulo, Zero Hora que dedicou reportagem de seis páginas, edição de 12.05.2018, além de outros jornais locais e regionais.

 

Nei Alberto Pies: Outras questões que você gostaria de considerar.

Que o Grupo Troyka aceita dançarinos de todas as etnias, desde que se empenham e tenham interesse e dedicação pela dança.

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