Um gênio chamado Beethoven

1980

É comum ouvir muitas histórias (verdadeiras ou não)
sobre indivíduos cuja genialidade rompe limites,
cujo interesse pela vida privada ultrapassa séculos
e cuja obra perdura para todo o sempre.
Com Beethoven, claro, não é diferente.


Ludwig van Beethoven (1770-1827) é talvez o compositor mais influente na história da música, com a proeza de definir nosso vínculo com a arte. De longe, não obstante haja alguns outros espíritos musicais de incomensurável grandeza e magnitude, ele é um dos compositores clássicos mais escutados do mundo; e também um dos embaixadores da cultura europeia. Simplesmente, é o compositor mais cultuado de todos os tempos. 

Não por mero acaso, assim assinalam quase todos os seus biógrafos: a música de Beethoven é o apogeu de uma evolução iniciada no Renascimento e reúne qualidades excepcionais que perduram dois séculos após sua morte. Para falar de modo bastante objetivo, ele foi um gênio da música!

Certo mesmo é que seu trabalho pertence à herança cultural de toda a humanidade. Beethoven é onipresente e eternamente moderno. Seu nome é conhecido muito além do mundo da música: ele fascina até mesmo movimentos e une pessoas em diversos outros ambientes: da publicidade, do cinema, dos esportes e da política. Chega a ser autoexplicativo, para não dizer redundante, que sua genialidade reinventou a noção de música e revelou novas possibilidades para o piano, o violino e o violoncelo. 

Beethoven deixou cerca de duzentas e quarenta obras, entre as quais sinfonias, concertos, quartetos de cordas e outras peças de câmara, como lieder (tipo de arranjo de origem alemã feito para piano e cantor solo e que expressa os sentimentos da música através dos sons) e uma ópera. Um gênio na acepção do termo, vale assim reiterar incontáveis vezes. Há quem afirme que, ao ouvir Beethoven, ninguém menos que Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) teria dito: “Esse jovem conquistará o mundo”.

Note, assim, que apenas por essas breves credenciais, poder-se-á dizer euforicamente que dezembro de 2020 marcará um momento único, sublime, especial: a comemoração dos 250 anos de nascimento de um gênio – uma alma predestinada pela beleza musical e divinamente orientada a encantar gerações após gerações. Merecidas homenagens serão realizadas em palcos do mundo inteiro. Em todos os recantos do planeta, cabe sublinhar, festividades diversas vão fazer ecoar o nome, a música, a beleza, a genialidade de Beethoven, especialmente em toda a Alemanha e, claro, em sua cidade natal, a renana Bonn, no oeste do país. Só o parlamento alemão tem intenção de investir 37 milhões de euros na celebração.

É preciso compreender o homem para depois entender a obra

Beethoven começou a compor na infância. Aos 12 anos já escrevia. Avesso tanto às pessoas quanto aos cuidados básicos de higiene (a ponto de ir sujo à escola), ele dedicou a vida a desafiar os limites de sua arte. Influenciado por Mozart, com quem se encontrou ainda adolescente numa viagem a Viena, foi um prodígio na infância e um compositor obstinado até a morte. (Conforme consta em “Beethoven: Angústia e Triunfo”, biografia de quase 1.000 páginas escritas por Jan Swafford). Sua vida foi marcada por diversos problemas de saúde, indo desde a varíola até a febre tifóide, que deixaria o compositor surdo anos mais tarde. Maynard Solomon, biógrafo de Beethoven, escreve que eram poucos os dias em que o compositor não apanhava do pai, que o forçava a estudar o piano, chegando a trancá-lo por horas na sala em que ficava o instrumento. Johann Beethoven, o pai, era alcóolatra, o que deixaria marcas profundas no filho. A mãe, Maria Magdalena Keverich – filha do chefe de cozinha do príncipe da Renânia –  era turberculosa. 

Num belíssimo e completo artigo sobre a vida do compositor, escrito por João Luiz Sampaio, lê-se que, em 1802, quando se deu conta de que a surdez era irreversível, a primeira atitude tomada foi escrever um documento, “O Testamento de Heiligenstadt”, a seus irmãos Carl e Johann falando de sua condição. Esse documento somente foi encontrado após a sua morte. Na verdade, tem sido dito que esse “Testamento” é uma espécie de mergulho profundo no íntimo de Beethoven, principalmente devido à menção à possibilidade do suicídio ao se dar conta de que ficaria completamente surdo. Na vida adulta, Beethoven era conhecido como alguém rabugento e de pouco humor. Ele mesmo teria reconhecido isso nesse “Testamento”. 

De acordo com um de seus biógrafos, Bernard Fauconnier, os primeiros sinais de problemas na audição, de fato, apareceram quando ele tinha 27 anos. No entanto, à medida em que o quadro ia se agravando, o compositor foi desenvolvendo a habilidade de escutar mentalmente as notas e suas combinações. As biografias – quase todas – dão conta do perfeccionismo dele. Vários biógrafos dizem que ele revisava e corrigia as partituras madrugada adentro. Ao todo, Beethoven deixou 240 peças, entre sinfonias, concertos, quartetos de cordas e etc. Fez apenas uma ópera, Fidélio, encomendada pelo Barão Peter Von Braun. Como não teve boas críticas na estreia, fez inúmeras correções até chegar à definitiva versão (a terceira).

Interessa muito observar o que escreve, também em artigo, Guilherme de Alencar Pinto, Presidente da Associação de Críticos Cinematográficos do Uruguai: Beethoven era um homem com uma personalidade impulsiva, consciente da sua própria grandeza e em eterno conflito com as circunstâncias; desarranjado e descortês, porque a sua concentração e inspiração não lhe deixavam tempo para ninharias prosaicas. Em vez de se curvar perante a dificuldade da surdez, respondeu compondo monumentos de uma magnitude sem precedentes, como se estivesse a mostrar a língua ao destino, num estilo que por vezes poderia ser esmagadoramente furioso. 

Cabe sublinhar por último, mas não por fim, que é unanimidade entre maestros, especialistas e biógrafos o quanto as composições de Beethoven foram importantes inclusive para demarcação de fases na história da música erudita. Críticos do período avaliam, por exemplo, que entre 1792 e 1800 foi notória a evolução da música de Beethoven. Por certo, a experimentação se tornou uma máxima na vida dele.

Curiosidades

É bastante comum ouvir muitas histórias (verdadeiras ou não) sobre indivíduos cuja genialidade rompe limites, cujo interesse pela vida privada (ou pública) ultrapassa séculos e cuja obra (tenha ela a natureza que tiver) perdura para todo o sempre. Com Beethoven, claro, não é diferente.

Separamos, dentre tantas existentes, algumas curiosidades desse gênio. Vejamos a primeira dessas curiosidades em tom de pergunta: é correto afirmar que Beethoven deixou instruções para que todas as suas posses fossem para uma mulher misteriosa, à qual se referia como sua “amada imortal”? 

Respondendo: Sim, é correto. Ao menos é o que se passa no célebre filme “Amada Imortal”, de Bernard Rose. O compositor até fala, em uma carta de 1812, de sua relação com uma “amada imortal”, cujo nome ele não revela – durante muito tempo especulou-se o nome de Antonie Brentano, uma mulher casada e patrona das artes com quem teria se envolvido. Mas não há, todavia, nenhum indício de que no final da vida o compositor, que teve dezenas de casos, ainda estivesse ligado a ela.

Outra curiosidade muito difundida em torno de Beethoven se refere ao fato de ele haver dedicado sua terceira sinfonia à Napoleão, celebrando os ideais iluministas, embora, mais tarde, o compositor acabou se decepcionando ao vê-lo coroando a si mesmo como rei e, nesse caso, teria arrancado a página com a dedicatória da partitura. Mas isso, repare bem, não é totalmente verdadeira, e até os dias de hoje parece residir certa controvérsia. Quem conta a história com um pouco mais de detalhe é um amigo de Beethoven e seu primeiro biógrafo, Ferdinand Ries. Segundo ele, Beethoven teria sim ficado transtornado ao saber que Napoleão havia traído seus ideais. A partir dali, portanto, a sinfonia, que, em princípio, seria chamada de Sinfonia Bonaparte, passou a se chamar Sinfonia Eroica

Mas há ainda outra história envolvendo nomes dados às suas composições que merece ser destacada. Por exemplo: “A Sonata ao Luar” teria recebido este nome porque foi escrita em um momento no qual, já acometido pela surdez, o compositor vagava pelas noites em Viena, contemplando o céu. Mas isso, porém, não passa de informação falsa. Ocorre que o nome “Sonata ao Luar” não foi dado por Beethoven, que chamou a peça de Sonata quasi una fantasia. Quem a batizou desta forma foi o crítico Ludwig Rellstab, cinco anos após a morte do compositor, estabelecendo, pois, uma reação entre a música do primeiro movimento da peça com o efeito da luz da lua iluminando o Lago Lucerna.

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Por fim, queremos apenas observar um ponto derradeiro. Colocado ainda em vida sobre um pedestal de semideus do qual jamais sairia, antes de morrer Beethoven tinha preocupações bem mais humanas: seu próximo trabalho, a doença, o dinheiro. Contudo, a implacável passagem do tempo chegou ao compositor, silenciando-o. Ludwig van Beethoven morreu num estado de saúde tão precário que a causa jamais foi esclarecida (havia suspeitas de cirrose, sífilis e até envenenamento). A mais brilhante das luzes da música clássica saia de cena, sem jamais se apagar. E como pouquíssimos, ele pode ser chamado de gênio. Talvez o maior da música. Beethoven vive! E viverá para sempre.

Ludwig van Beethoven ícone supremo da música ocidental. Por Franz Ventura. Tudo sobre Beethoven conta a história de uma forma divertida a biografia do compositor alemão mais respeitado da humanidade.

Economista, ativista ambiental e Mestre em Integração da América Latina pelo Programa de Pós-Graduação Integração da América Latina (PROLAM), da Universidade de São Paulo (USP). Autor de Economia destrutiva (CRV, 2017) e Civilização em desajuste com os limites planetários (CRV, 2018). prof.marcuseduardo@bol.com.br

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