Início Site Página 12

Educação inclusiva deve ir além dos alunos e se estender também aos professores

Mesmo com avanços na legislação, ainda há muito a ser feito para garantir a inclusão de quem ensina. (Matéria de Carol Firmino, da Revista Nova Escola)

Embora os debates sobre acessibilidade nas escolas se concentrem muitas vezes nos estudantes, a questão sobre professores com deficiência também faz parte das discussões sobre Educação inclusiva. É igualmente importante refletir sobre as condições de trabalho dos docentes que enfrentam esses desafios. Hoje, eles ainda encontram uma série de barreiras, desde a falta de infraestrutura nas instituições até a ausência de políticas públicas que garantam de fato a inclusão.

Para que haja a real integração de todos os indivíduos no ambiente escolar, independentemente de suas características, o local deve ser acessível e acolhedor também para os professores com deficiência. Isso inclui desde adaptações físicas nas escolas, como rampas e elevadores, até tecnologias assistivas, materiais pedagógicos adequados e um ambiente que valorize a diversidade. Apesar de alguns avanços, como a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), de 2015, muitos professores precisam superar obstáculos diários para exercer sua profissão.

Desafios persistentes

A LBI é destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoas com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania. Mas, segundo Talita Delfino, coordenadora pedagógica na rede municipal de São Paulo e mestre em Educação, os resultados de seu estudo “Atividades e grupos: formação de professores, pessoas com deficiência, desigualdade” indicam que há uma longa distância a ser percorrida quando se trata dessas condições igualitárias. 

A pesquisa, que focou na capital paulista, apontou que apenas 0,05% dos professores do município têm algum tipo de deficiência, indicando estar longe do que prevê a Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência (Lei nº 8.213/1991). Conforme a legislação, as empresas privadas de todo o país devem reservar entre 2% e 5% das vagas para pessoas com deficiência ou reabilitadas, conforme o número total de empregados. O índice também fica longe do que determinam a Lei nº 8.112/1990 e o Decreto nº 9.508/2018, vigentes no setor público, que estabelecem que concursos federais, estaduais ou municipais precisam separar, no mínimo, 5% e até 20% das vagas para PCDs, sempre que houver essa possibilidade.

Porém, há muitos desafios para a plena implementação dessas leis, principalmente em relação à adaptação dos ambientes e à capacitação para receber os profissionais de maneira adequada.

No caso da docência, Talita explica que essas dificuldades já se iniciam antes mesmo da contratação e do ingresso na carreira: “São etapas violentas e arbitrárias, na medida em que há mecanismos violentos para fazer o candidato comprovar reiteradas vezes que tem uma deficiência. E a cada questão de saúde, sua capacidade laboral é posta à prova, ainda que não haja qualquer relação com o quadro clínico”, diz. Uma professora com mobilidade reduzida entrevistada por Talita relatou que já recebeu questionamentos sobre sua competência até mesmo em uma perícia por gripe. 

Preconceito e ausência de políticas públicas

Em Brejo Santo (CE), Maria Luciana Alves Lima Rocha, que tem baixa visão, é professora e formadora da rede municipal. Ela conta que, apesar de não ter enfrentado muitas dificuldades para entrar no mercado, pois é concursada, percebe a ausência de políticas públicas para professores PCDs. Ela comenta que muitos costumam ser desviados de sua função ou até mesmo afastados ao atestar uma deficiência. 

No seu dia a dia, Maria considera que um dos maiores obstáculos está relacionado à tecnologia assistiva , pois a disponibilidade de ferramentas ainda é limitada. Esse tipo de tecnologia visa compensar limitações físicas, sensoriais ou cognitivas, proporcionando maior independência e inclusão. “Em 2023, participei de uma formação para pessoas com deficiência visual com dois professores que têm cegueira. Só assim consegui ampliar meus conhecimentos para usar as [poucas] ferramentas disponíveis. Por exemplo, quando o material didático usado em sala traz letras muito pequenas, eu as amplio com o tablet.”

Além disso, a dúvida sobre a competência dos educadores PCDs, muitas vezes, é reproduzida pelos pares, que não confiam 100% na condução das turmas por esses profissionais. “Existe o preconceito de acharem que sou menos capaz porque enxergo menos e uso óculos com grau alto. Certa vez, uma colega disse que eu não serviria para determinada atividade porque não enxergava de longe”, completa. 

Trabalhando com autonomia

Professora na EM Terezinha Picoli Cezarotto, em Cascavel (PR), Angela Maria de Souza tem Transtorno do Espectro Autista (TEA) e faz parte da rede Conectando Saberes (CS) da Comunidade NOVA ESCOLA. Ela recorda que, ainda como aluna do Ensino Médio, a atenção que recebeu de uma educadora a fez perceber que era alguém capaz e inteligente. “Despertou em mim um interesse pela aprendizagem que antes não existia. Esse apoio emocional me encorajou a buscar conhecimentos e a desenvolver uma nova relação com a escola, que, até então, eu via com desconfiança.” 

Mais tarde, trabalhando com alunos pequenos, Angela diz que passou a perceber a importância de um olhar sensível e inclusivo na Educação. “Compreendi que não se tratava apenas de ensinar conteúdos, mas de construir um ambiente acolhedor, onde cada criança pudesse se sentir valorizada e segura”, destaca. 

No entanto, ela lembra que o mercado de trabalho lhe apresentou desafios, como a necessidade de ressignificar sua comunicação e interação com outros professores, por mais que tenha encontrado apoio: “A maioria deles respeita minhas limitações e oferece suporte sempre que necessário. Mas sei que ainda existem pessoas que estão em processo de desenvolvimento da empatia e compreensão sobre o tema.” 

Entre as adaptações que Angela considera importantes para que mais professores com deficiência possam atuar de maneira autônoma e segura, ela cita:

  • no que se refere às condições físicas, é fundamental que as escolas tenham estruturas acessíveis, com espaços que permitam a circulação de todos, independentemente de suas necessidades. Isso inclui rampas, banheiros adaptados, mobiliário etc.;
  • do ponto de vista pedagógico, é necessário formação continuada que capacite os profissionais da Educação a lidar com diferentes realidades, por meio da troca de experiências e práticas entre colegas, além de workshops que ajudem a desmistificar preconceitos;
  • em relação aos recursos tecnológicos, usar ferramentas que facilitem o registro de atividades e a comunicação, como softwares de transcrição, programas de leitura e plataformas de ensino a distância, podem contribuir com o trabalho do professor, permitindo que ele se concentre mais na interação com os alunos. Recursos adaptativos, como quadros digitais interativos e dispositivos móveis, também podem enriquecer o ambiente de aprendizado.

A presença de professores com deficiência nas escolas é um dos caminhos para desenvolver uma sociedade mais inclusiva, diversa e equitativa. Esses profissionais não só desempenham seu papel no processo educacional, como também trazem consigo contribuições únicas que enriquecem a experiência de aprendizagem dos alunos. 

“Quando os estudantes veem um professor com deficiência atuando ativamente em sua função, há uma quebra de estereótipos e preconceitos, mostrando que as limitações não definem a capacidade de alguém”, defende a professora Angela. “Essa visão inclusiva também ajuda a promover o sentimento de empatia e aceitação entre as crianças, preparando-as para interagir de maneira mais respeitosa e solidária com a diversidade que existe no mundo.”

Por Carol Firmino

16/10/2024

FONTE: https://novaescola.org.br/conteudo/21970/educacao-inclusiva-deve-se-estender-tambem-aos-professores?

Privatização, militarização e patrulhamento da educação

Uma ação se impõe a todos professores, gestores, escolas, entidades educacionais e científicas: resistir internamente e demonstrar aos jovens e seus responsáveis a necessidade da defesa da escola pública com professores respeitados e valorizados.

Segundo os dados do Censo da Educação Superior de 2023, as Instituições de Ensino Superior (IES) – sendo algumas empresas privadas de capital aberto – concentram 79,3% das matrículas no ensino superior do Brasil e, os ingressantes no mesmo ano, correspondem 90% na esfera privada. Isto corresponde que no Brasil apenas 20,7% dos estudantes estudam em instituições públicas, enquanto nos países membros da OCDE são mais de 63% das matrículas na esfera pública.

Já na Educação Básica brasileira, segundo o Censo Escolar do Inep/2023, registraram‐se 47,3 milhões de matrículas nas 178,5 mil escolas, sendo 19,9% na rede privada e 81,1% nas redes públicas municipais, estaduais e federal. Praticamente o inverso do que ocorre no ensino superior.

O que isto tem a ver com privatização, militarização e patrulhamento da educação?

 É este “mercado” de 48 milhões de matrículas, de fundos públicos, de mentas criativas e abertas a aprendizagens, de estruturas instaladas, de investimentos necessários e de possibilidades de fundos de investimentos disponibilizados inclusive por bancos públicos.

Existem várias outras formas privatizantes da educação pública nacional na educação básica, por meio de convênios, vouchers, homeschooling, charters schools (ONGs e Entidades privadas administrando escolas públicas), a entrega de escolas a organizações sociais (OS) e organizações da sociedade civil de interesse público (Oscip); a militarização das escolas da educação básica, os sistemas privados apostilados e de gestão de equipamentos e redes, a avaliação em larga escala quase sempre entendida como a única aferição de qualidade.

Na educação superior a privatização ocorre por meio do Prouni, do Fies, da desregulamentação e da EaD de forma indiscriminada do setor privado superior, entre outras formas de privatização e que geram ampla possibilidade de realização dos interesses do capital aplicado no mercado educacional” (Fineduca, Carta de Curitiba, 2023 e Carta de São Luiz 2024).

Outras iniciativas de privatização recentes estão em pauta: são as Parcerias Público privadas (PPP). No Brasil já existem mais de 60 iniciativas de Parcerias Público-Privadas (PPP) de educação em diferentes estágios de implementação. Alguns estão em estágio avançado e outras estão sendo acelerados após as últimas eleições municipais, como é o caso São Paulo e do Rio Grande do Sul.

A prefeitura de Belo Horizonte foi pioneira no modelo de PPPs de escolas públicas. A concessionária – Inova BH –, é responsável pela construção e a administração de 55 escolas ao longo de 20 anos. No Paraná, o atual governo sancionou a Lei 22.006/2024, que institui o programa “Parceiro da Escola”, aprovada pela Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) em dois turnos que autoriza, inicialmente, a venda de 204 escolas estaduais para empresas.

O governo estadual de São Paulo já realizou em 29 de outubro o primeiro leilão de 16 escolas públicas estaduais na região Oeste e a a empresa vencedora é sócia da empresa responsável pela administração de sete cemitérios em São Paulo. No dia 04 de novembro foi realizado o segundo leilão com mais 16 escolas privatizadas e a empresa vencedora foi O consórcio SP+ Escola, prestadora serviços em rodovias.

Os estudantes foram impedidos de acessar a entrada da B3, onde ocorreu o leilão. Um grupo tentou acessar e a polícia usou bombas de gás e ergueu escudos contra o grupo. Eles também deram golpes de cassetete em alguns manifestantes. Ao invés da escuta e do diálogo com jovens que pensam diferente, aplica-se a repressão como método de ensinagem.

O governo do estado do Rio Grande do Sul lançou em julho de 2024 um edital de Consulta Pública de parceria público-privada (PPP) para qualificação de infraestrutura e gestão administrativa de 99 escolas estaduais, localizadas em áreas de vulnerabilidade social, mas a grande maioria na região metropolitana de Porto Alegre. O edital da PPP da Educação deve ser publicado em dezembro deste ano e a previsão é de que o leilão ocorra em fevereiro de 2025.

A associação De Olho No Material Escolar (Donme), com apenas três anos, financiada pelo lobby do Agronegócio brasileiro tem como para patrulhar a política nacional dos livros didáticos , conquistou associados em 17 estados e 129 cidades e vem ganhando espaço em instituições públicas. Já fechou parceria com a Universidade de São Paulo (USP), tem portas abertas nas secretarias de Educação e de Agricultura do estado e mantém diálogos com a cúpula do Congresso, em Brasília, na tentativa de influenciar o novo Plano Nacional de Educação (PNE). A finalidade da associação é incidir que conteúdos podem ser abordados e como devem sê-lo, ou seja, uma ingerência externa sobre as funções das instituições educativas e dos educadores.

A falácia que estas parcerias e patrulhamentos não terão interferência na gestão e proposta pedagógica das escolas – pois a privatização estaria focada nos “serviços não pedagógicos” –, é pura falácia. Para o pesquisador Fernado Cássio (USP), tudo na escola é pedagógico. Todos sabemos que é impossível dissociar a gestão pedagógica de uma pretensa gestão “não-pedagógica”.

Dentro de uma escola, tudo é pedagógico. As decisões executivas sobre os usos dos espaços são pedagógicas. A cozinha onde se preparam as refeições é espaço pedagógico. O acesso livre da comunidade escolar é necessário e pedagógico. O jardim é espaço pedagógico. Os profissionais da secretaria e do apoio escolar são, pela mesma razão, profissionais da educação. A arquitetura das escolas, das salas de aula e dos laboratórios é pedagógica e formativa.

Ao mesmo tempo, adverte o professor, a indissociabilidade entre pedagógico e “não-pedagógico” que serve para demonstrar a ilegalidade da militarização escolar (também ela uma forma de privatização da educação pública) é solenemente ignorada por agentes governamentais quando se trata de defender a PPP redentora do erário; a solução mágica que permitiria construir escolas públicas “por fora” do orçamento público.

Com isso percebemos que a “PPP” destes governos estaduais pode ser a antessala para fins e interesses muito maiores. Ricos como são, estes estados pioneiros de PPP, não dependem do setor privado para construir escolas, mas o fazem pela crença privatista de seus gestores e supostos especialistas em educação, que preferem encher as burras de um consórcio empresarial com dinheiro público a reconhecer que seria menos complicado e mais barato construir escolas e financiá-las de forma regular e adequada pelo poder público estatal.

Tanto a população do Estado do RS como a de SP já sentirem na pele a precarização e a impessoalidade dos serviços privatizados de energia com os recentes eventos climáticos, bem como dos serviços de telecomunicações que encareceram muito com forte queda na qualidade, sem canais de atendimento as pessoas (clientes), obrigando-as a reclamarem para dispositivos e aplicativos robotizados.

A escola não é uma empresa nem a educação um bem do capital. Policiais militares não são educadores e nunca estiveram no rol de profissionais autorizados a exercer esta função pública tão relevante. A educação é um processo humano, social e dialógico. A autoria da gestão e da ação pedagógica do professor é decisiva para pensar as mudanças necessárias na educação e na escola.

Quando relacionarmos estes processos de privatização, de militarização, de patrulhamento ideológicos dos livros e da liberdade de ensinar e aprender concomitante com a destruição da carreira docente pública e o apagão docente – desinteresse pela profissão -, configura-se um cenário de destruição da educação básica de qualidade para os filhos da grande maioria da população brasileira.

Ataques à autonomia docente, liberdade de cátedra, liberdade de ensinar e aprender com os estudantes já são parte de nosso cotidiano. A falta de professores não é apenas consequência de descaso com a educação, mas um projeto de destruição da ciência, da cultura e da educação básica pública de qualidade social e emancipatória.

As atuais (contra)reformas educacionais são, também, parte constitutiva da manutenção e do aprofundamento do apartheid social, rasgando a Constituição de 1988 e se destinam aos 85% dos jovens que frequentam as escolas públicas no Brasil. O que lhes é oferecido é um currículo mínimo, esvaziado de conteúdo, de educação integral, científica e tecnológica, em escolas precarizadas, com docentes desmotivados pela destruição de suas carreiras e condições de trabalho. Este é o propósito, o método e o conteúdo das reformas conservadoras neoliberais da ultradireita.

Uma ação se impõe a todos professores, gestores, escolas, entidades educacionais e científicas: resistir internamente e demonstrar aos jovens e seus responsáveis a necessidade da defesa da escola pública com professores respeitados e valorizados. Todos precisamos sonhar e lutar juntos pelo direito a educação pública com qualidade e a escola precisa ser o espaço comum e coletivo da formação e da participação democrática.

Autor: Gabriel Grabowski, professor e pesquisador. Também escreveu e publicou no site “Escola não é empresa, policial não é educador”:  www.neipies.com/escola-nao-e-empresa-policial-nao-e-educador/

Edição: A. R.

Cinema Itinerante Kaingang em escolas da rede municipal de Passo Fundo

“Tudo o que fazemos e transformamos é natureza”

O projeto “Cinema Itinerante Kaingang” é uma iniciativa que busca democratizar o acesso ao cinema e valorizar a diversidade cultural brasileira, especialmente a cultura Kaingang. Através de um Domo inovador, o projeto oferece uma experiência cinematográfica imersiva, abordando temas que provocam reflexão sobre identidade cultural. Ao final, o projeto pretende deixar um legado duradouro, consolidando essas cidades como polos de apreciação cinematográfica. Destina-se, preferencialmente, a estudantes de escolas públicas.

O projeto pensado pelo cacique Adelino Domingos conta com financiamento da Lei Paulo Gustavo (Lei Complementar nº 195/2022) e do Pró-Cultura, e tem a produção cultural da Conecta Cultura e da Nova Consciência Produções, além da parceria com o Instituto Sétimo Saber. Adelino é cacique da comunidade Fag Nor de Passo Fundo, localizada às margens da BR 285, na região do aeroporto. 

O Instituto Sétimo Saber é parceiro do Projeto. Segundo a idealizadora do Instituto, a educadora Adriana Fêrreira, “este projeto é uma oportunidade de acesso da comunidade sobre cultura indígena, fomentando o conhecimento dos povos originários do Brasil. É um projeto encantador, pois trata da história e riqueza cultural do nosso país”.

Um dos idealizadores do projeto, Ricardo Pacheco, destaca que “a invisibilidade social imposta pela sociedade não indígena aos povos originários nos levou a enxergar a necessidade de organização social da comunidade Kaingang FÁG NOR bem como à outras comunidades e junto a produtora Nova Consciência estamos buscando reverter esse quadro oportunizando a essas comunidades acessar esses editais, criando uma associação para eles e para pleitear um Ponto de Cultura e organizando suas redes sociais para comercializarem seus artesanatos. Este projeto do Cinema Itinerante cumpre esta grande finalidade de dar visibilidade às nossas comunidades indígenas, mostrando aos estudantes elementos culturais e de visão de mundo indígena”.

FILMES

A classificação dos filmes é livre. Lista de obras audiovisuais imersivas no formato fulldome para exibição no projeto Cinema Itinerante Kaingang (total 40’00” minutos de duração):

*Viagem Rupestre (2024). 8’00”. Acervo Artístico da UFSM.

*Ecopoética Gaúcha (2024) 4’00’’. LabInter UFSM.

* Raízes (2024). 12’00”. Planetário da UNIPAMPA

* Kamê e Kanhru (2024). 4’00”. Projeto DNA Afetivo Kame Kanhru.

*Flecha 2 – O sol e a flor (2021). 12’00”. Selvagem – Ciclo de estudos sobre a vida.

“Cinema Itinerante Kaingang” em 2 escolas da rede municipal de Passo Fundo

Acompanhamos a execução do projeto Cinema Itinerante Kaingang na Escola Municipal de Ensino Fundamental Eloy Pinheiro Machado. Pudemos observar uma experiência incrível, proporcionada aos estudantes de todas as séries do Ensino Fundamental neste dia. Esta atividade também ocorreu nesta semana, dia 29/10, na EMEF São Luiz Gonzaga.

Repercutimos as avaliações de professores destes dois educandários sobre a atividade.

A professora de Ciências da EMEF Eloy Pinheiro Machado, Andreia Benetti Moraes manifestou-se dizendo que “ao estar e participar desse espaço educativo diferenciado, a experiência do Cinema Itinerante me levou a repensar e compreender como nós seres humanos somos parte do universo e que somos natureza. Por outro lado, pensei no quanto nos distanciamos do mundo natural. Ciência e espiritualidade foram expressas em imagens e palavras, se complementando para ressignificar a nossa existência e tudo que existe. A atividade foi muito boa e positiva para mim e para os estudantes que acompanhei”.

O vice-diretor desta mesma escola, Tiago Stieven, manifestou reconhecimento da importante atividade:

“na data de 31 de outubro, nossa Escola teve a oportunidade de receber o Projeto Cinema Itinerante com foco na cultura Kaingang. Foi uma experiência diferenciada para nossos alunos, pois puderam por meio de diferentes manifestações como, por exemplo, a imagem, o som, a pintura, o movimento, acessar a cultura desse povo indígena. Além disso, destacamos que a iniciativa demonstra que é possível construir o conhecimento para além dos muros da escola. Permitiu, também, que os conteúdos e temas estudados em sala de aula saíssem do campo da abstração e adquirissem significado, visto que foram ressignificados por parte dos alunos que vivenciaram a atividade. Por fim, a atividade poderá ser retomada em sala de aula através do debate acerca do que foi experienciado pelos alunos”.

O vice-diretor da EMEF São Luiz Gonzaga, Sírio Chies também manifestou a importância deste projeto ter sido realizado na sua escola, nos turnos da manhã e tarde, permitindo que todos os estudantes pudessem passar pela experiência do Cinema Itinerante.

“Recebemos em nossa escola, no dia 29/10, o projeto Cinema Itinerante. Este projeto tratou da cultura indígena, em especial a Kaingang, retratando as diferentes formas dos indígenas ver e organizar seu mundo. Os alunos gostaram muito da experiência e tiveram acesso a cultura dos primeiros povos deste país através de imagens, sons e histórias. Com a ideia de intercambiar aspectos antropológicos, o projeto apresentou elementos eficazes para discutir posteriores em sala de aula”.

Leia também: matéria publicada no Jornal O Nacional de Passo Fundo: https://www.onacional.com.br/cultura,7/2024/10/30/projeto-criado-por-cacique-da-vi,129467

Fotos: Divulgação/ EMEF São Luiz Gonzaga e EMEF Eloy Pinheiro Machado

Edição: A. R.

Memória de finados: ato de fé

A memória das pessoas falecidas é também muito importante. Tem a ver com a consciência histórica e de que a pessoa não está solta no mundo. Uma das grandes dificuldades neste mundo é a falta da consciência histórica, a desconexão com o passado e com o futuro.

Neste dia 02 de novembro muitos brasileiros farão memória de seus entes queridos já falecidos. Os gestos que acentuam a memória são diversos: visita aos cemitérios, orações, limpeza de túmulos, oferta de flores, acendimentos de velas, oferta de missas, orações, entre outros.

Não se deixa passar sem acento uma data que é significativa para a maioria das pessoas. Diz respeito à nossa humanidade. Aqueles que passaram pelas nossas vidas e deixaram marcas em nossos corações partem fisicamente, mas a lembrança fica. O ser humano cultiva seus afetos, sofre com as perdas, sente pelas situações de luto. É desafiado a continuar a viver e caminhar, porque só caminha quem tem esperança e a esperança é a virtude dos cristãos.  

É importante compreender o luto para além de uma realidade em si, fechado.

Neste caso beira à esterilidade. É perigoso. Cabe compreendê-lo como sinal de um processo maior. O luto aponta para o sentimento de perda de alguém que foi muito importante e, sendo importante, faz falta. Reclamamos sua ausência. Triste seria se não sentíssemos falta de pessoas que passaram pelas nossas vidas e que não estão entre nós.

O dia de finados convida a algumas ações significativas que ajudam a viver a ponte com os entes queridos, compreendendo que a morte não é barreira ou muro intransponível, mas é compreendida à luz da fé. Convida também a lermos a nossa vida na condição de cristãos, especialmente o sentido que damos a ela e as opções que fazemos enquanto somos portadores do “sopro vital” dom e graça de Deus.  São estas as ações:  

A visita ao cemitério é um rito marcante que envolve outras atividades como a limpeza dos túmulos, o oferecimento de flores e o acendimento de velas.  É como expressar o não esquecimento do familiar ou amigo que ali está sepultado. Esta ida tem um caráter de saudade, memória e reverência aos falecidos. Revela uma ligação com o passado experenciado, de pertença à vida e às relações com aquela pessoa que foram importantes. E, na perspectiva pessoal, a relação com o futuro, a realidade reservada a todos os viventes, assim como expressa o ditado popular: “a morte é a única certeza do horizonte”.   

A memória das pessoas falecidas é também muito importante. Tem a ver com a consciência histórica e de que a pessoa não está solta no mundo. Uma das grandes dificuldades neste mundo é a falta da consciência histórica, a desconexão com o passado e com o futuro.

A memória das pessoas que foram significativas em nossas vidas ajuda o ser humano a tomar consciência da sua história e das pessoas que foram importantes nessa história. A ela deve-se um tributo. A tradição cristã foi muito sábia ao perder esta consciência da história porque ela é impulso e alento do caminhar rumo ao futuro. Fazer esta memória não é saudosismo estéril, mas reconhecimento de que não estamos sozinhos no mundo, somos pessoas de relações.

A terceira ação é a prece pelos mortos. É compromisso cristão muito antigo rezar pelos mortos. Tem raízes bíblicas. O texto de Macabeus menciona a necessidade da oração pelos mortos em vista da sua salvação (2 Mc 12, 38-45). Outros textos também mencionam a prece pelas pessoas que morreram. Jesus rezou pelo seu amigo Lázaro (Jo 11, 41-44). Os apóstolos rezavam  pelas pessoas falecidas (Atos 9,36-40).   Nos séculos IV e V já havia a recomendação da prece pelos mártires e falecidos e no século XII demarcou-se a data de 02 de novembro como o dia de se rezar pelos mortos.

A tradição cristã compreende que a oração pelos mortos é uma obra de misericórdia espiritual. A prece pelos mortos fortalece o laço de comunhão com os entes queridos mediado pela fé. Se intercedemos pelos vivos, rezemos também pelos mortos, aqueles que nos aguardam na morada eterna porque nos precederam seguindo o primogênito entre os mortos o Cristo ressuscitado.

A oração pelos mortos é memória e ato de fé.

Autor: Pe. Ari Antonio dos Reis. Também escreveu e publicou no site “Rezar pela unidade cristã”: www.neipies.com/rezar-pela-unidade-crista/

Edição: A. R.

7 lugares imperdíveis para você visitar. Antes de morrer

Vivemos para fora de nós mesmos, na maior parte do tempo. Para os demais que nos observam, para o grupo em que fazemos parte, para a plateia que nos assiste. 

1º) Um lugar maravilhoso para ser visitado com urgência, e o mais importante de todos, é o lugar onde o outro vive. O mais próximo.

Ali mesmo, onde mora o nosso amigo oculto, com seu sorriso disfarçado, com seu silêncio e isolamento.  Há muito o que aprender ali. Vive-se a julgar quem nos rodeia, geralmente com a nossa régua, e, enquanto estivermos bem achamos que o outro também está.  Uma expiada, porém, uma visita rápida, poderemos encontrar a pessoa que conhecemos sorrindo, escondendo uma vida que se despedaça aos poucos, no limite de sua existência, abandonada. Demore-se nesta visita.

2ª) Outro lugar excepcional para se visitar com mais frequência é a casa dos nossos pais.  Se é que eles têm ainda casa, autonomia, ou se já não vivem em espaços de convivência, arrastando-se pelas salas, esperando pela sua hora.  Visite seus pais com mais frequência, não deve faltar muito.  Esqueça conflitos ou mágoas, pois nada disso tem qualquer valor nessa hora. Ouça-os, em suas limitações e dores, em sua solidão e desmemória, imaginando como serão os seus últimos dias.  Faz muito bem ao espírito desejar a eles uma boa passagem, porque o tempo conspira contra nós todos os dias e a cada amanhecer a menos, seguiremos os passos dos nossos pais.

3ª) Vá com urgência ao hospital, qualquer um, principalmente se você anda desanimado.  Caminhar pelos corredores de algum deles é uma viagem imperdível.  E caminhar sem ajuda de alguém, então, serão passos mágicos. Isso porque não valorizamos nossa saúde, não tem jeito.  Até chegar a hora de precisar de um, passamos pela frente de hospitais todos os dias. Pouco ficamos interessados pelos gritos que eventualmente ouvimos.  Pense em um centro de esperanças contínuas, onde as pessoas aprendem a viver nos seus limites, muitas delas vivendo a última noite de sua viagem. Os hospitais fazem parte da verdadeira religião a que Tiago nos fala. Não faltam em seus quartos, órfãos e viúvas. Ali, nossa visita vale ouro em estado líquido.  Ao vivenciarmos a dimensão humana pronta para se extinguir, percebemos a loucura da correria diária e da nossa inútil e assustadora ansiedade cotidiana.

4º) Outra viagem interessante, é a que você pode fazer até a casa de um dos seus primeiros professores.  O primeiro deles, se possível. Agora que você está formado, tem o carro do ano, visite o seu antigo mestre.  É uma viagem impactante.  Veja onde ele ou ela moram e mantenha em perspectiva que devem morar na mesma casa e possuir, possivelmente, os mesmos móveis de sempre.  Muitos professores têm na sua missão um pacto com a escassez.  Atravessaram a vida na escola sem um salário digno e nunca, nunca, deixaram de preparar seus alunos, inclusive você, a buscar a prosperidade.  Sim, porque se você pode estacionar seu carro novo em frente à sua casa, saiba que o seu professor abria caminhos, mesmo quando você não via direção alguma.

5º) Sem precisar comprar qualquer passagem, inicie uma visita, rápida, que seja, a uma livraria.  São poucas, não será difícil escolher.  Tente se demorar ali e passeie pelas suas prateleiras. Olhe os livros, pense neles, ponha-se no lugar de quem nunca os leu e não pode viajar em suas páginas no sofá de sua casa. Os livros formam o chão de uma sociedade, e seus livreiros, conduzem as pessoas a caminho de sua liberdade e bem-estar. Elas tentam sobreviver, vendendo o que pode ser vendido na área, chamando clientes, inovando. Mesmo que a sociedade não se interesse mais por livros, obcecada que está por imagens, faça o ponto uma vez por semana em uma delas.  Antes que desaparecem de vez.

6º) Embarque diariamente no trem que o leva ao mundo do desapego. Considere que dividir o que você tem, o que é, pode ser libertador. Porque quanto mais se dá, em vida, mais vida retorna a nós mesmos. Não se trata de levar casacos e tralhas nesta visita.  Há que se dividir o tempo, sua capacidade em ouvir, em sentir-se parte de quem fala e sente.  Muitas vezes, as roupas são a ponta de uma necessidade maior, uma vontade de falar para alguém como nós, se é que estamos prontos a ouvir.  E tem ainda aquele desapego infinito, quando tudo o que se tem para dividir é o ombro.  Como aquele doador incomum, que não tendo nada para dividir, ofereceu o seu tempo livre para chorar com o amigo. Somente se ganha a vida, perdendo-a.

7°) Finalmente, mais interessante do que visitar a Capadócia ou a Place Vendôme, a viagem mais significativa a fazer é para dentro de si mesmo.  Jesus falou em Lucas, que o Reino de Deus está dentro de nós.  O que estamos esperando? Imaginem que viagem!

 De preferência, compre uma passagem só de ida.

Não é segura, porém, porque ali se encontram todos os enfrentamentos e desequilíbrios, mas também as batalhas a vencer e o retorno à vida plena.

Vivemos para fora de nós mesmos, na maior parte do tempo. Para os demais que nos observam, para o grupo em que fazemos parte, para a plateia que nos assiste. 

Mas é dentro de cada um que se encontram os segredos todos.  Ali, no meio do Reino, é que vamos nos deparar com as pilastras corroídas de nossa vida e dos nossos propósitos, em sua maioria, perdidos. Não é por acaso que vemos Jesus, o tempo todo, afastando-se, e escondido, orando. Claro, buscava a si mesmo, as forças que na realidade se confundem. Olhando para dentro de si mesmo foi onde encontrou sentido em sua missão.  

A viagem para dentro de cada um é uma partida sem volta, pois aos que encontram uma razão em sua vida, dificilmente retornarão para buscar fora dela, justamente onde a perderam. Mas as chaves que podem abrir as portas de uma nova consciência estão ali.

O Autoconhecimento e a compreensão de si mesmo, vale uma passagem ao Reino dos Céus.  Retornando, você viajará por um novo mundo com seu propósito resgatado e com sua missão definida, olhando agora o universo pela perspectiva de quem o criou e não pela de quem o destrói.

Vale a viagem, vale uma vida! 

Referências:

1.O Reino de Deus está dentro de vós. Lucas 17:20-25

2. A verdadeira religião… Tiago 1:27

3. Capadócia.  Roteiro turístico na Turquia

4. Place Vendôme. Praça em Paris, fundada em 1699.

Autor: Nelceu A. Zanatta,28/10/2024. Também escreveu e publicou no site “Arvores não conversam? Sinos não falam”: www.neipies.com/arvores-nao-conversam-sinos-nao-falam-no-jardins-das-rejeicoes-tudo-e-possivel/

Edição: A. R.

Meu lugar

Entrei na vida a fórceps

auxiliado por aqueles que me diziam:

eu te amo!

Aos poucos fui me convencendo:

a vida é mesmo assim

e fui deixando

muitas coisas para trás.

Os anos passaram por mim

como a paisagem pelo viajante

que a vê ao longe:

é linda, mas permanece intocada!

A próxima estação se aproxima.

Parem que eu quero saltar!

Ainda há vigor em meus braços

brilho em meus olhos

forças em minhas pernas

para correr

fugir

não se entregar

a tudo que nos queira aprisionar

e dizer:

este é seu lugar!

Quando nosso lugar

é todo mundo.

Onde queiramos estar.

Autor: Júlio Perez. Também escreveu e publicou no site “Eu e os da minha geração”: www.neipies.com/eu-e-os-da-minha-geracao/

Edição: A. R.

Preparar professores

“Não há educação fora da relação com os outros.” (Antônio Nóvoa)

Muitos já profetizaram o fim da profissão docente. Ocorre que a tecnologia, as novas modalidades de comunicação em tempo real propiciam acesso a informações e conhecimentos inéditos, o que considero muito positivo, uma vez que ultrapassam barreiras de diferentes espécies, nivelando saberes. Isso, entretanto, não dispensa nem substitui a presença do professor que interage, analisa, compõe e propõe a perspectiva crítica e autônoma no desenvolvimento racional, afetivo e espiritual do estudante.

O apagão de professores e os prognósticos nada animadores para os próximos anos, em decorrência da não opção por cursos de licenciatura indica que, em breve, será necessário pensar novas opções para trabalhar com os estudantes que estão chegando aos bancos escolares.

Trata-se de um problema grave a ser enfrentado não apenas por governantes, mas pela própria sociedade. Antes que se pense em privatizar a educação pública e entregá-la a corporações mais interessadas em lucrar e/ou preparar vítimas a serviço dos donos do capital, urge pensarmos alternativas de encantamento, engajamento e transformação da visão atual da profissão docente.

Visto que não há grandes esperanças de uma valorização econômica a curto prazo, muitos docentes vão desistindo da profissão e, pouco a pouco, vão partindo para outras esferas do mundo do trabalho, com alternativa de renda pessoal. Resta, então, pouco tempo para pensar a práxis docente, dedicar-se à própria especialidade e interagir com outros educadores, em busca de qualificação pessoal e coletiva.

Os pouquíssimos cursos que restam com a finalidade de preparar professores demonstram fragilidade e teimosia. A fragilidade de não conseguir encantar jovens que se decepcionam a cada estágio realizado nas escolas, sentindo já na pele as forças destruidoras de práticas que envenenam a água bebida com amargor, desrespeitados desde antes de serem efetivamente educadores. A teimosia fica por conta dos formadores que, apesar de tudo, mantêm a crença da necessária profissão, sem a qual as próximas gerações parecem estar ameaçadas a tornarem-se reféns de ideologias recheadas de anti-humanismo.

Em minha experiência em sala de aula, com futuros professores, tenho tentado apresentar-lhes as dinâmicas do ser educador, apesar e para além da noite que vivemos. Parto sempre da perspectiva do professor como uma pessoa.

É gratificante acompanhar os primeiros passos de quem está a caminho de configurar-se como profissional da educação e, na justa medida, insisto que centralizem seu agir na humanização, desenvolvendo resiliência para superar as insuficiências. Há momentos em que respondo suas perguntas com um “não sei”. O susto é grande. Imaginam que nós- que estamos velhos- saibamos tudo? Mas se a beleza consiste justamente em duvidar, repensar, recomeçar…

Vejo, com entusiasmo, surgir entre nós professores que, além de jovens têm ganas de ensinar. Inovadores, criativos, críticos, sensíveis às demandas dos estudantes preparam com esmero as aulas, preocupam-se em dar o melhor de si, quem sabe na ânsia de dizer-nos que nem tudo está perdido, que ainda vale a pena dedicar tempo em escutar suas demandas e auxiliar, na medida do possível, para que ‘peguem a manha” de ensinar.

Oxalá, somente as “manhas” boas. Na semana do (a) normalista, um pensamento aos promissores educadores do amanhã: “você é um minuto necessário no relógio de Deus”, por demais necessário. O presente e o futuro esperam por você. Não desista, não desistam. Parabéns às (aos) normalistas, logo mais, nossos colegas –e para muitos-grandes mestres.

FONTE: https://cnbbsul3.org.br/preparar-professores/

Autor: Prof. Dr. Rogério Ferraz de Andrade. Secretário Executivo do Regional Sul 3. Este site já publicou também outra reflexão sobre a escola com o título “A máquina de resolver problemas”: www.neipies.com/a-maquina-de-resolver-problemas/

Edição: A. R.

Curiosidades: religiões afro-brasileiras no Rio Grande do Sul

Você sabia que o estado gaúcho é o que mais concentra afrorreligiosos no país? Segue publicação com sugestões de atividades com estudantes do Ensino Médio.

Em agosto de 2021, publicamos na Plataforma Religião e Poder um conjunto de análises com base no Censo de 2010 e no Instituto Datafolha, que, em 2019, atualizou as informações do último recenseamento. Neste texto, inauguramos uma série de artigos que destacam alguns dos elementos mais interessantes encontrados nesses dados. Aqui buscamos explicar um fenômeno curioso: um maior percentual de afrorreligiosos no Rio Grande do Sul, superando os números deste grupo religioso em estados como a Bahia e o Rio de Janeiro.

Por que o Rio Grande do Sul, que tem o segundo menor percentual de população negra do país e uma forte influência das imigrações europeias, é o estado com o maior número de pertencentes a religiões de matriz africana do país?

Em território gaúcho, os habitantes autodeclarados pretos e pardos constituem cerca de 16% da população total do estado, segundo o Censo de 2010. Também na região dos pampas, os afrorreligiosos somam 1,48%. Na Bahia, onde há predominância massiva de pretos e pardos na população (76,5%), os pertencentes às religiões de matriz africana formam apenas 0,34% dos religiosos do estado. Não há, portanto, uma relação direta entre a maioria demográfica negra e a prática afrorreligiosa.

Segundo o antropólogo Norton Correa (2007), existem cerca de 30 mil terreiros em todo o Rio Grande do Sul, com maior concentração no município de Porto Alegre. O também antropólogo Ari Pedro Oro (2012), exibe dados do Censo do IBGE de 2000, em artigo, e mostra que desde essa época o estado já liderava, no país, a proporção de autodeclarantes pertencentes a essas religiões. Afrorreligiosos representavam 1,62% da população gaúcha, enquanto o Rio de Janeiro tinha 1,31% deste grupo e a Bahia, apenas 0,08% de habitantes  assim  autodeclarados. No Censo de 2010, eram 1,48% do Rio Grande do Sul, 0,89% do Rio de Janeiro e 0,34% da Bahia, o que mostra declínio nos dois primeiros estados e um aumento na Bahia. A média nacional, em 2000, era de 0,3% da população, já em 2010, representavam 2% de todo o país. 

Entretanto, há uma controvérsia envolvendo essa questão: para Ricardo Prandi (2003), muitos seguidores de religiões afro-brasileiras se declaram católicos, o que de certa forma mascara os números verdadeiros. Oro também defende em estudo que eles são maiores.

De qualquer forma, o que explica esses números, maiores no Sul do país quando comparados a outros estados? Vários são os motivos explicitados por Oro.

Em primeiro lugar, há uma “aceitação da alteridade religiosa” no Rio Grande do Sul (ORO, 2012) , dado que há uma grande diversidade cultural entre os povos que formaram originalmente e compõem atualmente o estado, o que viabiliza uma convivência religiosa um pouco mais harmoniosa. Embora não seja totalmente pacífica, esta relação baseada numa certa valorização da diversidade foi, no Rio Grande do Sul, anterior às outras partes do país. Isso se deve, principalmente, ao luteranismo (vertente cristã evangélica), admitido na região em 1824, cuja doutrina deu  espaço para que indivíduos de outras religiões também se manifestassem livremente

O segundo motivo para Oro é que há uma tradição dos indivíduos afirmarem socialmente as suas opções, entendendo que elas geram identidades tanto políticas, quanto religiosas ou ideológicas. Isto gera tensões na sociedade, mas também faz com que os indivíduos expressem sua identidade. 

O terceiro motivo para o autor é que, no estado gaúcho, as religiões afro-brasileiras são menos estigmatizadas, quando comparado a outros lugares. Isto favorece a livre manifestação de todos os credos. Um fato que contribuiu para a legitimação dessas religiões no cenário social, até certo ponto, foi a adesão de indivíduos de origem étnica distinta, como os brancos, que atuam não só como simpatizantes ou membros, mas também como líderes religiosos. Este elemento fez com que os estigmas relativos à religião diminuíssem, permitindo assim que seus membros, nas palavras de Oro, tendam “menos a se esconder atrás do sincretismo católico e mais a expressarem socialmente este seu pertencimento religioso”. 

Dessa forma, entende-se que, não necessariamente, o Rio Grande do Sul apresenta a maior concentração de pertencentes às religiões afro-brasileiras, mas sim, há maior liberdade entre sua população para afirmar seus credos, independentemente de qual seja, com menor possibilidade de sofrer estigmas ou ser alvo de preconceito.

Autores: Matheus Pestana é cientista político, doutorando em Ciência Política (UERJ) e pesquisador no ISER.  Gabrielle Abreu é historiadora, mestra em História Comparada (UFRJ) e pesquisadora no ISER.

Referências

CORREA, Norton. O batuque gaúcho. História Viva. Cultos Afro, v. 12, n. 3. . p. 56-57, 2007.

PRANDI, Reginaldo. As religiões afro-brasileiras e seus seguidores. Civitas, v. 3, n. 1, p. 15-34, jun. 2003. Disponível aqui.

ORO, Ari Pedro. O atual campo afro-religioso gaúcho. Civitas, vol. 2, n. 3,  p. 556-565, set-dez 2012. Disponível aqui.

FONTE: https://religiaoepoder.org.br/artigo/curiosidades-religioes-afro-brasileiras-no-rio-grande-do-sul/

PROPOSTA DE ATIVIDADE PEDAGÓGICA COM ESTUDANTES

Reconhecer e promover as diversidades culturais e religiosas como elementos de convivência fraterna e dialógica.

“A escola, lugar de interação social, de representação e representatividade, de aceitação, de respeito e de pluralidade cultural e religiosa, acolhe indivíduos das mais diversas origens. Além de promover o estudo e o reconhecimento das tradições religiosas, valoriza os saberes tradicionais e a ancestralidade, colabora para melhores entendimentos sobre a diversidade religiosa, cultural e étnica do Rio Grande do Sul.

O conhecimento das diferentes religiosidades e as diferentes formas de crença contribuem para desconstruir preconceitos na âncora do conhecer para respeitar. A educação, ao almejar o pleno desenvolvimento humano, não pode omitir o conhecimento, o estudo e a pesquisa das religiosidades, dos fenômenos religiosos, como manifestações espirituais.

O acesso e a apropriação dos conhecimentos das religiões, dos saberes tradicionais, da ancestralidade e das filosofias de vida possibilita o exercício do respeito e da superação dos preconceitos e discriminações. Ao conhecer as tradições religiosas, os/as estudantes compreendem como elas implicam a formação cultural dos povos, como impregnam valores, moral e ética aos modos de vida das diferentes nações e povos.

(Recortes de texto específico do Ensino Religioso, Referencial Curricular Gaúcho do Ensino Médio aprovado pelo Conselho Estadual de Educação no dia 20 de outubro de 2021, conforme Parecer CEEd Nº 003  que, “institui o Referencial Curricular Gaúcho para o Ensino Médio – RCGEM)

Habilidades Ensino Médio RS:

(EM13CHSA207RS) Analisar e reconhecer as relevantes contribuições culturais e religiosas dos povos indígenas, africanos e afro-brasileiros para a história e a cultura.

(EM13CHS501) Analisar os fundamentos da ética em diferentes culturas, tempos e espaços, identificando processos que contribuem para a formação de sujeitos éticos que valorizem a liberdade, a cooperação, a autonomia, o empreendedorismo, a convivência democrática e a solidariedade.

Com estes propósitos, realizar estudos com estudantes sobre a Influência das religiões de Matriz Africana na história do RS. Após estes estudos, se possível, fazer palestras com acadêmicos ou estudiosos das tradições africanas, ou mesmo com pessoas praticantes destas religiosidades.

Relato breve de uma atividade realizada

Em Passo Fundo, no dia 23 de outubro de 2024, no Instituto Estadual Cecy Leite Costa, estudantes das primeiras séries do Ensino Médio puderam ouvir, em forma de palestra, Ipácio Carolino, sacerdote de Nação e pai de santo de Umbanda. Além de praticante, Ipácio também é acadêmico do Curso de História da UPF (Universidade de Passo Fundo) e ativista de direitos humanos.

Seguem registros fotográficos da atividade realizada no Instituto Estadual Cecy Leite Costa, em Passo Fundo, RS.

LEIA MAIS:

  1. Por que Rio Grande do Sul tem maior percentual de adeptos de religiões de matriz africana no Brasil:https://www.bbc.com/portuguese/articles/c06kd76587yo
  2. Ensino Religioso no Referencial Curricular Gaúcho do Ensino Médio : https:// .neipies.com/ensino-religioso-no-referencial-curricular-gaucho-do-ensino-medio/

Edição: A. R.

Somos todos professores

Cada pessoa que cruza nosso caminho traz lições. Algumas nos ensinam, outras aprendem conosco.

Com os ingratos, aprendi que o bem que fazemos é nossa recompensa, enquanto a gratidão é um bônus raro. Onde há bondade, não se cobra reconhecimento. O bem pode ser esquecido ao menor deslize, sendo tomado como dever, enquanto o erro é visto como atestado de caráter. Ainda assim, vale a pena fazer o bem, mesmo que poucos reconheçam.

Com os orgulhosos, aprendi o valor da humildade verdadeira, que não significa diminuir-se, mas reconhecer suas limitações.

Com os difamadores de plantão, percebi que justificativas são inúteis para quem deseja apenas manter sua “superioridade moral.” Na raiz da difamação, está a inveja — incomodam-se mais com nossas virtudes do que com nossas falhas.

Com os invejosos, entendi que minha própria ostentação pode ter alimentado o ressentimento alheio.

Com os considerados mentirosos, aprendi que, muitas vezes, a mentira surge da pressão que fazemos para que as pessoas revelem o que preferem guardar para si. Não é sempre falta de caráter, mas uma defesa.

Com os interesseiros, entendi que dizer “não” é um filtro poderoso: fica quem realmente se importa conosco, não com o que podemos oferecer.

Com os desafetos, aprendi o valor de um inimigo franco comparado a um amigo desleal.

Mas, sobretudo, aprendi com aqueles que foram leais, presentes mesmo quando eu nada mais tinha a oferecer. Aprendi que o amor supera qualquer decepção e que, apesar das desilusões, vale insistir em amar. A vida, nosso maior professor, ensina que o amor é a lição suprema.

Autor: Hermes C. Fernandes. Também escreveu e publicou no site “Por um amor que vale a pena”: https://www.neipies.com/por-um-amor-que-vale-a-pena/

Edição: A. R.

Mês dos professores: histórias de quem vive a profissão sem “superpoderes”

É importante entender a docência como um trabalho real e não idealizá-la. Saiba quais os principais desafios que os educadores têm enfrentado e possíveis caminhos para superá-los. Veja matéria da NOVA ESCOLA, assinada por Carol Firmino.

A frase “nem todo herói usa capa” é um daqueles clichês que frequentemente se utiliza para definir o professor da Educação Básica no Brasil, em especial na rede pública. Peça-chave no processo de ensino e aprendizagem, sua atuação quase sempre extrapola a sala de aula, a exemplo dos anos de pandemia, quando muito se falou sobre a determinação e a resiliência desses profissionais para manter crianças e adolescentes estudando. 

De fato, o trabalho dos professores nesse período pode ser comparado à jornada do herói em um filme de ação: eles se reinventaram, criaram novas rotinas e resgataram os alunos que precisavam de apoio. No entanto, interpretar o magistério como uma missão divina implica em negligenciar dificuldades presentes no dia a dia. Algumas se arrastam por décadas, como lacunas na formação inicial e continuada, baixos salários e necessidade de jornadas múltiplas, o que muitas vezes acarreta problemas de saúde mental e contribui para a baixa atratividade da carreira docente. 

Para Andréa Gouvea, professora do Núcleo de Pesquisa em Políticas Educacionais (Nupe) da Universidade Federal do Paraná (UFPR), esses obstáculos fogem de soluções individuais, pois representam demandas institucionais.

“Vivemos um momento de muita pressão sobre os professores. Espera-se que eles reajam no sentido de ter autonomia e resiliência para resolver as questões, mas nem sempre há condições para isso. São [problemas] estruturais que a gente conhece há muito tempo. 

Para saber mais sobre esses desafios da carreira docente, NOVA ESCOLA traz as histórias de quatro professores da rede pública brasileira. Os relatos de Lígia, Roberta, Marcella e Guilherme se conectam pela necessidade e urgência de políticas que valorizem a profissão docente. 

Desafios de uma novata

Lígia Veiga Santos é professora adjunta na rede pública de Santos (SP). Ela, que concluiu o curso de Biologia há cinco anos e formou-se em uma graduação semipresencial de Pedagogia em 2023, conta que o “chão da sala” tem revelado situações desafiadoras. Lígia fala do Atendimento Educacional Especializado (AEE), que, para ela, requer total envolvimento e aprendizado por parte do professor. “Não vejo que estamos preparados para proporcionar um ambiente 100% inclusivo. Então, nesse caso, considero que participar de formações continuadas é muito importante.”

Além disso, a ideia de que a escola é um organismo vivo e dinâmico, como ouvia nos relatos durante a graduação, se confirmou. “Todo dia é uma coisa diferente, é a vida acontecendo naquele espaço, independentemente dos professores e de quem mais trabalha ali”, relata. Diante disso, a professora acredita que não importa o quanto se estude sobre condições socioeconômicas, educação inclusiva e realidade das escolas no Brasil. “Cada região, cada bairro na cidade tem suas características específicas, e o educador nem sempre está preparado para o que vai encontrar.”

Na opinião dela, há no Brasil uma oferta elevada de cursos de licenciaturas e de Pedagogia que não contemplam o que se espera de um futuro professor, com horas de estágio insuficientes e pouco espaço para lidar com as questões reais da escola. “Eu acabei de entrar na rede pública e não sou professora titular ainda, então costumo substituir aulas dos meus colegas e trabalhar projetos paralelos. [Como não estou com os mesmos alunos todo dia], é um desafio ganhar a confiança deles, mas tenho adquirido um olhar mais compreensivo aos poucos”, explica.

Andréa, da UFPR, destaca que essa passagem do período de formação para o mercado de trabalho está presente em qualquer profissão, porém aqui tem um problema mais profundo, que vai ao encontro do que diz Lígia. “Atualmente, muitas licenciaturas são concluídas no formato de ensino a distância. Isso atrapalha o cumprimento de regras e diminui oportunidades de estágio, atividades formativas, extensão e outras que favorecem a formação da prática profissional. É claro que é possível fazer uma boa graduação EAD, mas não a baixo custo e com carga horária reduzida”, reforça a especialista.

Para ela, um dos caminhos é melhorar a relação entre as universidades e as escolas de Educação Básica. “O professor iniciante precisaria encontrar certa estabilidade já no início, com tutorias, diálogo com os mais experientes e [a intensificação de] programas de residência pedagógica, incluindo os novatos nos grupos de discussão, nos planejamentos etc.”

Leia também: Se resta esperança na educação é porque professores resistem e existem, inventam e reinventam a luta e a pedagogia, carregam sonhos e movem-se pela utopia do direito de todos e todas as crianças, adolescentes e jovens à educação de qualidade, à aprendizagem e desenvolvimento integrais para uma vida de direitos, sem violência. (Autora Sofia Cavedon) www.neipies.com/do-apagao-a-esperanca-viva-as-professoras-e-os-professores/

Jornadas múltiplas e exaustão

A falta de valorização da carreira docente é outro grande desafio da profissão. Torná-la mais atrativa envolve, entre outros fatores, a revisão dos salários. “Muitos colegas adotam jornadas múltiplas a fim de garantir que não trabalhem apenas para pagar boletos”, diz Roberta Duarte da Silva, professora de História dos Anos Finais do Ensino Fundamental em duas escolas da rede pública de Jaboatão dos Guararapes (PE).

Docente substituta no curso de História da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Roberta já atuou na rede privada, além de trabalhar com a formação de professores. Atualmente, sua carga horária é de 180 horas mensais na Educação Básico e de 40 horas mensais na UFPE. “Principalmente na Educação Básica, a gente precisa dar conta de dias muito cheios ou ter mais de um vínculo para que o salário nos proporcione uma melhor qualidade de vida. Parece até contraditório: trabalhamos muito para ganhar melhor, mas não conseguimos usufruir por falta de tempo”, observa. 

Entre os seus principais desafios, a professora menciona a exaustão mental, física e psicológica: “É muito cansativo dar 12 ou 15 aulas por dia, às vezes nos três turnos. Essa é a minha realidade em dois dias da semana e eu fico esgotada”.

Ela conta que o tempo para pensar em uma aula e organizar a rotina vai para o final de semana, o que faz com que comece a segunda-feira mais cansada. Roberta soma a esse cenário a própria estrutura das escolas, lecionando em salas quentes, com “a voz disputando espaço com os ventiladores”, e a ausência de suporte psicológico, principalmente no pós-pandemia. 

Andréa defende que não há uma solução individual para isso. Diante da necessidade de jornadas múltiplas, os professores deveriam encontrar nas escolas, pelo menos, espaços que valorizem o planejamento. “Existe um tempo de hora/aula para que o professor olhe a sua disciplina sozinho e de forma coletiva. Então, aquilo que meu colega começou, eu posso dar continuidade e tornar mais fluido. Mas, muitas instituições não têm locais onde esse indivíduo possa sentar e estudar”, aponta. “Às vezes, temos uma sala dos professores pequena e que precisa abrigar 15 pessoas. Como ele vai se concentrar e fazer um relatório?”, questiona. 

Leia também:

Todos sabem como melhorar a educação. Todos sabem como dar uma boa aula e quais assuntos deveriam ser ensinados. Menos os professores. (Autor Aleixo da Rosa) www.neipies.com/professores-nao-sabem-nada/

Burocracias pedagógicas

A pedagoga Marcella Campos, pós-graduada em Alfabetização e Letramento, é educadora na rede pública de Santos (SP). Ela também atua com a formação de professores alfabetizadores e trabalha com mídia social em um colégio particular na mesma cidade. 

Além da jornada de trabalho em mais de uma escola, e a partir de sua experiência com alfabetização, ela pontua que certas burocracias pedagógicas a que os educadores são submetidos deixam a rotina engessada. “Nós precisamos de um número x de atividades para guardar nas pastas das crianças e temos que cumprir a apostila até o fim. [Na Educação Infantil], isso tinha que acabar. Se há tempo para trabalhar apenas materiais prontos, fica mais difícil desenvolver projetos inovadores e com boa sequência didática”, argumenta.

Segundo ela, essa é uma ideia que está enraizada na nossa cultura: “[As pessoas pensam] que as atividades precisam ter aquela cara de [material de] ‘escolinha’ [a exemplo dos ditados, das listas]. Se eu coloco uma folha em branco na prancheta e peço para o aluno observar os pássaros e desenhar a cor das penas, isso também é uma produção de texto, mas tende a receber valor menor”, reflete Marcella. 

“Às vezes, esbarramos na sensação de que, se não é uma atividade ‘tão escolar’, não é uma atividade, e é isso que estamos tentando quebrar. Não faz sentido a criança voltar para casa com uma pasta cheia de papéis, se a escrita não for trabalhada de maneira que tenha função social e não tiver o engajamento do aluno em sala de aula”, completa. 

A especialista Andréa explica que o Brasil incorpora a perspectiva de pluralismo de concepções pedagógicas, o que possibilita múltiplas maneiras de  construir o processo de ensino e aprendizagem. Ter registros do trabalho desenvolvido em sala de aula ajuda a monitorar o desempenho do estudante, orienta, mas isso não pode ser mais importante do que o aprendizado. “O problema é que [quando se trata de alfabetização] estamos falando em 5.560 redes de ensino e milhares de instituições pensando em formas de controle”, alerta. Por isso, ela diz que é necessário que o sistema [e a própria gestão] confie no professor e ofereça autonomia para que ele decida a frequência dos registros – algo que não acontece quando o foco se torna controlar o resultado e preencher burocracias. 

I

Documentos em excesso e plataformização da educação

Quando se trata das escolas em tempo integral, uma série de relatórios, atas de reuniões, diário de bordo e planos de ensino estão previstos. “Além de dar as minhas aulas, eu tenho que produzir documentos. E não são poucos”, considera Guilherme Falcão Porto, professor do 6º ao 9º ano na rede pública de Santa Lúcia (SP).

“Agora que é final de bimestre, temos que fazer o plano de aulas que vai nortear o trabalho pelos dois meses seguintes. Se o aluno tem nota vermelha, fazemos um relatório individual, apontando as dificuldades dele. Há ainda um plano de nivelamento, em que olhamos para as habilidades que o aluno precisa recuperar”, conta Guilherme.

Ele também cita a Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo Geral (ATPCG), a Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo por Área (ATPCA) e, agora, a ATPCG da Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação do Estado de São Paulo (EFAP), com vídeos e perguntas para responder. “Tudo isso e outras coisas dentro dos nossos horários de estudo – entre 14h e 16h”, descreve. 

Guilherme é responsável pelos componentes de Tecnologia, Orientação de estudo e Práticas experimentais, o que significa que ele multiplica todos esses processos por três: “É uma sobrecarga imensa, porque a gente tende a passar oito horas dentro da escola e mais quatro horas em casa preparando a aula.”

Na opinião de Andréa, é papel das equipes gestoras filtrar o que é realmente indispensável. “Há um excesso de relatórios sufocando o tempo dos professores. Então, precisamos pensar o que se deve fazer individualmente e o que é possível padronizar”, sugere a especialista. 

Outro desafio relatado por Guilherme é a plataformização da educação. “Na rede pública de São Paulo, o estado cobra o uso de várias plataformas de tecnologia, com atividades e provas externas para manter o aluno aprendendo digitalmente”, pontua. O principal problema, segundo ele, é a cobrança das secretarias de ensino pelo resultado, quando, muitas vezes, o estudante não tem computador, celular ou internet em casa para realizar a tarefa.

“A escola tem uma sala de informática com 27 chromebooks funcionando. Mas as minhas turmas, por exemplo, têm 40 alunos cada”, afirma. O professor reforça que é notável a diferença do uso da tecnologia em sala. “A gamificação é uma metodologia incrível. O que falta é suporte”. 

De acordo com Andréa, a educação tem vivido uma “pandemia de plataformas”, com o mercado produzindo desenfreadamente e pressionando o sistema de ensino para adquiri-las. “A gente teve uma emergência [durante o isolamento social por causa da Covid-19] e precisou integrar as plataformas [à rotina] rapidamente. Mas precisamos dar um passo atrás e perguntar ao professor o que ele realmente está precisando [e não apenas nesse contexto]”, conclui.

Leia também: A escola pública está perdida. O perigo está anunciado para onde se envereda a educação: o precipício. A escola particular aproveita o momento para se fortalecer no seu lado positivista e conteudista. Em que ao aluno apenas cabe o papel de mero reprodutor. (Autor Laércio Fernandes) www.neipies.com/nos-nao-precisamos-mais-dar-aula/

FONTE: https://novaescola.org.br/conteudo/21762/historias-de-quem-vive-a-profissao-sem-superpoderes?

Por Carol Firmino, 16/10/2023

Edição: A. R.

Veja também