Semeando resistência

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Dona Luiza embarcou na terça-feira, no ônibus em que eu estava. Trocamos poucas palavras no caminho até Brasília, pois ela estava sentada num dos primeiros bancos da frente e eu mais para o fundo.

Hoje sentei ao seu lado para assistir a segunda mesa de debate do dia, sobre capitalismo, patriarcado, racismo e violência. Enquanto aguardávamos o início, conversamos.

Ela me contou que durante a infância morou no interior de Lagoa Vermelha. Os pais morreram quando tinha 12 anos e como nenhum parente morava perto, ela ficou sob os cuidados de uma vizinha muito pobre, que por não ter condições de criá-la, deu-a em “adoção” a um homem quase 20 anos mais velho.

O homem abusava sexualmente dela e tornou-se seu “marido”. Tiveram 13 filhos, seis dos quais já estão mortos. Vítima diária de violência doméstica, Dona Luiza sobreviveu a espancamentos, tentativas de estrangulamento, fome, frio: tudo ocasionado pelo “companheiro”. Buscou a delegacia diversas vezes, tentando salvar a sua vida e a vida dos filhos, mas, como ela disse “porque eu sou analfabeta, pobre e moro na roça, eles me tiravam para mentirosa…sabe como é, né fia”. Resistiu, do jeito que pôde, aguentando a dor em silêncio.

Quando um dos filhos mais velhos se casou e foi morar num assentamento do MST, chamou a mãe para ir com ele. Ela queria, mas não sabia como se libertar das garras do marido, porque tinha medo que, por raiva, ele se voltasse contra aqueles que ela amava.

Um tempo depois, cansada de apanhar e não ter para quem pedir socorro, Dona Luiza juntou suas coisinhas, pegou as crianças e fugiu ao encontro do filho mais velho, na esperança de começar uma nova vida, com menos dor.

Foi acolhida pelo movimento e, em poucos meses, ganhou um pedaço de terra no assentamento Dom Orlando, que cultiva até hoje, plantando verduras, legumes e criando galinhas. “O MST me fez ser um ser humano e entender, mesmo que eu não saiba ler e escrever, o que é a exploração”, me disse, emocionada.

Pouco antes de começar o debate, que acompanhou atentamente, respondendo com ânimo a cada grito de ordem, Dona Luiza pediu se poderia tirar uma foto minha, para não me esquecer. Eu disse que sim, mas com uma condição: que eu também pudesse fotografá-la, ainda que tenha certeza que jamais vou esquecer sua história. Afinal, Dona Luiza é a materialização de tudo o que esse I Encontro Nacional das Mulheres do MST significa.

Sou solidário às lutas feministas. Além de solidariedade, quero dividir convicção de que o conhecimento, a valorização e a participação ativa na vida da sociedade são as mais importantes ferramentas para enfrentar a discriminação e a violência a que são injustamente submetidas mulheres do Brasil e do mundo”. (Nei Alberto Pies)
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Autora: Vanessa Lazzaretti

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