Quando as disputas ideológicas deixam de ser saudáveis

975

O período eleitoral teve ânimos acirrados. Casos de violência foram contabilizados em todo o Brasil e o medo de mostrar seu posicionamento político também tomou conta do país, um fenômeno que não aparecia com tanta intensidade nos últimos pleitos.

Inúmeros são os relatos, também em Passo Fundo, da violência política que permeia as Eleições de 2022. Um adesivo no carro ou no peito se tornou motivo de apreensão e cuidado.  Defender o seu candidato em uma discussão respeitosa virou privilégio.

Intimidações, ameaças, agressões verbais e físicas, chegando até a morte em alguns casos. Como no caso do guarda municipal, sindicalista e tesoureiro do PT, Marcelo Aloizio de Arruda, que foi morto quando um policial penal federal, Jorge Guaranho, invadiu a festa de aniversário do tinha como tema o PT e imagens do ex-presidente Lula, em Foz do Iguaçu (PR).  Com gritos de “aqui é Bolsonaro”, o apoiador do presidente assassinou Marceli com três tiros.

A doutora em filosofia e professora Patrícia Ketzer explica que a violência política é toda violência usada com objetivos políticos. Pode incluir violência estatal, por parte dos poderes públicos, por parte do Estado contra civis, incluindo genocídio, tortura, perseguição, cerceamento da liberdade de expressão, brutalidade policial. Também inclui violência de organizações não estatais contra o Estado ou contra civis. Pode ocorrer por parte de um Estado contra outro, em forma de guerra, por exemplo.

Atualmente, tem como uma de suas principais armas a proliferação da desinformação e da mentira através de notícias falsas, o silenciamento e ataque constante a jornalistas e a criminalização de movimentos sociais. A conivência e, mais do que isso, a iniciativa do poder público, estatal, seja no Executivo, no Legislativo e muitas vezes até no Judiciário legitima a população, nas ruas e lares, a reproduzir a violência contra as mulheres”, afirmou.

Violência política de gênero

Muito antes do período eleitoral os ânimos já estavam alterados e diversos casos de violência, em todo o país, eram registrados. Em Passo Fundo, intimidação, assédio e ameaça foram relatados, especialmente por mulheres.

“Eu estava usando o carro da minha mãe, com bandeiras e adesivo do Lula, e ao parar na sinaleira uma pessoa aleatória começou a me xingar ‘Lula ladrão, sua vagabunda’.  Eu estava indo rezar, literalmente,” desabafou uma jovem nas redes sociais. Outra, relatou que estava andando com um adesivo do Lula no peito, quando cinco senhores começaram a se exaltar com o mesmo discurso.

Conforme Patrícia, qualquer ato que vise excluir as mulheres do espaço político, podendo ocorrer antes ou depois de sua eleição a cargos públicos é violência política de gênero. Se enquadram situações em que a mulher é coagida, ridicularizada, desacreditada. “Pode ocorrer por meio virtuais, nas ruas e nos espaços institucionais, por parte de representantes de cargos públicos, eleitores ou mesmo dentro de seus próprios partidos ou de suas casas,” explica.

É o que aconteceu com a vereadora Eva Valéria Lorenzato (PT), na Sessão Plenária do dia 17 de outubro, quando o colega Rodinei Candeia não respeitou o espaço de fala da parlamentar e protagonizou cenas de descontrole.

 “Iniciei uma reflexão sobre um tema amplamente divulgado na imprensa nacional que diz respeito à uma fala do presidente da República. Antes que eu pudesse concluir sequer a primeira parte, o vereador interrompeu a minha fala, utilizando o microfone de aparte. Aos gritos e me chamando de criminosa, o vereador pediu à Mesa Diretora que a Procuradoria Jurídica da Câmara analisasse o que eu dizia para ver se eu poderia ou não prosseguir,” contou Eva Valéria.

Em nenhum momento, Rodinei pediu que a vereadora concedesse o aparte, o que é a regra dentro da Casa Legislativa. Para um parlamentar fazer comentários durante a fala de outro, esta precisa conceder o espaço.

Ao analisar, a Procuradoria apontou o que é Lei e está inclusive no Regimento Interno da Câmara: as e os vereadores têm garantida a imunidade parlamentar quando estão na Tribuna e, portanto, têm o direito de expressar suas opiniões. Quem julgar que a fala é equivocada, pode acionar os mecanismos judiciais e pedir explicações. Porém, isso deve ser feito após a fala e não enquanto ela acontece.

“Depois do parecer da procuradoria, o vereador, inconformado interrompeu novamente, aos gritos, desrespeitando não só a mim, mas à Mesa Diretora e o Regimento Interno, que é a lei maior dentro da Casa. Usando de agressões verbais com termos como mentirosa, criminosa, dissimulada e injuriosa, tumultuou a Sessão, que foi suspensa pelo presidente da Câmara,” contou a vereadora.

O silenciamento dos colegas parlamentares ao presenciarem a situação, em especial as vereadoras, chocou os passo-fundenses que realizaram um ato simbólico de apoio à Eva Valéria No dia 19 outubro, lideranças ocuparam o plenário dando o recado: basta de violência política de gênero. “É reconfortante saber que a população apoia a postura democrática e repudia todos os atos autoritários”, confessa.

No mesmo dia o presidente do PT no município, Áureo Mesquita, acompanhado de advogados do partido, protocolou pedido para instauração de processo na Comissão de Ética da Câmara de Vereadores contra o vereador Rodinei Candeia por tentar impedir a manifestação da vereadora.

“Além de agredir os princípios da liberdade de expressão e da imunidade parlamentar, praticou violência de gênero ao impedir uma vereadora de se manifestar, com agressividade que normalmente não utiliza com outros colegas vereadores homens. O PT espera que a Comissão de Ética analise o caso e aplique as sanções previstas regimentalmente e no Código de Ética daquela casa. Não é mais admissível atos desproporcionais como esse cometidos contra vereadoras em suas manifestações, como tem acontecido continuamente nas casas legislativas de todos os níveis do Brasil,” diz a nota do partido.

É preciso superar o ódio

Apesar de ficar estarrecida com a situação, Eva Valéria destaca que a divergência é parte da vida democrática: o problema é o uso da violência, o ataque, o desrespeito. “O ódio é um péssimo modo de orientar a convivência social. Ele aumenta a violência. A amizade e a fraternidade que se alimentam da amorosidade abrem para o diálogo e para mediações restauradas dos conflitos. Precisamos aprender a conviver democraticamente no sentido mais profundo da convivência,” afirmou.

Patrícia recorda que o enfrentamento a todo tipo de violência contra a mulher precisa se dar nos lares, nas ruas, bairros, empresas, escolas, instituições públicas e privadas, no executivo, no legislativo, no judiciário, com o apoio da mídia e dos movimentos sociais, sendo pautado constantemente por todos e todas que se identificam como aliados na luta por uma sociedade justa.

“Implica na revisão de atitudes diárias em todos esses espaços e numa vigilância constante para que não sejamos desrespeitadas ou silenciadas, como se tenta fazer em todos os espaços, inclusive na Câmara de Vereadores de Passo Fundo,” finaliza.

*Esta matéria foi produzida pela jornalista Ingra Costa e Silva e já publicada no Jornal Impresso Rotta, Ano 23, Número 415, de 14 a 27/10/2022.

Imagens: Arquivo pessoal/divulgação

DEIXE UMA RESPOSTA