Professora de uma escola com uma sala só

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Nilva Signor foi professora de uma pequena escola no interior de Sarandi, RS. Uma escola de uma sala só, escola do campo, séries iniciais, multisseriadas, durante 30 anos, até próximo de sua aposentadoria.

Começou, desde cedo, como ajudante da sua professora. Imagina, a sua professora morava na sua casa, acolhida pela sua família. Depois, cursou “magistério” para poder exercer o ofício de professora. Trabalhou alguns anos ainda na cidade de Sarandi, aposentando-se como professora da rede municipal.

Iniciou as atividades como professora no ano de 1962.

Sempre foi muito dedicada e envolvida com as crianças, com sua profissão e com as atividades comunitárias, seja auxiliando na realização de atividades religiosas ou sociais ou aconselhando crianças, adolescentes e jovens, como também a seus pais, nas escolhas pessoais, profissionais ou de estudo, depois da saída dos mesmos de sua escola.

Até hoje, mora no mesmo local, pertinho do local onde existia a escola, pertinho do salão comunitário e da igreja (tombada como patrimônio histórico), construídas no terreno doado por seu falecido pai.

Conheçamos a história desta importante professora, por ela mesma.

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SITE NEIPIES: Como, quando e por que decidiu ser professora?

NILVA SIGNOR: Acho que nasci com esta possibilidade de ser professora, pois naquela época, a minha professora parava (morava) na minha casa para dar aulas, já que residia perto da escola, minha família a abrigou para que ela pudesse trabalhar. Isso era comum na época, quando a professora era de outra localidade, era acolhida na casa de uma família. Quando cresci, via a professora ir para a escola pertinho da minha casa, às vezes, queria ir para a escola, e comecei a ir junto com a profe, ficava uma hora e depois voltava para casa.

Naquela época, na década de 50, não havia pré-escola, as crianças começavam na 1ª série. Aos 7 anos comecei na 1ª série, gostava muito de estudar, nunca reprovei, sempre acabava as tarefas primeiro e comecei a ajudar a professora com os alunos da 1ª série, continuando até a 5ª série. Como a escola só funcionava até a 5ª série, eu fiquei repetindo a 5ª série até os 16 anos, quando fui contratada como professora, assumindo três turmas, de 1º, 2º e 3º séries, pois sempre gostei muito de trabalhar com crianças.

SITE NEIPIES: Qual é a formação que era exigida na época para ser professora?

NILVA SIGNOR: Naquela época, por volta de 1960, a maioria dos professores não tinha ensino fundamental completo, porque as escolas eram localizadas no interior, longe da cidade, não havia transporte, eram muitas as dificuldades para os professores estudarem e se aperfeiçoarem mais.

No final de cada mês, reuniam os professores no distrito mais próximo, no meu caso o Barreirinho, para chegar lá eram 4km a pé. A reunião iniciava de manhã e se estendida até a tarde, na qual recebíamos orientações dos coordenadores de educação.

Depois de alguns anos eu fiz o supletivo e completei o primeiro grau, na época era chamado assim. Ao completar o 1º grau, fiz o magistério. A minha professora se aposentou e eu assumi todas as séries. Estudava de manhã e lecionava à tarde.

SITE NEIPIES: Quais foram os maiores desafios e dificuldades enfrentados no exercício da profissão com as crianças, os pais e mães e a comunidade? (material, apoio, estrutura física da escola, condição das crianças)

NILVA SIGNOR: Dificuldades sempre tiveram. Porque nossa escola recebia alunos de outra comunidade em que não havia escola, sempre tínhamos alunos sem condições de comprar o material necessário.

Os pais e mãos nem sempre colaboravam, não eram todos, uns por falta de interesse, outros por falta de condições. Na comunidade, famílias que não tinham filhos demonstravam interesse em ajudar.

Material a gente consegui das crianças que tinham condições ou eram realizadas festas na comunidade para conseguir dinheiro para a compra. A escola era pequena, só com uma sala, não havia água encanada próximo à escola, o banheiro era do lado de fora, de madeira, era feito com fossa.

Como professora, tinha que fazer o papel de diretora, professora, merendeira, faxineira, cuidava do jardim e da horta. A água para tomar e preparar a merenda os alunos pegavam no poço na minha casa. Sempre busquei desenvolver nos alunos a educação baseada na ajuda, no trabalho coletivo e na colaboração para que o ambiente fosse o melhor para todos dentro das condições que tínhamos.

Última turma na escola/turma de alunos escola antiga/turma de alunos com antigo uniforme/ Escola de uma sala só/ Fotografias da entrevistada.
Fotos: Divulgação/arquivo pessoal

SITE NEIPIES: Quais foram as maiores realizações como professora?

NILVA SIGNOR: Muitas foram as realizações. Em primeiro lugar, chegar ao final de cada ano escolar e ver aquelas crianças todas aprovadas, as da 1ª série sabendo ler e escrever, eu me sentia muito feliz.

Sempre dei prioridade na preparação das minhas aulas, procurava buscar mais novidades e conhecimentos, apesar do pouco acesso da época.

Os projetos que realizava com os alunos e na culminância percebia o quanto eles tinham aprendido, faziam a demonstração de seus trabalhos, eram momentos em que mostrávamos aos pais e à comunidade aquilo que construíamos na escola. A cada mobilização que fazíamos para melhorar a escola, o entorno, quando chegavam novos livros, renovávamos a horta, o jardim, cada um desses progressos me deixava feliz.

SITE NEIPIES: Qual era o papel exercido pela escola junto à comunidade e igreja?

NILVA SIGNOR: A escola e a igreja eram instituições muito próximas. Muito a professora fazia para a comunidade. O que os alunos aprendiam na escola, como comemoração das mães, dia dos pais, Natal, apresentavam na igreja para toda a comunidade. Todos gostavam, davam elogios para a professora e os alunos, isso nos estimulava.

Quando havia festa na comunidade, a professora e os alunos deixavam o jardim e o pátio sempre limpos, para contribuir com a boa imagem do local para os visitantes. Aos sábados à tarde, eu também era a catequista da comunidade, e preparava as turmas para a Eucaristia e Crisma, utilizávamos, muitas vezes, o espaço da escola para os encontros de catequese. Contribui por mais de 25 anos com a Igreja preparando 17 turmas para a 1ª comunhão.

SITE NEIPIES: Que didática era utilizada para atender estudantes de quatro séries numa escola de uma sala só, com crianças de séries e idades diferentes?

NILVA SIGNOR: Para atender as quatro séries numa escola de uma sala só, eu precisava planejar bem cada aula.

Uma das estratégias que eu utilizava era a divisão do quadro de giz, um espaço identificado para cada série, assim, eles também sentavam divididos para enxergar melhor a sua parte do quadro. Procurava incentivar os maiores para que ajudassem os menores quando acabassem as atividades. Os menores também aprendiam com os maiores. Sempre precisava ter atividades-extras prontas, para entregar e manter todos ocupados. Tentava manter a disciplina para que um grupo não atrapalhasse tanto a concentração do outro, fazer atividades parecidas, ou seja, quando um grupo estivesse em avaliação o outro também precisaria estar.

Se eu desenvolvesse uma atividade mais dinâmica, todos participavam juntos. Mais ao final da carreira, quando passamos a estudar outras metodologias de trabalho, fui desenvolvendo também espaços no fundo da sala como cantinho da leitura, para que quando acabassem as atividades os alunos pudessem ficar naquele espaço, deixando os demais acabarem as atividades.

SITE NEIPIES: Olhando para a educação de hoje, na sua visão, o que mudou? Mudou para melhor?

NILVA SIGNOR: A educação mudou muito. Vejo que a tecnologia entrou nas escolas e faz parte do dia a dia dos professores, na preparação das aulas, no estudo dos alunos em casa. Hoje há inúmeras possibilidades, o conhecimento se ampliou, os alunos já chegam na escola com muitas informações, na minha época, o único lugar onde eles tinham acesso a livros e informações era na escola. Isso é um ponto positivo, acho bom que o acesso à informação tenha aumentado. Mas também, acredito que há mais distrações e às vezes isso pode atrapalhar a concentração e o aprofundamento do conhecimento. Acredito que os professores e a família devam encontrar um meio termo.

Outro ponto é que as gerações mudaram muito do meu tempo para cá. Não só na questão da tecnologia, como na educação, nos limites, nos interesses, gostos, enfim, então isso também se reflete em sala de aula, pois o planejamento do professor também precisa se adaptar.

SITE NEIPIES: Na sua visão, quais os desafios da educação hoje?

NILVA SIGNOR: Nem me imagino professora neste contexto atual, os desafios são outros, se por um lado na minha época faltavam recursos básicos, hoje os desafios são outros. Como mencionei, um dos principais é compreender a geração ativa e dinâmica dos estudantes de hoje, que utilizam muito a tecnologia. Outro desafio é trabalhar ao lado das famílias para a educação dos filhos, o que era mais fácil há tempos atrás, hoje, as famílias trabalham muito, fora de casa e acabam não tendo tempo de participar e acompanhar a vida escolar dos seus filhos.

SITE NEIPIES: Que mensagem gostaria de deixar aos colegas professores e professoras e aos estudantes de hoje?

NILVA SIGNOR: Acredito que apesar de tantos desafios, a educação sempre teve e sempre terá um papel fundamental na construção da sociedade que queremos.

É na escola que construímos laços afetivos, que aprendemos a solidariedade, a convivência, ensinamos muito mais do que conteúdos, e assim contribuímos na formação de seres humanos. Precisamos seguir acreditando, tendo esperança, buscando valorização profissional.

Aos colegas professores desejo força, coragem e amor pela educação para vencer os desafios. Aos estudantes, desejo que percebam que a educação é um caminho importante para a vida, não só para o futuro, mas para hoje também. Que durante muito tempo foi difícil para quem queria estudar e talvez hoje esteja mais fácil, então é preciso aproveitar as oportunidades.



Um depoimento de uma ex-aluna

Fui aluna da professora Nilva de 1980 a 1983. Lembro da escola pequena, mas muito bem cuidada; da horta, das apresentações nos eventos da comunidade, das aulas sempre muito criativas e dos colegas de idades e séries diferentes, das brincadeiras no entorno da escola… Mas o que mais me marcou foi a profunda consideração que a professora demonstrava, dia após dia, com as crianças, seus alunos. A forma como ela ensinava levava em consideração as características, potencialidades, limites e realidade de cada um. A forma como ela nos tratava sugeria que ela, muito antes do Estatuto da Criança e Adolescente já via a cada de um nós, as crianças, como sujeitos de direitos.

Rosicler Terezinha Dalchiavon
Na foto, em 1983, com colegas de escola e professora Nilva Signor. Ao fundo, pomar e horta da escola.

1 COMENTÁRIO

  1. Em primeiro lugar, saliento todas a “obras” ou “tarefas” da Nilva e de todos os professores da sua geração professor/gestor/produtor/terapeuta/entre outras funções. A exata dimensão da exploração, Marx prova isso na mais-valia, acrescida da submissão colonial, que ainda não acabou. Quanto às afirmações, corretamente expressas, vou começar por aqui “Renovávamos a horta, o jardim”, o que se entende uma educação ampla, eu chamaria de Educação Biológica, a vida para a vida. “Manter todos ocupados”, não é fácil, hoje, com turmas grandes, mas é possível, basta uma didática criativa, que Nilva já sabia fazer, melhor do que hoje, os professores, não todos, mas uma grande parcela, ainda se atrapalha com as ferramentas da tecnologia. Por isso, os estudantes, mais conectados, “já chegam na escola com muitas informações”. Por mais superficiais que sejam as informações, já é um começo para aprender a fazer uma pesquisa, por exemplo, e encontram professores fora do ritmo. Então, como consequência, a falta do que fazer, por minutos que sejam, vira em “distrações e às vezes isso pode atrapalhar a concentração e o aprofundamento do conhecimento. ” Outra questão que deveria ser aprofundada: “as famílias trabalham muito, fora de casa e acabam não tendo tempo de participar e acompanhar a vida escolar dos seus filhos”. Parabéns, Nilva, suas lembranças são parte uma memorável e real história do nosso povo.

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