Os ovos da Páscoa e as crianças pobres

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Sim, Jesus Cristo dá lucro, sabiam? Os fabricantes de chocolates, os donos de hotéis e pousadas, os restaurantes todos à espera do feriadão para comemorarem a chegada dos turistas com seus filhos a pedirem os maiores ovos de Páscoa que existirem naqueles lugares.

Era a Menina dos Fósforos que pregava os seus olhinhos nas janelas das pessoas e as viam comemorando a noite de Ano-Novo a riscar seus fósforos um por um até ficar sem nenhum. E quantas meninas assim não temos nós espalhadas pelo Brasil afora? Já imaginaram nisso? Já pararam para pensar o quanto dói querer comer algo que não temos?

Ontem saí pelas ruas da minha cidade à procura de ovos da Páscoa para meus sobrinhos e dei de cara com uma situação já conhecida nossa, mas que comoveu meu coração: uma menina de cabelos desalinhados e suja sentada na calçada de uma rua movimentada a chupar seu dedinho, quieta, sem dizer palavra alguma. Já viram esta cena também em algum lugar da cidade de vocês?

Enfim, um dos jornais da minha cidade noticiou que a Páscoa vai movimentar milhões de dinheiro e que o comércio vai crescer cerca de 10 a 20% nesta que é uma das maiores festas do Brasil.

Sim, Jesus Cristo dá lucro, sabiam? Os fabricantes de chocolates, os donos de hotéis e pousadas, os restaurantes todos à espera do feriadão para comemorarem a chegada dos turistas com seus filhos a pedirem os maiores ovos de Páscoa que existirem naqueles lugares.

Somos um país de mídias digitais muito bem fundamentado. Temos grandes agências de propagandas e elas sabem muito bem como manipular o perfil do consumidor brasileiro. As crianças são as mais atingidas quando vêm aqueles ovos belos de todas as cores e tamanhos pendurados nas vitrines das lojas.

Os pais entram em desespero e não sabem nem o que fazer diante da criançada a pedir o ovo de chocolate mais caro da vitrine, o mais bonito, talvez o mais gostoso e o mais atraente aos olhos daqueles pequeninos que ficam alegres ao terem seus pedidos atendidos e puderem levar para casa um ovo da Páscoa maior do que eles.

As crianças pobres que perambulam pelas calçadas, que limpam para-brisas de carros nos semáforos e que vivem de auxílios do governo federal não têm direito a viverem essa alegria acima. Seus pais não podem comprar um ovo da Páscoa que custa em média vinte reais o mais pequenino de todos. O ovo que abre o apetite que a criançada fica feliz talvez custe uns 120,00. Quase a metade do valor de uma mensalidade do Bolsa Família de uma família.

Mas, a menina que anda pelas ruas colou a sua carinha na vitrine da loja e todo mundo que passa ela pede um ovo de chocolate. Talvez fosse melhor ela pedir mais saúde, educação, segurança e afeto. Será que ela conhece essas coisas?

Por que o governo não dá pra ela um ovo de chocolate em plena Semana Santa? Por que os candidatos não enchem um caminhão de ovos da Páscoa e saem pelas cidadezinhas do sertão nordestino comprando votos já que é ano eleitoral? Estão perdendo tempo e eleitores. As crianças ficariam felizes mesmo se não tivesse um prato de feijão com arroz, mas um ovo da Páscoa bem grande para encherem a barriga de chocolate.

Na verdade, qualquer coisa agrada uma criança pobre. Ela não conhece ainda as mazelas tecnológicas do mundo contemporâneo, elas não veem as propagandas porque não têm televisão em casa, faltam-lhes energia elétrica. Então, se alguém se lembrasse delas compraria um ovo da Páscoa e lhes daria de presente nesta Semana Santa onde falamos tanto de pobreza, espiritualidade, amor, ressurreição.

Muitas crianças da cidade grande não sabem o que significa o verdadeiro sentido do Ovo da Páscoa, elas os comem, se sujam todas, brincam, correm, mas na verdade aquilo tudo é uma festa para elas. Ninguém teve o cuidado de lhes contar a história de Nosso Senhor Jesus Cristo e o significado daquele Ovo que diz ressurreição, vida, amor.

E sem a ressurreição, sem podermos todos os dias ressuscitarmos os nossos sonhos, as nossas histórias, as nossas crendices e tradições não seríamos quase ninguém neste mundo. Estamos matando o boneco Judas quando devíamos matar o nosso egoísmo e a nossa falta de amor ao próximo. Deixar uma criança plantada numa vitrine de uma loja desejando imensamente comer um ovo de chocolate em plena Semana Santa talvez seja um grande pecado.

É claro que não somos obrigados a ajudar crianças carentes e em situação de rua, para isso existem os órgãos governamentais que deveriam prestar-lhes um bom serviço e tirá-las das ruas, conforme reza o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Também reza a dignidade da pessoa humana no seu pequeno livro “A dignidade do homem” de Pico della Mirandola.

Dignidade essa que se perde no tempo e no espaço quando uma criança cola seu rosto na vitrine de uma grande loja de grife e fica desejando ganhar um ovo da Páscoa. A certa altura ela já deve ter ouvido falar em Jesus Cristo, mas não sabe nada daquela Semana Santa e muito menos de que o ovo só deve ser comido no Domingo de Páscoa por tradição do Cristianismo.

A menina é retirada da vitrine aos gritos e pontapés pelos seguranças da loja. Ela quer ficar ali, ela precisa estar ali, ela sente que ali é seu lugar. Sabe que ora ou outra alguém vai enxergá-la e vai ter compaixão dos seus olhinhos pidões. Ela não sabe dos seus direitos e deveres, pois era para estar na escola, mas quem vai lembrar isso a uma menina que não sabe de nada? Ou será que sabe e finge não saber? Às vezes nos surpreendemos com as crianças.

A Igreja tem a sua parcela de culpa por não evangelizar as crianças em situação de rua e contar-lhes a história de Jesus Cristo pelas ruas e abrigos. Já que essas crianças vivem longe de seus pais, e muitas nem sabe quem são precisam ouvir que um dia ouve um bom homem que deu a sua vida por nós e disse mais ainda “deixai vir a mim os pequeninos…”. Só se sabe a história de Jesus Cristo criança que vai à Igreja arrumadinha e cheirosinha para receber a comunhão. As crianças em situação de extrema pobreza não fazem ideia do que significa a Semana Santa para a humanidade.

O belo ovo da Páscoa está lá na vitrine da loja pendurado e a menina apesar de ter sido retirada à força dali, voltou. Ela quer um ovo. Ela quer comer chocolate. Eu penso que ela devia pedir por comida e roupa lavada. Um lugar para morar e um pouco de afeto, mas na sua pequena idade isso não importa. Apenas lhe ensinaram ou ela viu em algum lugar que um ovo daqueles na vitrine da loja é muito gostoso.

A menina cada vez que vê as crianças saírem da loja sorridentes e felizes com seus ovos da Páscoa fica mais nervosa e ansiosa. Uma senhora com a sua bolsa descuidada que caminha pela calçada da loja, nem percebe a rapidez com que a menina se aproxima e toma a sua bolsa. Ela corre para longe. Ninguém consegue alcançá-la. Mais tarde senta-se no batente de uma igreja e conta o dinheiro que tem dentro da bolsa roubada. Quase nada. Só dá para comprar um pão. Melhor do que dormir com fome, pensa a garotinha.

Passou na televisão, no rádio, no jornal impresso que em todas as lojas venderiam ovos da Páscoa em promoção naquela Semana Santa. A menina rezou. Ela sabia rezar, pois o povo da rua lhe ensinou. Tudo que sabia tinha aprendido na rua. Foi na rua também que lhe disseram que crianças iguais a ela não têm direito a ovos da Páscoa. Ela chorou. Dormiu com vontade de comer um ovo daqueles da vitrine da loja.

Muita gente não sabe que Jesus Cristo ama as crianças, por isso as castigam com palmadas. Outras pessoas nunca contaram sobre Jesus Cristo aos seus filhos porque pensam ser coisa de gente grande e que eles não entenderiam. Talvez se a nossa menina dos fósforos brasileira que queria um ovo da Páscoa soubesse que Jesus Cristo foi uma criança pobre igual a ela a história fosse outra e quem sabe não roubasse ou cobiçasse as coisas alheias.

Toda criança, mesmo as que estão em situação de rua, vê propagandas em algum lugar, principalmente nos outdoors.

Assim como essas propagandas são feitas para despertar desejos nos diversos consumidores também despertam nessas crianças que não podem ter acesso a um ovo da Páscoa, mas que deveriam ganhar um das diversas instituições governamentais das suas cidades, pois verbas para isso sabemos que existem.

Se o dinheiro devolvido aos cofres públicos da corrupção dos empreiteiros e políticos que todos os dias aparecem na televisão ou o dinheiro das obras superfaturadas viessem a público, fossem utilizados para uma vida com dignidade às crianças brasileiras tenho certeza de que cada uma delas ganharia um ovo da Páscoa nesta Semana Santa e que no Domingo a história de Jesus Cristo seria escrita nos seus corações porque estariam limpinhas e cheirosas. Não é todo padre ou freira que abraça criança suja e pobre! Eu sei disso! Eu já fui criança negra, feia e pobre. Quando vim saber quem era Jesus Cristo tinha doze anos de idade e comi um ovo de chocolate com trinta e cinco anos de idade.

Boa Páscoa!

Autora: Rosângela Trajano. Também publicou no site a crônica “Criança amada cresce segura”: https://www.neipies.com/crianca-amada-cresce-segura/

Edição: A. R.

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