O tempo

3513

A questão de fundo não é (quase bordão) “viver o momento, o agora”. Aproveitar a vida e seus instantes porque podemos morrer a qualquer momento. A questão é compreender o quanto somos responsáveis pela nossa vida e o que nela empurramos para alargar nossos dias.

Por diversas vezes me pego acreditando que o melhor das datas comemorativas é pensar nelas. É como incluir-se pelo limite do ficcional, ou da imaginação. Claro que precisamos contar uma história sobre nós mesmos, sobre a origem das coisas, estabelecer um ponto a partir do qual podemos içar as nossas amarras para poder seguir.

Não disponho de elementos suficientes para afirmar, mas tenho me convencido de que é a nossa relação com o tempo que determina nosso modo de ser no mundo. Saber lidar com o tempo é e deveria ser nosso maior aprendizado existencial, pois quanto mais sabemos lidar com os sentidos desta estranha impermanência acontecida por cada um, mais suportaremos suas implicações. 

Estamos presos às suas engrenagens, mas expostos à exata distância de uma inabilidade para defini-lo. Isso talvez tenha mais a ver com o fato de que “somos” um pedaço/fatia do tempo, sem ser todo o tempo. Além deste aspecto, quando deixamos de ser, tudo continua, tornando nossa apresentação existencial desnecessária para a contagem do próprio tempo. De outro, o tempo não suporta todo o nosso ser, sobramos nas dobras daquilo que não se expõe, restando uma história que é propriamente a nossa.

Se, de alguma forma, podemos dizer que todos os dias perdemos um pouco do tempo (pois não temos mais o tempo que passou), não podemos deixar de reconhecer que nosso modo está articulado com o passado. Somos uma espécie de amontoado de horas que não se soletra de frente para trás.

Absorvidos na ocupação com o mundo, podemos nos compreender a partir de um tempo mensurável, datável e extensível. Compreender momentos, coisas e fatos na tensão do estar compreendendo-os no instante do agora que se abre entre passado e porvir. Em função disso, o tempo se torna ele mesmo objeto de preocupação.

O relógio talvez reproduza o símbolo máximo da preocupação humana com o tempo, em que ele possa estabelecer padrões de referência a partir do contexto do já estar no mundo: demarcar a hora do nascimento, da morte, do início ou do fim; imprimir valor aos momentos que se sucedem, ou esquecer-se de coisas que já passaram; esperar, ou quem sabe, tentar evitar qualquer mal que possa ocorrer.

A questão de fundo não é (quase bordão) “viver o momento, o agora”. Aproveitar a vida e seus instantes porque podemos morrer a qualquer momento. A questão é compreender o quanto somos responsáveis pela nossa vida e o que nela empurramos para alargar nossos dias.

Não temos como suspendê-la, dispensando nossa existência dos momentos pesados e ou “intermináveis”. Não temos como agarrar um momento que potencializa nosso ser, eternizando o êxtase da satisfação. Não temos como encurtar a necessária espera e nem comprimir tempos que se arrastam deixando cicatrizes enormes.

Eis a máxima: aprender a habitar os êxtases, deixando-se tocar pelos sentidos da existência que se aprofundam no mundo, sem permanecer em um dos afetos. Quando passamos a sentir o mundo apenas a partir de um afeto, os sentidos do tempo são arrastados pelas suas nuances, autonomizando um dos seus aspectos, implicando nosso modo de ser no mundo. De resto, a vida talvez seja justamente o que não pode ser aprumado às horas.

Autora: Marli Silveira

Edição: A. R.

1 COMENTÁRIO

  1. Muito bom, como historiadora tiro do tempo o conhecimento, no caso o tempo passado, e refletir sobre esse tempo nos faz adquirir uma consciência de existência, que sem o tempo não teríamos.

DEIXE UMA RESPOSTA