O reinado de Cronos: um tempo para construir sentido

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De fato, a passagem dos anos corrói a existência,
cada amanhecer é um dia a menos,
cada palavra mal dita, escolha mal feita corrobora
com a insuficiência do tempo.


Cronos, filho de Urano e Gaia, é a principal divindade da primeira geração de titãs, reconhecido como o deus do tempo. De acordo com o mito, Cronos roubou o poder de seu pai, casou-se com a irmã Réia e governou por longos anos.

Atento a profecia, segundo a qual seria tirado do poder por um de seus filhos, Cronos matava e devorava todos os herdeiros assim que nascessem. Discordando desse filicídio Reia enganou Cronos, conseguiu salvar Zeus e escondê-lo na ilha de Creta.  De temperamento forte, pouco dado ao amor, esse titã nos ajuda pensar o tempo e a vida, seria ele um mostro “filicida” que dia após dia nos devora? Como sua experiência, neste tempo de quarentena, tem te ajudado a descobri, corrigir, ressignificar o sentido da vida no tempo que tens?

Desde que fui tomado pela consciência do tempo, vivo com ele uma relação de ambiguidade, momentos de louvor misturam-se a instantes de pavor. Louvo pela vida que passa, pelo aprendizado construído, pelos projetos em construção, pelas amizades em cultivo e pelas alegrias nascidas e nascentes dentro do solo arado no peito da gente.

Contudo, tenho pavor diante de projetos não realizados; de discursos inumanos; de textos que ainda não foram lidos; de pessoas que a muito não abraço. Olho para meus sobrinhos e vejo como estão crescidos; contemplo meus pais vivendo na “terceira idade”, seus passos e raciocínios ganhando lentidão, emoções ficam à flor da pele. De fato, a passagem dos anos corrói a existência, cada amanhecer é um dia a menos, cada palavra mal dita, escolha mal feita corrobora com a insuficiência do tempo. O tempo nos leva da vida!  Cronos continua reinando, como fugir dele?

Olhando para o vivido aprendo que o passado fala sobre a importância do agora. Concordo com Agostinho de Hipona, só existe o presente, visto que o futuro é plano e o passado memória. Ciente disso, que sentido estamos ofertando a nossa vida? Em que projetos se fundam as nossas escolhas? O que faremos ao final desta pandemia com e nos abismos sociais profusamente expostos e vividos? As imagens de corpos “conservados” em caminhões frigoríferos, de valas comuns e sepultamentos coletivos deixarão de compor nossos mosaicos de memórias ou se apagarão com o tempo!?

Esse olhar e essas perguntas lembram da busca por sentido, latente no ser humano, somos os únicos que têm consciência e habilidade para significar a vida. Penso que buscar incessantemente a compreensão da existência, em uma emaranhada teia de relações é uma atitude lógica e revolucionária, pois, um significativo número de humanos prefere a superficialidade e o dogmatismo; infelizmente a ignorância tem ganhando palcos, púlpitos e discípulos que insistem em prestar culto à “burrice” institucionalizada e legalizada, contribuindo com o reinado de Cronos, com o devorador de sentidos. É revolucionário optar e defender a humanidade, neste tempo de paixões ideologizadas, de políticas privativas, opressivas e negligentes.

Ambígua é a compreensão que tenho sobre o tempo, ou melhor, a aceitação do mistério que o envolve.  No entanto, se no contexto atual Cronos nos devora, há situações em que Kairós (o tempo da Graça) nos envolve, nos devolve a instantes plenos, repletos de paz, carregados de benevolência, o tempo em que a fé na vida é realimentada, que a esperança é cultivada e semeada na forma de atitudes, de encontros mesmo que online.  Aproveite deste tempo de quarentena, faça dele presente dentro do seu coração, para viver a intensidade merecida pela vida.

Aproveitemos destes dias para pensar e alimentar a dimensão transcendente da existência, se este período servir para nos fazer mais humanos, empáticos e solidários, se despertar em nós a consciência de classe e um novo modo de entender justiça então, Cronos não terá a vitória final. Onde existe preocupação com o humano, crítica permanente e eficaz não nascem e nem sobrevivem titãs. O tempo feito Kairós, é o presente significado, o agora com sentido. Mesmo que esse sentido seja a necessidade urgente de renovação das estruturas injustas que aplaudem e alimentam Cronos.



Sugestões de uma prática pedagógica

Esta atividade pode ser trabalhada no Ensino Médio. Outros objetos de conhecimento como Sentido da vida (existencialismo) – neste caso o Filme o “Preço do amanhã” é bem adequado para gerar reflexão, pensar no sentido da existência, nas desigualdades e injustiças sociais.

No oitavo ano, Ensino Fundamental, Unidade temática “Ética”, Objetos do Conhecimento: “Refletindo sobre temas éticos e morais”, Habilidade: “Refletindo sobre o homem moderno, seu individualismo e consequências para si e para gerações futuras”.

Atividade prévia.

Contar novamente a história de Cronos, agora com mais detalhes.

Onde for possível pode-se usar vídeos do Yotube com a história de Cronos:

Questões que fazem pensar:

1) O que você entende por tempo?

2) Os tempos são todos iguais? (Quando você está feliz não tem a sensação de que passou mais rápido? A passagem do tempo depende também do que estamos sentindo no momento?

3) O tempo é esse titã que nos devora. O que você pensa sobre essa afirmação?

Leia o trecho que segue:

“Mas o que agora parece claro e manifesto é que nem o futuro, nem o passado existem, e nem se pode dizer com propriedade, que há três tempos: o passado, o presente e o futuro. Talvez fosse mais certo dizer-se: há três tempos: o presente do passado, o presente do presente e o presente do futuro, porque essas três espécies de tempos existem em nosso espírito e não as vejo em outra parte. O presente do passado é a memória; o presente do presente é a intuição direta; o presente do futuro é a esperança”. (AGOSTINHO, Santo. As confissões. Trad. Frederico Ozanam Pessoa de Barros. São Paulo: Edameris, 1964, XI, 20,1).

1) Localize no texto elementos da linguagem mítica?

2). Como tem se dado conta do tempo presente? O que tem feito com seu tempo?

3) Localize no texto concepções positivas e negativas de tempo? De acordo com o autor é possível superar a ambiguidade do tempo?

4) Desenhe uma linha do tempo com fatos marcantes de sua história e com planos que você tem para o futuro.

Avaliação.

Elabore um parágrafo sobre a aula de hoje, mencione que atitudes essa reflexão te motiva a tomar?

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