O desejo dos nossos filhos

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Aprendi com a minha filha que ser pai é navegar pelo desejo dos filhos, ainda que eles vacilem, sem ter o objetivo de satisfazê-los como norte. Muitas vezes eles só desejam que nos interessemos pelos interesses deles.

Minha pequena, três anos, pediu durante seis meses um brinquedo de presente. Neguei, sem pestanejar, por ser caro e não ter tanto a ver com o que desejo para criação dela.

Nenhum argumento refreava o ímpeto consumista da Lua e eu não tinha um dia de paz. Passava por lojas de brinquedos e um quase barraco era armado. Quando sabia que as colegas e a prima tinham o tal presente era aquele escândalo.

O desejo obstinado era daqueles inabaláveis até que me dei por vencido: prometi dar o presente no dia das crianças. Deixei meu sintoma de não gostar de gastar com coisas desnecessárias e embarquei no sonho da minha filha.

Desde então, tive de fazer contagem regressiva para controlar a ansiedade dela. Ela fazia tudo na expectativa de ganhá-lo. Até doar a sua amada chupeta para fada do dente. A expectativa do presente ajudou a emprestar os brinquedos, a guardar os brinquedos e organizá-la nas birras.

Reservei a tarde de ontem e embarquei num shopping lotado para resolver a pendência. Sentindo que era um superpai por conseguir cumprir a minha palavra. Comprei o danado com dor no coração, dividindo em três vezes no cartão, mas já que era pela felicidade dela, mergulhei no desejo da criança e me afastei dos meus traumas infantis. Tive de esconder o pacote ao chegar em casa já que Lua pedia sem parar o presente e acordou de madrugada falando no objeto mágico.

Hoje, pela manhã, acordei cedinho e coloquei o presente embaixo da cama. Ansioso, conferia a cada cinco minutos se a pequenina havia acordado, mas ela permanecia “assistindo sonhos”, como bem diz. E eu queria realizar o dela como forma de me sentir um pai melhor, aguardando em algum lugar a alegria como retribuição.

Ela acordou e eu, efusivo, parti para a caça ao presente. Fiz toda aquela novela para dar a emoção que o momento pedia. Quando achamos, abri a embalagem e lá estava o presente que atendia a todas as especificações da pequena ditadora. Ela olhou para a caixa, não esboçou nenhum sorriso e começou a brincar com os embrulhos. Brincou por menos de dois minutos com o desejado brinquedo. Por fim, não deu um pingo de valor para o objeto pelo qual implorou durante meses.

Admito que fiquei chateado e demorei um tempo para aceitar que sentia aquilo. Senti-me ridículo, mas senti uma certa raiva. Uma frustração grande por não ter agradado.

Passamos a vida ouvindo que devemos dar a falta aos nossos filhos, que devemos frustrá-los. No entanto, pouco ouvimos que os filhos também servem para isso: frustrar os pais. Que eles devem escapar do nosso desejo para ter uma vida própria.

Aprendi com a minha filha que ser pai é navegar pelo desejo dos filhos, ainda que eles vacilem, sem ter o objetivo de satisfazê-los como norte. Muitas vezes eles só desejam que nos interessemos pelos interesses deles.

Que possamos sonhar juntos sem, necessariamente, precisar da realização.

Nossos filhos querem a viagem e o destino, muitas vezes, pouco importa. Mas, durante a viagem, eles desejam atenção, afeto e curiosidade, enquanto aprendemos juntos sobre os nossos desejos, traumas e sobre como devemos frustrar uns aos outros, como forma de sobrevivência e autonomia. A partir das frustrações mútuas nascem as possibilidades do novo, o limite e o respeito, nascendo também a possibilidade para os nossos filhos de uma vida própria e livre.

Autor: Fernando Tenório

Edição: Alexsandro Rosset

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