Não à Lei do Talião

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Se adolescer é nascer para a sociedade, há que se ter um controle nas explosões, entendendo-se que conviver socialmente implica respeito aos regramentos elaborados pelas instituições, como o resguardo à vida.

O termo Talião deriva do latim Lex Talionis, isto é, lei de tal tipo, condizendo com a ação na devida proporção da agressão, quer dizer a justa reciprocidade da pena de acordo com o crime praticado. Há indícios da Lei no antigo Código de Hamurabi (1780 a.C.) nos tempos do antigo reino da Babilônia.  

Hoje, em pleno início do Terceiro Milênio, no Facebook, ainda há aqueles apressadinhos que invocam a Lei do Talião com frases sentenciais do tipo “… tem que castrar, tem que enforcar, tem que matar”, especialmente quando ocorre um crime hediondo, contra a vida humana e contra o patrimônio.

Como querer aplicar a ultrapassada Lei do Talião, se nem pena de morte temos no Brasil?

Esse é apenas um pretexto para discutir os atos praticados por dois jovens que praticaram atos de vandalismo, estilhaçando mais de 60 vidraças com uma arma de pressão. 

O fato aconteceu em meados de abril/2021, quando um jovem de 21 anos, na carona de um caminhão-baú, juntamente com seu motorista de 31 anos, percorreram as cidades de Porto Alegre, Viamão e Gravataí, estourando as vidraças de bancos, revendas de automóveis, lojas e repartições públicas, além de danificar os carros novos expostos nas revendas.

A Brigada Militar (BM) registrou uma série de ocorrências de vandalismo em dezenas de estabelecimentos da Região Metropolitana de Porto Alegre entre a terça-feira (13) e esta quarta (14). Pequenas esferas de metal foram disparadas contra vidraças, provocando destruição em bancos, restaurantes, lojas, clínicas, automóveis e prédios. Leia mais!

Devidamente identificados pelas câmeras de vídeo, os dois jovens confessaram à Polícia Civil que cometeram os atos de depredação por mera diversão tendo, para tanto, três razões: sensação de poder, liberdade e prazer.  

Enfim, que tudo teria sido uma brincadeira de mau gosto imposta pelo filho do proprietário do veículo, hoje com 21 anos. O pai, 43 anos tem o caminhão como fonte de renda, com o qual sobrevive mediante fretes. Confessou que presenteou o filho depressivo com uma inocente arma de pressão.  No entanto, como tem problemas de érnia de disco, contratou um conhecido motorista, frequentador de igreja, para dirigir o veículo na companhia do filho, que não tem CNH.

Jamais imaginou que os dois fariam um ato de tamanhas proporções e repercussões e, que o filho autor dos disparos, nunca teve vida pregressa. E o pior, que seu filho vem sendo medicado por apresentar crises depressivos.

Pelo exposto acima, é fácil depreender que o pai foi ingênuo e um tanto irresponsável ao presentear o filho com uma arma de pressão. Assim, o filho ficou capacitado a causar sérios danos, caso usasse, inadequadamente e irresponsavelmente, a arma contra si, contra as pessoas e contra o patrimônio.

Em segundo, o motorista do caminhão, com 35 anos, mesmo pressionado pelo filho do patrão, não foi capaz de impedir que tantos tiros fossem disparados contra o patrimônio público. Ou foi ameaçado de perder o emprego, ou desconhecia a gravidade dos atos praticados pelo livre e poderoso passageiro. Portanto, é cumplice, tendo que ser responsabilizado pelo ato de omissão.  

Ser jovem em tempos de pandemia, não é moleza! O distanciamento, com lockdown, a liberdade fica prejudicada, pois a vida em grupos fica emudecida, ainda mais para os adolescentes.

 Para Mário Corso, ZH, 28.04.21, “a adolescência sabe ser sombria e, quando emudecida, tende a ser pior. Atuações perigosas são as mais comuns em quem sente-se a ocultar o que sente e pensa. Quem trabalha e convive com adolescentes sabe que, nesses casos são mais frequentes os comportamentos agressivos, toxicômanos, destrutivos, automutilações e até risco ao suicídio”.

A vida humana é constituída de várias explosões: explosão à vida, explosão à morte, explosão de raiva, explosão de alegria, explosão de prazer, explosão ao adolescer.

A escritora Clarice Lispector, no livro A Hora da Estrela, através da personagem Macabea, revela as múltiplas explosões a que somos submetidos vida afora, especialmente no processo de adolescer em sociedade.

Saindo do resguardo dos pais, os jovens buscam na sociedade a liberdade, o prazer e o poder, exatamente como manifestaram os infratores à polícia.

No entanto, se adolescer é nascer para a sociedade, há que se ter um controle nas explosões, entendendo-se que conviver socialmente implica respeito aos regramentos elaborados pelas instituições, como o resguardo à vida, deixando a César o que é de César intacto.

Quando os meios de comunicação noticiaram os atos de vandalismo, buscando identificar os infratores e suas causas, imediatamente associei que fossem atos explosivos contra o racismo, contra a falta de vacinas, contra a inoperância do governo. Nada disso!  

A tendência é que o pai seja condenado a pagar os prejuízos causados pelo filho que provou, equivocadamente, o prazer, a liberdade e o poder ao usar irresponsavelmente as explosões de vento de uma inocente arma de pressão. Portanto, longe de se aplicar aos vândalos a Lei do Talião. Se assim o fosse, sem saber os motivos pelos quais, estaríamos cometendo outro crime contra a vida. Tudo o que se faz ou se deixa de fazer tem suas consequências. Que a justiça faça a justiça na medida certa!

Autor: Eladio Vilmar Weschenfelder

Edição: Alex Rosset

2 COMENTÁRIOS

  1. É um desafio imenso ser justo, Agostinho Both. As duas concepções de justiça duelam o tempo todo, a saber: dar a todos o mesmo tratamento ou a cada um o que precisa. Obrigado pelo seu oportuno comentário.

  2. Eladio, bem pronunciado o discurso. Bem postada a ideia sobre os jovens silenciados: perigo! Mas o meio termo entre justiça e respeito nem sempre acontece.

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