Incentivar a competitividade é bom para a criança?

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Que toda criança possa ser grande na arte de viver e nas competições que a vida lhe trouxer para saber ganhar ou perder, o importante é o existir além da vitória, nas nuvens, nas ondas do mar, num espanto do peixinho na beira do rio a pular para ver o seu olhar assustado.

Trago os versos daquele que é filho de Portugal, país que nos colonizou e tornou este um lugar lindo para se morar se não tivessem massacrado os nossos indígenas seria mais lindo ainda. Mas, sei que se ele estivesse numa daquelas naus de Cabral não teria permitido que nenhum indígena tivesse sido ferido ou violentado, porque ele é e sempre será “O menino da sua mãe”.

Falo do poeta Fernando Pessoa e trago o seu poema intitulado “Havia um menino” que diz “Havia um menino / que tinha um chapéu / para pôr na cabeça / por causa do sol.” Que todo menino ou menina possa ter um chapéu mágico para colocar na cabeça e assim num passe de mágica aprender a amar e respeitar o outro.

Competir nos ensina antes de qualquer coisa que a vida é dura e difícil e que vamos crescer sempre lutando pelos nossos ideais e objetivos. Cresceremos em busca dos nossos sonhos, mas sempre respeitando as regas da vida e os amigos que poderão se tornar os nossos adversários no jogo do tempo.

A competitividade é algo meio difícil entre as crianças. Se por um lado ela motiva e faz com que a criança tenha vontade de ir em frente, de ganhar, de lutar de ser cada vez melhor naquilo que faz por outro ela nos consome as energias muitas vezes e nos deixa tristes quando perdemos e não sabemos como perder. Estamos acostumados a somente ganhar e valorizamos as conquistas.

A infância é o momento de descobertas, de buscas e encontros com o novo. É neste momento que queremos mostrar para nós mesmos e para os amigos que somos fortes, inteligentes, corajosos e que vencemos tudo o que desejarmos. É quando construímos a nossa identidade, formamos o nosso espírito, nos proclamamos seres pensantes e muitas vezes precisamos nos reafirmar perante os amigos e familiares, para isso precisamos ganhar as coisas que desejamos, a nós só importa a vitória.

Ninguém quer ser chamado de perdedor ou fracassado. Muito menos as crianças. Elas não sabem lidar com as perdas. Elas vão sofrer se forem o tempo todo incentivas a competirem para ganhar. É preciso que pais, responsáveis e professores estabeleçam limites e digam para elas que competir é um ato de bravura e de demonstrar que somos iguais aos outros competidores e estamos ali pelos nossos méritos. Se vamos ganhar ou não é uma outra questão.

O fato de querermos competir já nos traz o espírito de campeões na vida, nas lutas, nas batalhas e em nas nossas emoções e sentimentos porque muitos não sabem competir.

E, para competir, é preciso ter um espírito valente e saber aceitar as perdas e as vitórias sem se deixar magoar tanto, sem se deixar sofrer muito e, principalmente, não ficar envergonhado diante dos amiguinhos porque perdeu o pênalti que daria o campeonato para o seu time ou ficou em último lugar na competição da natação da escolinha. Precisamos ensinar às nossas crianças que perder faz parte da vida, nem só de vitórias vive o homem contemporâneo.

Estamos num momento da humanidade em que competir é preciso em tudo. No trabalho, na academia universitária, nas relações afetivas e até mesmo conosco. Nos preparamos durante anos para uma competição e, muitas vezes, no dia da prova não nos sentimos bem, ficamos nervosos demais e acabamos perdendo. Também pode ocorrer do adversário ter treinado mais do que a gente.

Ensinar às crianças que é preciso respeitar os seus adversários também é dever dos pais e professores. Nem sempre ela será a melhor em tudo. Pode ser que apareça alguma criança mais preparada, que estudou mais, que se dedicou mais ou que teve mais sorte do que ela. Uma competição além de preparo psicológico e físico exige sorte. A criança deve respeitar todos os seus amiguinhos da escola mesmo sabendo que é a melhor nas disciplinas, que tem altas habilidades e grande criatividade.

Como dizia o filósofo grego Sócrates “Só sei que nada sei” deve ser ensinado às crianças desde cedo a humildade, a prática da empatia, o amor ao próximo, o respeito as opiniões alheias e ao outro e mais do que isso o respeito pelo resultado da competição tratando o seu adversário com cuidado e gentileza e não como um inimigo.

Os nossos pequenos querem ser os mais inteligentes da sala de aula, os mais queridos pelas professoras, os mais altos das turmas e os primeiros da fila da merenda. Querem se destacar nas brincadeiras e atividades da escola, querem ser escolhidos pelas professoras para fazerem alguma tarefa específica ou ajudá-la em sala de aula, ou seja, querem ser os melhores em tudo.

Aliás, quem não quer ser o melhor em tudo? Até nós, adultos, vivemos atrás disso, imagine as crianças.

Devemos incentivar as crianças a serem boas em tudo o que fizerem, mas nunca ficarem tristes se não conquistarem o que desejavam porque deve sempre ser dito para elas que existirão novas oportunidades, que elas poderão tentar novamente no próximo semestre, no ano seguinte. É necessário deixar claro que uma perda não significa o fim do mundo, que tudo vai passar, que perder faz parte da vida.

Os pais e professores devem atentar para que a competitividade não se torne algo negativo na vida da criança. Afinal, uma coisa é ter motivação para competir sempre e outra é querer ganhar sempre ou ser o melhor em tudo sempre. É neste ponto que se encontra a competitividade saudável e a tóxica.

Se a criança se frustra com qualquer coisa é importante que os pais passem a observar este comportamento e trabalhe com elas uma mudança interior e exterior mostrando-lhes exemplos de atletas e pessoas que vivem ganhando e perdendo competições. A vida é uma constante competição entre o bem e o mal e as crianças assimilam isso desde cedo.

Elas aprendem isso nos contos de fadas ou nas demais histórias que são contadas para elas sobre quem vai vencer no final da historinha, até torcem pelo herói que muito sofre.

Numa competição vencer é bom e todo mundo gosta quando atinge os seus objetivos e conquistas, porém quando a competitividade é exagerada e passa por cima do outro, desrespeita as normas da competição, falta empatia, passam por cima da solidariedade e da cooperação ela se torna algo negativo, tóxico para a criança e para as pessoas que estão ao seu redor.

Nas escolas, ainda que existam competições, os professores devem incentivar a cooperação, a solidariedade e a empatia com as crianças.

Comparar notas, dar estrelinhas para os melhores da turma, desvalorizar os que não vão bem nas disciplinas, sempre colocar um vencedor nas atividades ou procurar sempre um aluno melhor do que o outro pode ser uma competitividade tóxica que tem o feito contrário à motivação, desestimulando as crianças e os colocando um contra o outro, causando transtornos na autoconfiança, autoestima e autocuidado.

Para os pais é importante fazer cobranças exageradas. O importante não é o resultado, mas a participação da criança no evento. A sua coragem e força de vontade de competir sem ter vergonha dos demais amiguinhos.

Comparar a criança a outras crianças pode torná-la insegura e numa situação desconfortável. Transferir os seus desejos e expectativas para a criança pode ser bastante prejudicial. Se a sua criança participará de alguma competição o importante é apoiá-la no que precisar, mas não incentivá-la que só a vitória vale.

Ademais, numa competição o aprendizado e a experiência valem mais do que a vitória e isso é que deve ser ensinado à criança para uma relação saudável diante da competitividade. Muitas vezes o perdedor é alguém que se dedicou muito, se esforçou muito, quis muito, mas não conseguiu por algum motivo que não cabe ficar procurando.

O importante mesmo é sempre competir, dizer para a criança estudar mais, treinar mais que existirão outras oportunidades e que nem sempre vence o melhor. Às vezes o melhor pode não estar num dia bom, afinal todos nós temos dias bons e ruins.

Nós adultos devemos ensinar para as crianças que o espírito de equipe e de cooperação devem sempre prevalecer e que os esforços de todos precisam ser valorizados independente do resultado final. Ensine a sua criança a parabenizar o seu adversário vencedor, isso faz parte da empatia e da solidariedade no esporte.

A criança que é ensinada na escola e em casa a competir com espírito de cooperação e solidariedade crescerá preparada para os desafios da vida contemporânea. Ela não ficará extremamente triste com uma perda.

Na vida, as crianças vão se deparar com muitas perdas e isso precisa ficar claro desde a tenra idade. O melhor é que elas aprendam a competir para superarem os seus medos e ansiedades diante das perdas, e saibam desde cedo que o importante é a participação é o espírito competitivo. A dedicação aos estudos e ao esporte, ou seja, qual for a modalidade da competição não vai torná-la melhor do que as outras crianças.

Uma criança que esnoba do fracasso do seu amiguinho em sala de aula, que se torna logo cedo a “mais sabida” da turma como dizem as demais crianças e passa a ter comportamentos de egoísmo e ambição acaba prejudicando a sua formação enquanto cidadã com valores e virtudes morais.  Toda criança deve ser ensinada a ter empatia pelo outro, seja ele quem for, principalmente se for o amiguinho da sala de aula que não consegue sucesso no ensino-aprendizagem.

O ideal é que o professor ao invés de incentivar competição oferecendo estrelinhas para os melhores da turma, incentive que aqueles que são melhores em determinadas disciplinas ajudem os demais que sentem dificuldades sendo uma espécie de monitores e ajudando na sala de aula o ensino-aprendizagem. Muitas vezes o aluno que não consegue um bom desempenho escolar traz sérios problemas de casa ou até mesmo pode ter algum problema emocional que o impede de aprender o que lhe é ensinado com sucesso.

Na verdade, há diversas formas de ensinar as crianças a serem competitivas. Alguns pais não gostam de expor os seus filhos a coisas competitivas, já tem outros que acham ser uma boa lição de que eles vão levar para a vida adulta. Acredito que todos os pais e professores devem saber a dose certa para uma criança competir com confiança e saber aceitar o resultado. Não basta apenas ganhar é preciso saber participar.

Para finalizar eu deixo vocês com os versos do meu poeta português Fernando Pessoa do poema intitulado “Liberdade” que nos diz “Grande é a poesia, a bondade e as danças… /  Mas o melhor do mundo são as crianças, /  Flores, música, o luar, e o sol, que peca / Só quando, em vez de criar, seca”.

Que toda criança possa ser grande na arte de viver e nas competições que a vida lhe trouxer para saber ganhar ou perder, o importante é o existir além da vitória, nas nuvens, nas ondas do mar, num espanto do peixinho na beira do rio a pular para ver o seu olhar assustado. Viva as crianças!

Jogos cooperativos ensinam crianças a conviver em grupo. Projeto “Jogos Cooperativos” melhora o desempenho escolar dos alunos, unindo Educação Física à Língua Portuguesa. Assista!

Autora: Rosângela Trajano

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