Faça como o presidente: beneficie seu filho

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Cuide, proteja e preserve o meio ambiente.
Essa é a maneira mais indicada de beneficiar seus filhos.

Numa única semana, entre tantos disparates e verborreias, – por sinal, algo típico nos dias atuais – ouvimos do senhor presidente da República do Brasil, acerca da intenção de indicar um de seus filhos para o cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos, a seguinte afirmação: “Pretendo beneficiar um filho meu sim”.

Polêmicas à parte (e aqui não é o espaço mais indicado para discuti-las pormenorizadamente), mas guardando as devidas diferenças e indo, pois, direto ao assunto, ouso crer – imbuído de mínima pretensão – que, se o presidente da República pode fazer isso, nós também podemos fazer o mesmo.

Todavia, é óbvio que, como não temos nem o poder e tampouco a jactância demonstrada pelo Chefe da Nação de indicar e nomear quem quer que seja para qualquer embaixada, tenha ou não esse indicado a “capacidade” de fritar hambúrguer ou de falar (fluentemente?) inglês – ainda que o idioma oficial da diplomacia seja o francês – reafirmo aqui, desde já, a intenção de consolidar um grande (porém modesto, é claro) movimento direcionado a beneficiar cada um de nossos filhos/filhas, a partir da impostergável necessidade de preservar o meio ambiente e de cuidar da natureza: cada qual a seu modo próprio.

Isso mesmo: qual tal começarmos uma ampla campanha com o seguinte slogan: BENEFICIE SEU FILHO: PRESERVE O MEIO AMBIENTE! É esse o chamado: algo muito simples, direto e objetivo.

Beneficie seu filho e proteja o meio ambiente, afinal de contas, a nossa espécie está agredindo a Terra de diversas maneiras estúpidas: i) pelos alimentos modificados e dotados de resíduos de agrotóxicos (herbicidas, inseticidas e pesticidas) acima do permitido com que nos alimentamos; ii) pela água das nascentes que comumentemente sujamos e contaminamos com resíduos químicos; iii) pelo ar cada vez mais poluído que diariamente respiramos por conta do uso de nossos carros; iv) pelo tipo de economia de descarte que praticamos – nunca houve tanta derrelição como agora.

Beneficie seu filho e cuide da Casa Comum em que todos moramos porque, dito às claras, nossas ações nos condenam, afinal, estamos esgotando tudo aquilo que encontramos pela frente. Nos últimos trezentos anos extraímos mais recursos naturais que em toda a história da humanidade. Nos últimos 150 anos conseguimos extrair a exaustão minério de ferro, manganês, bauxita, cassiterita e enxofre. Apenas nas últimas oito décadas a comunidade humana extraiu mais cobre, vanádio, nióbio, grafita e tântalo, desde que a vida surgiu na Terra, há 3,5 bilhões de anos. E apenas nos últimos cinquenta anos, pasmem, foram poluídos mais rios, lagos e mares desde o momento inicial em que o animal homem, taxonomicamente classificado de sapiens, colocou seus pés na Terra.

Beneficie seu filho sim e “ampare” (metaforicamente falando, é claro) com todo o cuidado possível a biosfera, porque a verdade é uma só: não estamos sabendo lidar com o planeta que nos acolhe. Dito em linguagem modesta, estamos aumentando impiedosamente a devastação sobre o meio ambiente.

Exemplo? Somente em relação aos quatro ecossistemas que fornecem nossos alimentos – florestas, pradarias, oceanos/pesqueiros e terras agrícolas – nos últimos 70 anos todos foram expostos à profunda devastação. E mais: durante esse mesmo período de tempo, das 17 reservas pesqueiras conhecidas, 11 delas, hoje, possuem taxas de retirada maior do que a capacidade de reposição. Especificamente em relação aos oceanos – o maior dos ecossistemas – dados divulgados pela FAO/ONU apontam que até 2048 não mais se poderá tirar de lá algum alimento significativo devido à taxa de extração exagerada que esse ecossistema vem sofrendo.

Beneficie seu filho e trate com muito respeito e até mesmo elevada veneração todo o espaço natural que os humanos habitam, porque a nossa espécie, na verdade, Homo imprudentes, está “engolindo” numa velocidade assustadora quase todos os recursos facilmente disponibilizados ao consumo.

Atualmente, 75% dos estoques mundiais das espécies de peixes mais vendidas no mundo estão no limite da sua capacidade de recuperação ou além desse limite. Algumas espécies como o bacalhau, o hadoque, o badejo e o linguado caíram 95% no Atlântico Norte. Em apenas 30 anos, de 1970 a 2000, as espécies de água doce diminuíram 28%, e as marinhas, 27%. No oceano aberto, onde os barcos que praticam pesca de arrastão se movimentam sem restrições, quantidades de merluza, mero, peixe imperador, atum de barbatana azul e tubarões enfrentam grandes problemas para se reproduzirem. 

Para os céticos que, a exemplo do senhor presidente da República, insistem em desqualificar (sem conhecimento de causa) quase todos os dados de devastação ecológico-ambiental, cabe dizer, especificamente em torno desse assunto, que os números são assustadores: de 1950 até os dias de hoje, a pesca total em águas abertas e abrigadas passou de 20 milhões para 95 milhões de toneladas métricas – um aumento de 375%.

Beneficie seu filho e ajude, de toda e qualquer forma possível, a preservar as áreas florestais, sabe por que? Porque nossas economias, empenhadas na política do crescimento a qualquer custo, estão devastando essas áreas com muita velocidade e sem nenhum senso de reparação. A constatação aqui, como em outros casos já citados, é odiosa: se no início do século XX a área florestal no mundo era estimada em 5 bilhões de hectares, hoje, essa área encolheu para 2,9 bilhões de hectares. Apenas num curto período de 5 anos, de 1990 a 1995, a perda de área florestal nos países em desenvolvimento atingiu, em média, 13 milhões de hectares por ano, ou, em geral, 6,5% de suas florestas a cada década.


As consequências? Simples também de ser entendida: deterioração ambiental crescente; algo evidenciado cada vez mais no esgotamento do capital natural (solos aráveis, rios, mares, florestas, polinização, fauna, flora e outros) com o consequente empobrecimento biológico da Terra.

E mais: somente nas últimas cinco ou seis décadas, de acordo com a Avaliação Ecossistêmica do Milênio, 20% dos recifes de corais do planeta foram destruidos (até 2030, 60% deles já não mais existirão), e outros 20% estão completamente degradados. Num período de apenas 30 anos (1950 a 1980), mais terras foram convertidas em lavouras do que em 150 anos, isto é, de 1700 a 1850; além disso, 35% das áreas de manguezais foram perdidas nos últimos tempos.

Conquanto, os dados odiosos não param por aí. Em todo o planeta, nada menos que quatro bilhões de hectares de terras firmes se encontram degradadas (vale dizer, já perderam a camada superior do solo).

Nos últimos 100 anos, as atividades humanas multiplicaram a extinção de espécies (fauna e flora) numa velocidade que causa espanto e indignação. Serve de exemplo: 30% dos anfíbios, 25% de coníferas, 21% de mamíferos e 12% de aves. Há mais dados severos: uma em cada oito das 9.946 espécies de aves no mundo; uma em quatro das 4.763 espécies de mamíferos e quase um terço de todas as 25 mil espécies de peixes, conforme consta no “Livro Vermelho das Espécies Ameaçadas”, estão atualmente sob ameaça de extinção.

Ajude a conservar a natureza, proteja o meio ambiente e, assim, beneficie cada um de seus filhos, porque o momento atual exige de todos nós redobrada atenção, afinal, o engenho humano tem promovido, a toque de caixa, uma drástica mudança física na Terra por uso inadequado e totalmente fora dos limites planetários.

Atente-se agora para o nosso caso em particular. O Brasil continua sendo o país que mais desmata no mundo, e vale repetir, apesar do excelentíssimo senhor presidente da República, sem prévio conhecimento, contestar dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, INPE, órgão vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, que através de imagens obtidas via satélite com o nível de precisão de 95%, faz o monitoramento da Amazônia desde 1988. Por conta dessas imagens, confiáveis e reconhecidas pela comunidade científica internacional, os brasileiros e o mundo sabem que, de 1º a 30 de junho do corrente ano, foram destruídos 920,4 km² de floresta amazônica no território brasileiro, contra 488,4 km² no mesmo mês em 2018.

Faça como o presidente do Brasil e beneficie sim o seu filho, a sua filha e os seus herdeiros, procurando deixar um ambiente saudável, equilibrado e seguro para todos eles porque a situação da causa ambiental por aqui, fácil de ser percebida, não está nada boa. Sabe-se que há um total de 627 espécies de animais e 472 de plantas que correm o risco de não mais constar do mapa de biodiversidade brasileira. Dessas espécies, cerca de 160 são peixes, 70 são mamíferos, 20 são répteis, 130 são invertebrados terrestres e 160 são aves. Dessa gravíssima perda de biodiversidade, a maior parte está na Mata Atlântica, da qual restam apenas 27%. Já da Caatinga, restam 63%; dos Pampas, 41%; do Cerrado, 60%; da Amazônia, 85%; e do Pantanal, 87%. A diferença desses percentuais, por dedução óbvia, já foi estupidamente destruída desde há muito tempo.



Nada pode ser superior à defesa da vida. Se o aumento produtivo dos dias de hoje vem ocorrendo na contramão do equilíbrio ecológico, afetando sobremaneira a qualidade social da vida humana e aproximando-nos assim de um perigoso colapso ambiental, acelerando de vez o impasse civilizatório, somente nos resta com alguma coragem engendrar um percurso diferente de tudo o que fizemos até agora.

Proteja e preserve o meio ambiente e beneficie todos os seus filhos, tendo em vista que a realidade atual é tenebrosa e preocupante: quase um quarto de todas as mortes no mundo, pasmem, são causadas por riscos ambientais, como ar poluído, água suja, locais de trabalho arriscados e estradas perigosas, de acordo com estudos produzidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Dados divulgados pela mesma OMS estimam que, de 12,6 milhões de mortes ocorridas no mundo em 2012, cerca de 23% desse total foram atribuídas a esses fatores, desencadeado principalmente pelo modo como avançam as economias industriais; isto é, sem qualquer respeito aos limites ecológicos do planeta.

Por fim, beneficie sim todos os seus descendentes, porque, no fundo, não estamos nem à direita e nem à esquerda nessa sempre candente discussão política do momento; estamos (e somos) da Terra, e estamos à frente.

Somos etimologicamente “húmus”, cujo significado é “terra fértil, fecunda”, originando as palavras homem/humano. Temos íntima relação com a natureza: somos formados por 20 aminoácidos e quatro ácidos nucleicos, e nada mais. Todos os seres vivos, sem exceção, utilizam esses 20 aminoácidos para fabricarem todos os tipos de proteínas de que necessitam. Todos os seres vivos do planeta Terra – homens, pássaros, peixes, vermes, minhocas, árvores, insetos, animais, plantas – são feitos basicamente de átomos de carbono, nitrogênio, hidrogênio, oxigênio e alguns outros elementos em menor quantidade.

Há muitas semelhanças entre nós, a natureza e os animais, sem contar a dependência mútua existente. Natureza, homem, fauna e flora convivem, metaforicamente, sob a mesma regência. É isso o que precisa ficar claro.

Portanto, trocando em miúdos, somos uma só raça com condições de habitar esse único planeta com possibilidade de fazer a vida prosperar. Cuide, proteja e preserve o meio ambiente. Essa é a maneira mais indicada de beneficiar seus filhos.

Economista, ativista ambiental e Mestre em Integração da América Latina pelo Programa de Pós-Graduação Integração da América Latina (PROLAM), da Universidade de São Paulo (USP). Autor de Economia destrutiva (CRV, 2017) e Civilização em desajuste com os limites planetários (CRV, 2018). prof.marcuseduardo@bol.com.br

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