Ensino remoto: narrativa a ser desconstruída

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“A escola invadiu nossas casas, ‘desacomodou’ alguns
‘cômodos’ e espaços; continuamente nos desafia,
nos colocando em crise, mas, dentro de nossa alma
sobrevive questionando e dando
sentido para o existir docente”.



A segunda quinzena de Março deste inusitado 2020 marca a história docente, pois, deu início ao “isolamento” social no Brasil e a diversas iniciativas para manutenção de vínculos entre estudantes e escolas, digo isso entendendo que a prioridade deste tempo não deveria consistir na oferta de conteúdos para vencer planejamentos e “cumprir com a tarefa letiva”.

Quem de nós podia prever os desafios deste tempo?

Não era para ser assim.

Quem se preparou para um ensino remoto via plataforma Google Classroom adotado pela rede estadual? Não prevemos, pois a vida é uma experiência inédita, o que segue é uma tentativa de registro da práxis, cujo objetivo é significar, repensar, redirecionar e compreender as implicâncias políticas que trasbordam desta realidade.

Estando em “isolamento” e impossibilitados de frequentar o espaço geográfico da escola, os estudantes precisaram de meios para manutenção dos vínculos com a instituição e com as aprendizagens próprias de cada componente curricular e de cada segmento.

O uso da tecnologia que até então era “negligenciado” por grande parte das instituições foi proposto como principal alternativa.

Tecnologias são aliadas da educação.

Não demonizamos as tecnologias e ferramentas do mundo digital, mas é nosso dever questionar a eficácia do que se convencionou chamar de ensino remoto.

Observando as porcentagens baixíssimas das devolutivas dos estudantes, precisamos avançar na concepção política que gera e alimenta o ensino remoto na rede estadual de ensino.

Todas as famílias possuem acesso e dominam o uso das ferramentas digitais? Qual é o significado real da exigência desta modalidade de ensino para os professores que precisam aprender em caráter de urgência o uso de diversas ferramentas, a aplicação de metodologias ativas para o meio digital, submissão às burocracias que excedem a carga horária de contratados e concursados? Qual é a concepção de educação que perpassa as ações dos gestores públicos?

Para mencionar um exemplo, em uma turma de 33 alunos, contei o máximo de 7 devolutivas. As participações dos estudantes no Google Meet são desanimadoras, em algumas turmas dou aula para um estudante, em outras dois, quatro, seis.

Em uma das escolas que trabalho fui orientado a, na ausência do estudante, gravar uma vídeo aula e disponibilizar no Google Classroom, então o que deveria ser uma experiência interativa em tempo real “síncrona” converte-se em uma aula “assíncrona” que “talvez” será acessada.

As porcentagens de acesso e devolutiva de atividades são computadas e registradas, o que significa mais um dos muitos trabalhos burocráticos que competem aos docentes, há muito sobrecarregados e silenciados pelo sistema que desconsidera a condição de sujeito dos docentes da rede.

Considerando as porcentagens e a experiência que temos vivenciado, entendemos que o ensino remoto não responde as exigências da equidade no acesso ao ensino público, visto que a inclusão digital deveria anteceder o todo da proposta; também é necessário pensar que essa forma de “fazer docente” compromete a qualidade do ensino/ aprendizagem, o destitui de sua tarefa política que consiste em oferecer uma sólida formação humana e cidadã, esperança que pode transformar a vida de muitos adolescentes e jovens.

“As diferenças que assolam o ensino público no Brasil ficaram ainda mais evidentes e, especificamente no RS, evidenciaram o descaso que a escola pública está imersa. Enquanto professora da rede estadual de Passo Fundo, me vi tendo que reinventar o modo de dar aula com as ferramentas tecnológicas disponíveis e compartilhar uma angústia coletiva de uma categoria que não tem o devido reconhecimento de grande parte da sociedade e muito menos dos governantes”. (Eduarda Dal Pozzo, professora de Língua Portuguesa e Literatura). Leia mais aqui.

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