Em educação, tudo tem seu tempo

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“O diálogo cria base para colaboração” (P. Freire)

Considerando os impactos e o agravamento das desigualdades educacionais e tecnológicas na pandemia e as dificuldades dos governos no seu enfrentamento, é pertinente implementar reformas curriculares (BNNC, RCG e “Novo” Ensino Médio) neste contexto e momento sem a participação de toda comunidade escolar?

No recente balanço dos 7 anos do PNE 2014-2021, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação demonstrou que o mesmo “não está sendo cumprido. No lugar dele, são colocadas uma série de políticas públicas que vão na contramão do que ele preconiza: políticas discriminatórias, excludentes, de censura, e de esvaziamento da escola como lugar vivo, democrático, transformador e livre. Assim, o descumprimento do Plano Nacional de Educação está no centro da barbárie que toma a educação nacional”.

Outra publicação do Movimento Todos pela Educação e Human Rights Watch Brasil aponta que a interrupção das aulas presenciais por conta da pandemia está causando um retrocesso profundo e cruel na educação brasileira, com graves repercussões na desigualdade educacional, no aprendizado escolar e no sistema de proteção alimentar, física e socioemocional de milhões de crianças e jovens.

A pandemia da Covid-19 afetou a educação de milhões de crianças e adolescentes em todo o mundo, mas a resposta desastrosa do governo brasileiro a ela piorou dramaticamente seu impacto sobre os brasileiros, afirmam aas entidades acima citadas. Portanto, a prioridade e emergência neste momento, do governo federal, dos governadores e prefeitos, não deveria ser envidar esforços e alocar recursos para o combate das desigualdades, da evasão escolar e das condições de trabalho e estudo dos educadores e estudantes?

O Ministério da Educação tinha para a Educação Básica orçamento de R$ 48,2 bilhões para 2020, mas gastou apenas R$ 32,5 bilhões, o menor valor desde 2011. O MEC também reduziu verbas do Programa Educação Conectada, voltado à universalização do acesso à internet de alta velocidade na educação básica. Segundo o relatório da comissão da Câmara mencionado acima, apenas R$ 100,3 milhões foram empenhados para o programa, menos da metade dos recursos efetivamente utilizados no ano anterior.

Enquanto escolas, estudantes, professores e pais se empenham para fazer frente aos novos desafios emanados da pandemia – como a garantia do direito à educação e aprendizagem de todos estudantes -, o MEC, CNE, CONSED e entidades elegem a implementação de uma reforma curricular – no caso a BNCC, do RCG e do “Novo” Ensino Médio -, como a solução mágica para a crise educacional. Trata-se de um duplo erro: a reforma não resolverá os problemas causados pela pandemia e desorganizará o que está funcionando apesar do contexto.

A questão que precisamos discutir coletivamente é como implementar mais uma reforma com as escolas fechadas desde março de 2020, sem discussão com estudantes – sujeitos principais da reforma – e com professores preocupados e focados com a transposição das aulas presenciais para plataformas sem domínio dos professores e estudantes. E pior, a pandemia continua com uma média de 2.500 mortes por dia. Vamos ignorar e naturalizar a morte em nosso cotidiano?

Todas nossas energias institucionais e docentes estão voltadas para dar conta das aprendizagens teóricas e práticas, em meio a presencialidade parcial e virtualidade. Forçar a implementação de mudanças, sem a totalidade da comunidade presente e participando do processo é temerário, senão, ausência de sensibilidade e pertinência.

Neste sentido, o Observatório do Ensino Médio do RS propôs ao Conselho Estadual de Educação que a suspensão da “implementação do Novo Ensino Médio durante a pandemia para ampliar escuta e o debate” e um tempo maior para análise do RCG, com realização de audiências públicas pelo CEEd/Seduc com a sociedade, escuta efetiva dos estudantes e jovens, diálogo com educadores e pesquisadores em cada área do conhecimento.

Toda reforma curricular requer duas condições prévias: plano de formação docente e plano de implementação, investimentos e condições para a finalidade que se propõe. Nenhuma destas condições foram providenciadas e, no contexto de fracasso de enfrentamento da pandemia e de desinvestimentos governamentais em plena crise sanitária, tal ausência de planos comprometem a própria reforma, também candidata ao fracasso.    

Há evidências que a formação dos jovens é permeada por disputas e tem se apresentado na educação brasileira de múltiplas formas, sendo a do ensino médio e da educação profissional as mais visadas. Nas últimas cinco décadas (desde 1970), diversas propostas e ideologias reformistas foram testadas – a maioria fracassou –, mas, persistimos na descontinuidade de políticas e programas a cada governo e, o mais grave, sempre culpabilizando a escola, os professores e os próprios jovens pela falta de comprometimento.

Com narrativa de protagonismo juvenil e autonomia dos estudantes para escolher cinco opções de itinerários, já temos evidências que as mantenedoras e escolas oferecerão, no máximo, duas opções já preestabelecidas. Logo, não haverá possibilidade de opções nem protagonismo juvenil, cuja evidência é a ausência dos jovens estudantes nas discussões e definições em curso e pela necessidade do distanciamento social.

Essa realidade de exclusão e desigualdade escolar de jovens-adolescentes requer um projeto estrutural de escola pública, universal, para todos, com investimentos nas condições de ensino, formação e valorização dos professores, escuta e participação dos estudantes. A escola deve ser um espaço de vida, de cultura, de formação integral, de cidadania e democracia, de alegria e de fazer amigos.

“Quem exagera o argumento prejudica a causa dizia Hegel e a escolha do momento adequado é fator preponderante para o sucesso ou fracasso da reforma. As reformas podem esperar, até porque a vida e a rotina dos estudantes já estão impactadas pelas crises que os atingem diretamente. Educação é processo coletivo e tudo tem seu tempo.

Esta é a segunda publicação neste site. Em outro texto, abordamos a temática da decência na perspectiva ética. “A partir da ruptura social, aprofundada pela Covid, é preciso repensar o papel do ser humano na Terra. Precisamos deixar de nos ver como o centro do mundo e apostar mais na promoção de valores coletivos e universais. Somente assim superaremos esta profunda crise”.  Leia mais!

Autor: Gabriel Grabowski

Edição: Alex Rosset

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