Em defesa da Escola

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Os recentes tempos de pandemia e de isolamento social se tornaram oportunos para discutirmos sobre o sentido da escola e seu papel no atual cenário civilizacional.

Há um consenso entre os intelectuais que estudam sobre o desenvolvimento sustentável que não se pode falar em modernidade ou em sociedades desenvolvidas sem associá-las ao processo educacional e ao nível de escolarização. De fato, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que mede o nível de desenvolvimento humano dos países, utiliza como um dos mais importantes critérios o indicador da educação (alfabetização e taxa de matrícula), ao lado da longevidade (esperança de vida ao nascer) e de renda (PIB per capita). Isso significa que não teremos uma sociedade humanamente desenvolvida sem a forte presença de uma escola de qualidade.

Em seu instigante ensaio Em defesa da escola: uma questão pública, os pesquisadores belgas Jan Masschelein e Maarten Simons (2017) acertadamente ressaltam que “embora a escola tenha sempre permanecido como um símbolo de progresso e de um futuro melhor, suas origens não são sem máculas”. 

De fato, não faltaram críticos à escola que a denunciaram como culpada de más ações, de ser um lugar de alienação, de não preparar os alunos para a “vida real”, de não preparar para “o mercado de trabalho”, de não “proporcionar aos jovens uma ampla educação geral”, de não se abrir suficientemente para as demandas sociais ou de não fazer uma conexão real com o mundo.

Alguns críticos chegam a acusá-la de ser culpada por várias formas de corrupção, por abusar de seu poder, por promover “mecanismos sutis que reproduzem a desigualdade social”, por estar a serviço do capital econômico e por ter sido cooptada por aqueles que só tem a ganhar como o status quo da sociedade desigual. Há ainda os que criticam a escola por ser desmotivadora da juventude, porque ela está repleta de “professores chatos” que aborrecem os jovens ou de professores populares “que não ensinam nada aos alunos”.

Não podemos deixar de mencionar os representantes do “tribunal econômico” que acusam a escola por ser ineficaz no que tange a empregabilidade de seus alunos, por não ter “senso de negócios e espírito empreendedor”.

Todas estas acusações à escola sintomaticamente tem encontrado cada vez mais ressonância nos espaços da grande imprensa, nas redes sociais, nos discursos empresariais, na retórica de alguns políticos e tem sido absorvidas pelo grande público.

Assim, tacitamente está se constituindo uma opinião coletiva que a escola de fato está ultrapassada e necessita ser reformada para servir a estrutura social, ao sistema econômico e a formação/treinamento de futuros trabalhadores/consumidores para que sejam “produtivos” e “eficientes”.

A pandemia e o isolamento social, em que da noite pro dia todas as escolas foram fechadas, puseram em pauta a centralidade da escola e sobre a importância do seu funcionamento. Acompanhei muitos relatos de pais desesperados por não saber como lidar com os filhos que agora não estão mais formalmente na escola. Alguns perderam sua creche gratuita para depositar os filhos e assim ficarem “despreocupados para trabalhar” ou para “curtirem a vida”.

As aulas remotas e o uso das plataformas digitais foram um paliativo frágil para substituir temporariamente esse período de isolamento. Mas seria desesperador imaginar que devem durar para sempre. Me arisco a dizer que as tecnologias são incapazes de substituir a dimensão presencial da formação escolar, pois existe uma dinâmica de socialização, de interatividade, de desenvolvimento de valores que nenhuma tecnologia é capaz de substituir ou compensar.

Se enganam aqueles que acreditam e defendem que educação é somente passar conteúdos, treinar habilidades e ser bem avaliado em testes de larga escola. Educar é uma atividade complexa da ação humana que implica um conjunto de valores, de conhecimentos, de capacidades, de compromissos que nem sempre o dinheiro é capaz de comprar.

Se tivéssemos lucidez suficiente sobre o valor de educar, certamente colocaríamos a educação dos filhos como prioridade central das nossas atenções afetivas, políticas, sociais e econômicas.

Autor: Dr. Altair Alberto Fávero

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