Educação e escolarização na era digital

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De que forma nossas crianças podem fazer uso das tecnologias sem que se tornem escravos e dependentes delas? Existe uma idade certa para colocar a criança em contato com as tecnologias?

Quando se trata da comunicação, não estamos limitados por fronteiras geográficas como há séculos atrás. A internet revolucionou os relacionamentos, bem como a produção e divulgação de conteúdos que ganhou o reforço e a velocidade que nunca imaginaram nossos pais e avós.

A espera por informações que chegavam em uma carta enviada pelos correios cedeu lugar a segundos de um clique no WatsApp ou no Messenger, a própria escrita cedeu lugar a mensagens de voz motivadas pela pressa do emissor.  A educação e a escolarização de nossas crianças e adolescentes não fica de fora dessa realidade marcada pela facilidade, velocidade e fluidez. 

Ano passado, a pandemia da Covid 19 escancarou, dentre outras situações, a necessidade de pensarmos no uso das tecnologias para a educação e escolarização de crianças, adolescentes, jovens e adultos. Entendemos, para fins deste escrito, que a educação acontece no seio familiar e é reforçada pela escola que oferece acesso a ampla cultura produzida pela humanidade, neste sentido professores reforçam através do ensino de conteúdos valores já presentes, e por vez assimilados desde a tenra idade dos educandos.

Como fazer o uso equilibrado das ferramentas tecnológicas, como não desvalorizar o essencial dos processos formativos, a interação humana que ocorre no contato, no encontro de olhares que se compreendem em suas necessidades, ânsias, angústias e esperanças?  

De que forma nossas crianças podem fazer uso das tecnologias sem que se tornem escravos e dependentes delas? Existe uma idade certa para colocar a criança em contato com as ferramentas do” mundo digital”?

Antes de ensaiar algumas respostas para essas problemáticas quero evidenciar que esse texto é desprovido de intenções doutas, mas tem como objetivo partilhar ” dicas” para a educação e escolarização.

É importante ressaltar que esse olhar indutivo pode destoar de conceitos da psicologia infantil e da experiência daqueles que vivem a missão de paternar e ou maternar.  Desejo que após sua leitura revisite suas vivências, suas concepções de formação humana e as teorias que fundamentam suas práticas, para então, elaborar seu parecer e enriquecer essa partilha.   

O contexto que estamos vivendo há mais de um ano, nos apresenta inúmeros desafios para a educação tanto no âmbito familiar quanto no âmbito escolar.  Sem a pretensão de esgotar o assunto interrogado acima expomos a seguir o que vai fundamentar a exposição do que convencionamos chamar de ” dicas” para bem educar.

“O ensino remoto tem seus problemas, porém uma coisa podemos afirmar: aproximou pais e filhos”. (Rosângela Trajano) Leia mais!

Entende-se por educação um processo que se inicia desde o ventre materno, segundo teorias da ciência o bebê escuta desde a 20º semana de gestação e já cria vínculos com o som da voz de seus pais, sendo assim o que escutamos antes do nascimento, pode interferir em nossos gostos e comportamentos, segundo o canal Danone Nutrícia:

Mesmo antes de as crianças falarem as primeiras palavras, a escuta da linguagem altera a percepção dos sons da fala. Embora no nascimento os efeitos sejam pequenos e sutis, após os seis meses os bebês começam a mostrar clara preferência pela linguagem. No entanto, o aprendizado de um idioma começa muito antes. Durante o desenvolvimento no útero, o cérebro sofre alterações que podem ser influenciadas em algum grau pela fala a que estão expostas. O bebê não apenas começa a aprender um idioma e suas nuances, mas aprende as características específicas da voz da mãe[1]”.

Deste ponto de vista ouvir boas músicas, ler histórias para o bebê ainda no ventre, pode ser, mesmo que de forma sutil, útil para o desenvolvimento de crianças apaixonadas pelo mundo da leitura, com habilidades e competências que contribuem na escolarização dos pequenos. Para bem educar seu filho (a) apresente-o (a) para os livros, leia para eles e com eles, incentive com seu exemplo. Opte por contos de fada, histórias que contemplem a magia, visto que precisamos acreditar em um outro mundo possível, desenvolver mística e espiritualidade que nos ajudem suportar as agruras da realidade.

Para essa primeira dica tomamos como significado para magia o que nos informa o dicionário Aurélio, segundo esse “magia é a arte, ciência ou prática baseada na crença de ser possível influenciar o curso dos acontecimentos e produzir efeitos não naturais, valendo-se da intervenção de seres fantásticos e da manipulação de algum princípio oculto supostamente presente na natureza, seja por meio de fórmulas rituais ou de ações simbólicas”. 

A humanidade carece dessas leituras, a natureza “geme em dores de parto (Rm 8,22) aguardando o nascimento de uma nova consciência. Essa novidade depende também da educação familiar e escolar, de atitudes pautadas na admiração e no respeito por todas as formas de vida.

Essa formação que julgamos iniciar no ventre materno, não se conclui com a alfabetização, nem com o final da educação básica e ou escolha de uma profissão. Ao contrário, entendemos que o ser humano está aberto a múltiplas possibilidades que se apresentam ao seu ser, como já defendiam alguns filósofos existencialistas, dentre os quais salientamos Kierkegaard, Heidegger. 

Essa concepção de formação também está em sintonia como o filósofo, pedagogo e sociólogo Paulo Freire que costumava dizer “Gosto de ser gente porque, inacabado, sei que sou um ser condicionado mas, consciente do inacabamento, sei que posso ir mais além dele[2]”.  Essa ideia da inconclusão deve permear nossa formação desde a socialização primária, que ocorre no seio da família e se estende para as outras instituições tornando-se secundária, e terciaria se levarmos em conta os espaços virtuais de encontro.

Falando em espaços virtuais de encontro e vivendo uma escolarização que tem perpassado o uso das tecnologias precisamos pensar, repensar e reelaborar a compreensão que temos dessas, como já enunciamos aqui são ferramentas e precisam ser utilizadas como tal, não substituem o diálogo face a face, não tomam o lugar da atenção e do cuidado que precisa ser dado por pais e professores. Um celular e ou tablet não deve ser usado como consolo para lágrima, nem como anestésico para crises infanto juvenis, pelo contrário tal uso deve ser evitado, visto que não traz benefícios nem para a saúde e nem para a socialização indispensável na educação e escolarização.

A esse respeito existem algumas divergências. Não negamos a importância das tecnologias nos processos de ensino aprendizagem, mas questionamos a intensidade e a intencionalidade do uso das ferramentas.

No âmbito familiar é comum que alguns pais presenteiem seus filhos com celulares e tabletes, por vezes a intenção é inserir a criança no contexto de alfabetização digital, ou ainda, igualar o filho a colegas de escola, a outros pares. Infelizmente, na educação familiar, há mãe e pais que usam os equipamentos eletrônicos como distração, consolo diante do choro da criança, em alguns casos isso ocorre ainda na primeira infância. Andrea Ramal falando a redação do G1 enfatiza que:

“Há quem defenda que celulares são objetos só para maiores – é o caso, por exemplo, do filósofo espanhol Enric Puig Punyet, que acredita que os dispositivos digitais não são tão inofensivos como parecem e não deveriam ser usados antes dos 18 anos. Ele próprio integra a tribo crescente dos “desconectados”, pessoas que decidiram apagar seus perfis em redes sociais e desligar a internet. Mesmo sem ir tão longe, cada vez mais estudiosos alertam sobre os riscos envolvidos no uso de celulares por crianças e adolescentes”.

O uso inadequado de celulares, tablets, jogos de entretenimento e de interação online, especialmente por parte das crianças é altamente prejudicial para a educação e escolarização das mesmas; o tempo prolongado em telas causa dependência psicológica, diminui a atenção, em alguns casos reduz o apetite, enfraquece a reação aos estímulos do ambiente, inviabiliza a socialização primaria e secundária o que é altamente prejudicial para o desenvolvimento cognitivo dos estudantes. Isto se torna ainda mais grave considerando que na primeira infância ocorre o desenvolvimento do cérebro, para que ocorra de forma saudável e traga benefícios para a escolarização e formação humana é preciso desplugar das tecnologias, dos jogos e das redes sociais. 

A quem realiza a missão de paternar e maternar é aconselhável brincar com as crianças, conversar com elas sobre trivialidades, fazer perguntas, questionar respostas. Que tal brincar com sua filha e com seu filho de pega –pega, de esconde esconde, amarelinha, resta um? 

A melhor coisa é que as crianças tenham contato com mais brinquedos e brincadeiras que desenvolvam a mente e o corpo, pois é preciso um equilíbrio entre os dois. E que não seja permitido a nenhuma criancinha ficar sentada por horas diante de um aparelho eletrônico sem experimentar o correr, pular e brincar vivendo a sensação maravilhosa de espalhar os brinquedos pela casa toda até se cansar. (Rosângela Trajano) Leia mais!

Que tal recuperar os jogos de tabuleiro, de trilha?  Vocês ainda podem ousar e correr na chuva, fazer bonecos com argila.  No ato de brincar a criança vai descobrindo o mundo, criando laços que fortalecem relacionamentos saudáveis, geram confiança e real desenvolvimento cognitivo. Desconectar pode se converter em um ato revolucionário que trava a aceleração de um vício, visto que para o filósofo espanhol Enric Puig Punyet, “A hiperconectividade é prejudicial à saúde, como o tabaco”[3].  Tendo presente o exposto até o momento concordamos com Andrea Ramal:

“Por tudo isso, vale refletir bastante antes de entregar um celular a uma criança antes dos 12 anos de idade. Isso não significa que crianças de 6 ou 7 anos não tenham grandes competências tecnológicas e que não possam usá-las em atividades de lazer ou de aprendizagem, em casa ou na escola. Mas para ter o próprio aparelho eletrônico, com conexão à web e autonomia de uso, é necessário ter a suficiente maturidade intelectual e emocional. O problema não é a tecnologia – que, em si, não é boa nem má -, mas sim o risco de que a internet se torne o único ambiente a partir do qual se vê o mundo. Moderação, equilíbrio e monitoramento são fundamentais”.

 A escolarização, que nesse momento não ocorre sem o uso das tecnologias precisa utilizar do potencial das ferramentas online, usá-las para colocar estudantes em contato com informações e conhecimentos uteis para a vida. Cabe aos professores priorizarem atividades que possam ser realizadas na presença dos familiares, sugerir atividades de criação, produções artísticas desenvolvem a sensibilidade para lermos o mundo com coerência e de forma amorosa, despertando sonhos de uma outra realidade possível, mobilizando esforços humanizadores. 

Por fim, mas sem a pretensão de encerrar o assunto entendemos que a educação iniciada no ventre materno se estende por toda vida, carece de contatos humanos, de intencionalidade formativa. A escola na sua prática pedagógica fortalece a educação que se recebe em casa, daí a importância do diálogo entre as instituições em que ocorre a socialização da criança. Em alguns casos, podemos afirmar com certeza que se faz necessária a reeducação dos pais para que utilizem de forma adequada as tecnologias e ensinem através da palavra e do exemplo a importância das relações e contatos humanos.

Pistas para aprofundar o tema:

  1. Música Desconecta: https://www.youtube.com/watch?v=3ykXuF9Gz7s
  2. Dicas para departamento infantil: https://www.youtube.com/channel/UC89Ayccl0wJeccKDNFhZTnA
  3. Blogspot: https://ministerioinfantiltiaquelly.blogspot.com/

Então, nesse momento você pode estar se perguntando: como fazer ensino remoto então? Será que é retrógrado manter os pequenos longe das telas? 

Autor: Marciano Pereira

Edição: Alex Rosset

[1] https://www.danonenutricia.com.br/infantil/gravidez/desenvolvimento/vinculo-com-o-bebe-na-barriga-ajuda-na-cognicao Acesso 16/04/2021

[2] Paulo Freire, Pedagogia da Autonomia, 1997.

3. http://g1.globo.com/educacao/blog/andrea-ramal/post/celular-para-criancas-partir-de-que-idade.html

[3] https://brasil.elpais.com/brasil/2017/02/24/tecnologia/1487959523_030409.html

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