Desejos

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Como dizia Sêneca,
“a pobreza não vem da escassez
de recursos, mas da
proliferação dos desejos”.


Há muitos anos, depois da aposentadoria, meu pai se deu de presente um carro importado. Bonito e vistoso, mas claramente exagerado para um sujeito de classe média.

Passado um ano da compra, meu irmão viu estacionado perto de sua casa o recém lançado novíssimo modelo desse mesmo carro que meu pai tinha comprado no ano anterior.

Como sempre, as mudanças eram pequenas. Faróis mais redondos, linhas levemente alteradas, alguma inovação tecnológica no painel com desenho diferente, mais “arrojado”. O que conta mesmo – motor, chassis e lataria – ficam iguais de um ano para outro, mas, o que importa é o impacto da aparência gritando na cara dos outros.

Quando viu o carro ficou impressionado com o luxo e a sofisticação. A frase que me disse, entretanto, é que foi curiosa.

– Vi o novo modelo do carro que o pai comprou. Cheguei a ficar com pena dele dirigindo aquele carro velho.

Sim, como dizia Sêneca, “a pobreza não vem da escassez de recursos, mas da proliferação dos desejos”. Toda a riqueza acima do limite das necessidades é governada pelos desejos, e estes são infinitos e incontroláveis.

Um carro importado, lindo e sofisticado, pode virar pó diante da comparação com uma variedade mais nova e mais moderna. Não é a falta de recursos que o torna velho, mas o desejo despertado pela novidade.

Meu irmão nada disse para o meu pai, mas também acho que ele não cairia no truque.

Apesar de ser admirador de carros charmosos, ele não sucumbiria tão facilmente à armadilha da comparação. Curiosamente, esse carro cheio de símbolos de opulência só lhe ofereceu problemas e dores de cabeça, inclusive o desastre de ter o carro roubado em um assalto à mão armada. Eu havia lhe avisado que seu carro era um “chama-ladrão”, mas parece que o desejo de realizar um sonho infantil foi maior que o bom senso.

Depois desse episódio traumático resolveu refrear seus desejos e voltou a ter carros mais simples, como fazem as pessoas de juízo.

“A sociedade organiza seus meios de produção, seguindo uma lógica de consumismo. Produtos são criados e lançados no intuito de nos convencer de que consumi-los é como uma condição de participar da vida em sociedade. Não consumir determinados produtos é como “estar fora de”, não participar da dinâmica da comunidade global. Daí a necessidade das propagandas, sempre bem elaboradas, criativas, dizendo sempre aquilo que desejamos ver, ouvir e saber” (Nei Alberto Pies). Leia mais aqui.



Sugestões de uma atividade pedagógica – Disciplina Filosofia

Esta atividade pode ser trabalhada com estudantes do Oitavo Ano do Ensino Fundamental ou em turmas do Ensino Médio.

No Oitavo Ano, Unidade temática: Ética. Objeto de Conhecimento: Dilemas éticos: cidadania e consumo responsável Habilidades: (EF08FL01PF03) Pensar sobre conceito de identidade e a relação com a sociedade de consumo para compreender-se e agir com responsabilidade e autonomia.

Questões para pensar criticamente:

  1. Reescreva a crônica “Desejos” ou escreva uma nova crônica envolvendo um objeto de seus desejos, ou desejos de alguém da sua família.
  2. Por que “não é a falta de recursos que torna as coisas velhas, mas o desejo despertado pela novidade”? (por exemplo um celular)
  3. Você entendeu a frase do sábio Sêneca: “a pobreza não vem da escassez de recursos, mas da proliferação dos desejos”? Como interpreta esta frase?
  4. Por que é preciso aprender refrear nossos desejos? Por que não dá para viver escravo deles?



Ricardo Herbert Jones, médico.

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