Democracia e Educação

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Defender a democracia como forma de vida e a escola como espaço de experiências democráticas constituidoras de uma sociabilidade solidária e de respeito a singularidade dos sujeitos significa combater a mentalidade tecnicista que aparelha os espaços escolares para formar mentes e corpos subservientes.

Não resta dúvida de que John Dewey (1859-1952) está sendo reconhecido como um dos mais importantes filósofos e educadores do século XX e que sua obra foi responsável por influenciar processos educacionais e filosóficos de diversos países.

Dewey contribuiu imensamente para a metafísica, a epistemologia, a filosofia da mente, a filosofia da ciência, a filosofia da arte, a filosofia da educação e a filosofia social. Ele concebia o aprendizado como um processo continuo que dura a vida inteira e para tanto, a educação tem um papel imprescindível durante toda a vida humana, uma vez que nosso filósofo/educador acreditava que o mais significativo de um aprendizado é a solução habilidosa de problemas.

A educação para Dewey não é um processo que se limita ao âmbito formal da escolarização.

Em Democracia e educação, uma de suas principais obras, ele faz uma distinção entre educação no sentido geral e a educação formal. Esta (educação formal) é um ambiente controlado e simplificado, onde são simuladas situações sociais para que jovens e crianças possam ser estimulados e guiados para a solução de problemas. A educação geral, por sua vez, resulta das interações normais e pessoais de pessoas que convivem em um determinado contexto.

O grande erro, diria Dewey, reside no falso pressuposto concebido por muitos de que a capacidade de aprender tenha atingido um estágio final de maturação e que, portanto, em uma determinada fase, não há mais necessidade de modificação. Para nosso filósofo/educador todos nós precisamos de educação ao longo da vida, porque a necessidade de buscar uma melhor solução de problemas é um desafio que nunca se esgota.

Historicamente, muitas teorias e escolas educacionais tentaram fixar hábitos de controle comportamental, de atenção, de disciplina, de imitação de habilidades. No entendimento de Dewey, tais teorias e escolas não deram conta da complexidade das experiências formativas e acabaram se tornando uma forma medieval e hierárquica de sociedade que necessitam ser superadas.

Uma sociedade democrática requer um sistema educacional que possa ir além de processos mecânicos de memorização ou de aquisição de habilidades previamente estabelecidas. A efetiva participação de uma sociedade democrática pressupõe muito mais do que a aprendizagem de uma forma de vida fixa postulada por fatos, regras e habilidades estipuladas previamente por uma autoridade, pois uma democracia não pode cair na suposição errônea e perigosa de que há uma lista fixa de informações e saberes ou mesmo de habilidades e competências que permite a um adulto ser bem-sucedido durante toda a vida.

Nas análises de Dewey, essa forma errônea de compreender a educação apartada da vida é resultado de um dualismo que provém de um longo processo histórico e que se instaurou na nossa cultura filosófica e educacional. Por isso, podemos dizer que um dos principais objetivos de Dewey é combater e superar as concepções dualistas que estão presentes nas nossas formas de ver o mundo tais como teoria e prática, mente e corpo, interesse e esforço, trabalho e lazer, juízos físicos e juízos de valor, saber científicos e saber moral, pensar e agir, mundo sensível e mundo inteligível.

Num cenário conturbado em que estamos vivendo, fortemente polarizado pela forma como são apresentados os acontecimentos que estão em curso, tempos em que se coloca em questionamento a democracia, as conquistas sociais e os direitos humanos; tempos em que emergem certos posicionamentos reacionários e que ameaçam o estado de direito; tempos de discurso de ódio, de louvação à irracionalidade; tempos de apologia às armas, de violência física e verbal, de proliferação dos mais perversos preconceitos; o pensamento de John Dewey pode se apresentar como luz para combater o obscurantismo e a decadência humanitária que ameaça a convivência plural, a diversidade e a forma de vida democrática.

Defender a democracia como forma de vida e a escola como espaço de experiências democráticas constituidoras de uma sociabilidade solidária e de respeito a singularidade dos sujeitos significa combater a mentalidade tecnicista que aparelha os espaços escolares para formar mentes e corpos subservientes.

Se almejamos uma sociedade justa, promotora de equidade, sensível aos problemas ambientais e ao combate à pobreza, a concentração de renda, à violência e a todas as forma de preconceito, então necessariamente a escola deve ser um tempo e espaço democrático de humanização, socialização e singularização.

Autor: Dr. Altair Alberto Fávero altairfavero@gmail.com

Professor e Pesquisador do Mestrado e Doutorado do PPGEDU/UPF. Também escreveu: Educação não pode ser reduzida a treinamento: https://www.neipies.com/educacao-nao-pode-ser-reduzida-a-treinamento

Edição: A. R.

1 COMENTÁRIO

  1. Tema relevante, atual e necessário ser discutido e praticado nas escolas e universidades públicas e particulares

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