Democracia e a violência política contra a mulher

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Entrave que se coloca às mulheres que desejam ocupar espaços de poder e decisão é a violência política de gênero. Isso significa que, para além das barreiras históricas para se eleger, quando as mulheres chegam ao poder elas ainda enfrentam muitas dificuldades para manter os cargos conquistados – simplesmente por serem mulheres.

Minhas amigas e meus amigos, é um prazer dispor de mais esse espaço para conversar com todas e todos vocês. E hoje, para inaugurar nossa coluna, gostaria de tratar de um assunto muito importante, que impacta diretamente na democracia: a violência política contra a mulher. Você sabe o que essa forma de violência representa e como ela se manifesta diariamente? Vamos entender, juntas e juntos.

De acordo com o levantamento realizado pela organização Terra de Direitos e Justiça Global, as mulheres representam aproximadamente 13% dos cargos eletivos de todas as esferas políticas do Brasil (municipal, estadual e federal). Entre os fatores de desigualdade que afetam a participação política das mulheres, estão questões já bastante debatidas como a divisão sexual do trabalho, que impõe exclusivamente à mulher a responsabilidade pelo trabalho doméstico e pelo cuidado com os filhos e a família – fator que gera duplas e até triplas jornadas e impacta diretamente na participação feminina em diversos espaços sociais, sendo um deles o espaço da política.

Além disso, outro entrave que se coloca às mulheres que desejam ocupar espaços de poder e decisão é a violência política de gênero. Isso significa que, para além das barreiras históricas para se eleger, quando as mulheres chegam ao poder elas ainda enfrentam muitas dificuldades para manter os cargos conquistados – simplesmente por serem mulheres.

A violência política contra a mulher ou violência política de gênero pode ser definida, segundo a organização Terra de Direitos e Justiça Global, como atos físicos, de intimidação psicológica e/ou discriminatórios, agressões, disseminação de discursos de ódio e conteúdo ofensivo contra mulheres eleitas, candidatas, pré-candidatas ou designadas para exercer papel de representação pública e/ou política, com o objetivo de suspender, interromper, restringir, ou desestabilizar seu exercício livre e pleno de representação e participação política.

Essa forma de violência, acontece, na maioria dos casos, não em forma de agressão física, mas como ameaças, intimidação psicológica, humilhações e ofensas. Talvez seja por isso que as discussões sobre a violência política de gênero demoraram tanto tempo para fazer parte do debate público, ainda que as mulheres que ocupam espaços de poder já denunciem essa prática há muito tempo.

No Brasil, assim como em países por todo o globo, segundo a professora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) Flávia Biroli, há muitas vítimas emblemáticas da violência política de gênero.

As maiores representantes desse fenômeno são as mulheres eleitas do campo de esquerda:  Dilma Rousseff, a primeira presidenta do Brasil, vítima do golpe de 2016 e alvo de agressões de cunho machista durante o processo que a destituiu do cargo. Lembram do adesivo de carro no qual Dilma é ilustrada de pernas abertas para a mangueira de abastecimento do posto ser introduzida? Esse é um caso escancarado de misoginia e violência política de gênero.

Outros casos muito evidentes de violência política de gênero foram os vivenciados por Marielle Franco, vereadora assassinada com quatro tiros na cabeça em março de 2018, no Rio de Janeiro; pela deputada federal Maria do Rosário  – que ouviu em 2014 do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), então deputado, que não merecia ser estuprada “porque é feia”.

Além delas, outra situação ainda mais recente foi o episódio de assédio sexual dentro da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo em dezembro de 2020, quando a deputada Isa Penna foi assediada sexualmente por outro deputado durante uma sessão da Casa Legislativa.

Todos esses casos deixam evidente que o aumento da participação e representação política de mulheres é acompanhado por um aumento sistemático de violência contra elas. Para lidar com esse problema, em primeiro lugar, é preciso notar que mulheres ainda são minoria na disputa e à frente de cargos públicos e entender a violência política baseada em gênero como mais um mecanismo de exclusão da mulher dos espaços de poder, que merece especial atenção.

Um avanço significativo nesse sentido é a Lei Nº 14.192, sancionada no início do mês de agosto desse ano, que estabelece normas para prevenir, reprimir e combater essa forma de violência. Entre outros pontos, a normativa estabelece que a pena para quem comete violência política de gênero é reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa. Essa pena aumenta em ⅓ (um terço) se o crime for cometido contra mulheres gestantes, maiores de 60 anos ou com deficiência.

Todas as mulheres que estão na política, infelizmente, sofrem preconceito durante o exercício de suas prerrogativas constitucionais, ainda que ocupem esses espaços como representantes do povo que as elegeu. Isso ocorre porque o espaço político é estruturado com foco nos homens, como se apenas eles fossem capazes ou devessem ocupá-lo. Não podemos permitir.

Na última quarta-feira (15), comemoramos o Dia Internacional da Democracia. A data nos impele a fazer uma afirmação: as mulheres representam mais de 52% do eleitorado brasileiro e, portanto, é mais do que legítimo que elas ocupem os espaços de poder e decisão. Violentar politicamente uma mulher eleita ou candidata é violar a democracia.

Mais mulheres na política. Sem violência de gênero. Campanha TSE. Assista aqui: https://youtu.be/WKkI8dotc8A?t=2

Autora: Eva Valéria Lorenzato

Edição: Alex Rosset

2 COMENTÁRIOS

  1. Parabéns pelo seu belo texto! Sou uma mulher feminista que luta pelos nossos direitos há alguns anos. Nós precisamos de mais vozes iguais as suas para continuarmos firmes no combate as nossas lutas que não são poucas. Eu tenho um projeto de combate ao feminicídio ainda na tenra idade. Sou estudiosa de Judite Butler e Simone de Beauvoir. Aqui no Brasil, sigo a antropóloga Débora Diniz. Adorei seu texto! Sucesso na sua coluna!

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