Passaremos a editar reflexões, entrevistas e conhecimento de diferentes religiões, envolvendo também os sujeitos que vivem, estudam e participam de práticas religiosas no seu cotidiano. Começamos pelo Espiritismo.

 

Conhecemos Paulo Eberhardt como Coordenador do Centro Espírita Dias da Cruz de Passo Fundo, RS, em eventos relacionados à formação de professores do Ensino Religioso nos últimos 10 a 15 anos. Paulo sempre é muito prestativo, solidário e responsável nas atividades em que se envolve, sobretudo para esclarecer sobre os fundamentos da doutrina espírita kardecista. Sempre tivemos desejo de conhecer e revelar um pouco mais de sua história, de seu intenso envolvimento com o Centro Espírita e seus compromissos com o Ensino Religioso Inter-religioso, paradigma que preconiza o conhecimento de todas as religiões com o propósito de respeitá-las.

 

Nei Alberto Pies: Como aconteceu sua aproximação com a Doutrina Espírita? o que você buscou e, ainda busca, no Espiritismo?

Paulo Eberhardt: Desde adolescente, vez que outra enxergava os Espíritos, registrava a presença de familiares falecidos, tinha frequentes premonições e não entendia direito o que acontecia, uma vez que ninguém falava sobre isso.

De origem católica, não sabia da possibilidade da vida no Mundo Espiritual. Me achava estranho. Certa vez, com pouco mais de vinte anos, os fenômenos mediúnicos começaram a ficar mais intensos, isso me incomodava. Estava para consultar um psiquiatra quando meus colegas de trabalho me questionaram o porquê de ir ao terapeuta. Então me sugeriram procurar o Centro Espírita de Caridade Dias da Cruz. Foi quando encontrei as respostas que precisava. Descobri que era mediunidade, por isso registrava os Espíritos.

No primeiro momento, buscava resolver a questão de ver, ouvir, de registrar a presença dos Espíritos.

Busco compreender melhor a vida, e a Mensagem de Jesus para usar em minha existência. Quanto a mediunidade, é apenas uma ferramenta para o trabalho no bem.

Hoje, compreendendo a missão desta Doutrina em mostrar a grande realidade da alma humana ainda não estudada pelas religiões, busco compreender melhor a vida, e a Mensagem de Jesus para usar em minha existência. Quanto a mediunidade, é apenas uma ferramenta para o trabalho no bem.

 

Nei Alberto Pies: O que te mais te realiza neste trabalho voluntário no Centro Espírita? como funciona o Centro Espírita Dias da Cruz?

Paulo Eberhardt: Há 35 anos atrás, voluntariei-me nas lides espíritas, onde trabalhei na Evangelização da criança e do jovem, na assistência social, no setor de palestras e, principalmente na Mediunidade. Ocupo o cargo de direção há 23 anos.

No trabalho voluntário, temos a oportunidade de colocarmos em prática, de exercitarmos o Evangelho de Jesus. O bem que vamos aprendendo a realizar, é um prazer indescritível. É uma oportunidade de sair de uma rotina religiosa teórica, ritualística, dogmática e começar a experiência prática. Neste sentido, como ninguém recebe pelo que faz, o Espiritismo oferece uma grande oficina de trabalho no bem de forma desinteressada.

O Centro Espírita tem aproximadamente 180 trabalhadores voluntários. Toda atividade realizada pela instituição é gratuita. Temos mais de vinte setores de trabalho como: atividade de passes, visita aos doentes, visita as famílias socialmente carentes, atendimento fraterno através do diálogo, palestras públicas, estudos do espiritismo, evangelização de bebês e das crianças, estudos para juventude, biblioteca, livraria, etc. Temos palestras públicas de segunda à sexta 20h e terças quintas e sábados às 16h

 

Nei Alberto Pies: Como se define o espiritismo?

Paulo Eberhardt: A Doutrina Espírita é de natureza tríplice, pois abrange princípios filosóficos (é uma “filosofia espiritualista”), científicos e religiosos ou morais. Daí Allan Kardec afirmar: O Espiritismo é, ao mesmo tempo, uma ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência prática consiste nas relações que se podem estabelecer entre nós e os Espíritos; como filosofia, compreende todas as consequências morais que decorrem de tais relações.

Tendo como referência essa orientação, o Espírito Emmanuel (guia espiritual de Chico Xavier) elucida: “podemos tomar o Espiritismo, simbolizado […] como um triângulo de forças espirituais. A Ciência e a Filosofia vinculam à Terra essa figura simbólica, porém, a Religião é o ângulo divino que a liga ao céu.”

No seu aspecto científico e filosófico, a Doutrina será sempre um campo nobre de investigações humanas, como outros movimentos coletivos, de natureza intelectual, que visam ao aperfeiçoamento da Humanidade.

No aspecto religioso, todavia, repousa a sua grandeza divina, por constituir a restauração do Evangelho de Jesus Cristo, estabelecendo a renovação definitiva do homem, para a grandeza do seu imenso futuro espiritual.

Em linhas gerais, o aspecto filosófico analisa a Criação Divina, explicando porque Deus criou o homem, qual é a sua origem e sua destinação, refletindo sobre as causas da felicidade e infelicidade humanas.

O aspecto científico fornece comprovações a respeito da natureza e imortalidade do Espírito; a influência exercida pelos Espíritos e o intercâmbio mediúnico estabelecido entre encarnados e desencarnados.

O aspecto religioso trata das consequências morais do comportamento humano, definido pelo uso do livre arbítrio e governado pela lei de causa e efeito.

A melhoria moral, orientada pelo Espiritismo, fundamenta-se nos preceitos doutrinários do Evangelho de Jesus, considerado “modelo e guia da Humanidade”: Para o homem, Jesus representa o tipo da perfeição moral a que a Humanidade pode aspirar na Terra. Deus no-lo oferece como o mais perfeito modelo e a doutrina que ensinou é a mais pura expressão de sua lei.

Nei Alberto Pies: O senhor realiza palestras em escolas, sobre os princípios básicos do Espiritismo, a convite de professores do Ensino Religioso. Como avalia estas palestras e a recepção dos alunos sobre este conteúdo?

Paulo Eberhardt: Estar entre a criança e o jovem é muito especial. Estas atividades oportunizam aos alunos o conhecimento real deste ou daquele princípio religioso, libertando o conhecimento de conceitos errôneos intencionais ou não. Avaliamos como muito importante, uma vez que eles, os alunos, podem conhecer as religiões de forma clara. O Espiritismo sempre é bem recebido pelos alunos. Gera curiosidade sobre a alma humana, sobre os Espíritos e as revelações que a Doutrina traz.

 

Nei Alberto Pies: Por que a caridade é tão essencial na vivência e na prática da Doutrina Espírita?

Paulo Eberhardt: No Evangelho segundo o Espiritismo, vamos encontrar o termo “caridade, como o mais repetido, e que está presente em quase todos os textos”. Diferentemente da interpretação comum, a caridade não gira em torno do “dar coisas materiais”, uma vez que dar é a parte mais fácil. É uma prática moral.

Em O Livro dos Espíritos, na questão 886, Allan Kardec perguntou aos Espíritos: Qual o verdadeiro sentido da palavra caridade, como a entendia Jesus? E eles responderam: “Benevolência para com todos, indulgência para as imperfeições dos outros, perdão das ofensas.”

A caridade, segundo Jesus, não se restringe à esmola, abrange todas as relações em que nos achamos com os nossos semelhantes, sejam eles nossos inferiores, nossos iguais, ou nossos superiores. Ela nos prescreve a indulgência, porque de indulgência precisamos nós mesmos, e nos proíbe que humilhemos os desafortunados, contrariamente ao que se costuma fazer.

Apresente-se uma pessoa rica e todas as atenções e deferências lhe são dispensadas. Se for pobre, há gente que entende que não precisa preocupar-se com ela. No entanto, quanto mais lastimosa seja a sua posição, tanto maior cuidado devemos pôr em lhe não aumentarmos o infortúnio pela humilhação.

Toda a moral de Jesus se resume na caridade e na humildade, isto é, nas duas virtudes contrárias ao egoísmo e ao orgulho.

Em todos os seus ensinamentos, Ele aponta essas duas virtudes como as que conduzem à eterna felicidade: “Bem-aventurados”, disse, “os pobres de espírito”, isto é, “os humildes, porque deles é o Reino dos Céus; bem-aventurados os que têm puro o coração; bem-aventurados os que são brandos e pacíficos; bem-aventurados os que são misericordiosos; amai o vosso próximo como a vós mesmos; fazei aos outros o que quereríeis vos fizessem; amai os vossos inimigos; perdoai as ofensas, se quiserdes ser perdoados; praticai o bem sem ostentação; julgai-vos a vós mesmos, antes de julgardes os outros.”

Humildade e caridade, eis o que não cessa de recomendar e o de que dá, Ele próprio, o exemplo. Orgulho e egoísmo, eis o que não se cansa de combater. E não se limita a recomendar a caridade; põe-na claramente e em termos explícitos como condição absoluta da felicidade futura. Isso tudo é prática da caridade.

 

Nei Alberto Pies: O diálogo inter-religioso é o paradigma do Ensino Religioso das escolas públicas, construído nos últimos 20 anos no Brasil. Recentemente, o STF (Supremo Tribunal Federal) aprovou possibilidade do Ensino Religioso confessional na escola pública. Qual é sua visão sobre isso?

Paulo Eberhardt: Um erro. Avilta o princípio religioso que o aluno traz.

 

Nei Alberto Pies: Por que é possível dizer que o Espiritismo é cristão?

Paulo Eberhardt: Porque o Espiritismo traz ensinos novos, revelados pelos Espíritos e não coloca a salvação em seguir dogmas, ritos e rituais, mas sim na vivência pura do Evangelho, principalmente na melhora moral do indivíduo, na prática da verdadeira caridade, na humildade verdadeira, trabalhando cada criatura suas paixões inferiores, seus egos, que o distanciam da vivência verdadeiramente cristã. Não cobra por nenhum benefício espiritual que a pessoa venha receber.

Tudo é gratuito, o que em parte afronta algumas religiões. Jesus deixou a mais extraordinária obra de Luz para a Humanidade e não tinha “uma pedra que fosse sua para repousar a cabeça.”

Por outro lado, alguns não aceitam chamar o Espiritismo de cristão, devido a reencarnação. Esta foi uma revelação dada pelos Espíritos, em detrimento da ressureição, basta ter olhos de ver, pois os Espíritos sempre deram sinais de sua existência em todas as épocas da Humanidade, (está no Antigo, quanto no Novo Testamento), demonstrando a grande realidade de que as almas não dormem nos túmulos aguardando o “juízo final”, que irá condená-las ao “fogo eterno”, ou leva-las ao paraíso.

No Espiritismo, vimos Deus como Jesus nos ensinou: “Deus é amor”, não conseguimos ver Deus antropomórfico, um ser vingativo, indiferente e cruel para com os que erram.

Hoje cabe a ciência quebrar, como já quebrou, muitos paradigmas criados pelas religiões, e já tem demonstrado através das terapias com regressão de memória realizadas por psicólogos e psiquiatras a questão das vidas sucessivas. Os homens vão amadurecendo e entre os adeptos das religiões cristãs, boa parte, vão contra os próprios princípios, pois já aceitam a reencarnação como uma Lei Divina. É uma questão de tempo.

Ser Cristão é uma forma de se viver o Evangelho e o Cristo, livre dos condicionamentos religiosos criados pelos homens. Lembramos que o Cristianismo no mundo não chega a 30% da Humanidade, outros 70% praticamente são reencarnacionistas.

 

Nei Alberto Pies: Percebemos que eventos e palestras do Espiritismo sempre tem grande aceitação na comunidade e muita gente participa deles. Qual é a importância destes eventos para a promoção do Espiritismo?

Paulo Eberhardt: Sim, contribuem para difusão do Espiritismo. No entanto, quando realizamos um evento doutrinário ao público em geral, consideramos muito mais a oportunidade de levarmos os ensinos do Evangelho de Jesus, em sua pureza, desataviado, ensinando e também consolando muitos dos que buscam as palestras Espíritas, fazendo com que cada um compreenda os objetivos Divinos de sua existência, procurando dar um sentido a vida e também preparando para o inevitável, a seu retorno à pátria Espiritual, bem como o de seus entes queridos.

Não procuramos fazer adeptos, mas consolar quem perdeu um ente querido; ampliar sua fé no futuro encorajando para os enfrentamentos difíceis do dia-a-dia; compreender a função da dor em sua caminhada; também a aprender amar, perdoar, desenvolver valores morais nobres como a fé, a simplicidade, a humildade, o desapego, a bondade, enfim, trazer Jesus de volta, como dissemos, como há dois mil anos, Ele instruía, consolava acolhendo os sofredores e os que caíram moralmente.

Há muito sofrimento silencioso nos corações que nos cercam. Esses são os objetivos que nos norteiam na realização de eventos públicos.

 

Nei Alberto Pies: Todos temos sensibilidade mediúnica?

Paulo Eberhardt: Allan Kardec foi o primeiro a identificar, estudar o fenômeno mediúnico. Quando falamos que os Espíritos, eles sempre deram sinais de sua existência em todas as épocas da Humanidade, as manifestações aconteciam através de pessoas sensíveis as quais Kardec cunhou o termo mediunidade para identificar esses sensitivos que são pessoas com uma diversidade de dons, como os que podem ver os Espíritos, ouvir, psicografar e registrar espiritualmente suas presenças.

Todas as pessoas tem um certo grau de sensibilidade. No entanto o médium tem que ser capaz de mediar uma comunicação com um Espírito. Nesse sentido são mais de 70 possibilidades de mediunidade catalogadas.

A prática verdadeira da mediunidade deve sempre ser gratuita dentro do princípio do Evangelho: “Dai de graça, o que de graça recebeste“.  Nem mesmo o elogio deve ser considerado pelo médium, pois alimenta o orgulho e a vaidade.

 

Nei Alberto Pies: Percebemos que muitas pessoas hoje são menos apegadas à religião, mas estão em busca de realização pessoal dentro e fora das religiões. Que espiritualidade é essa?

Paulo Eberhardt: A espiritualidade tem sido vivenciada por muitas pessoas na atualidade e vai crescendo de forma extraordinária. Muitos não conseguem mais viver a experiência religiosa, diante do que tem sido feito pelas religiões.

Muitos dizem-se ateus, outros desvinculam-se das religiões, mas percebemos os valores internos que possuem, quando nobres, chamamos de espiritualidade.

Espiritualidade é o cultivo da dimensão espiritual fora do ambiente religioso, é uma espécie de resgate de conecções nobres e superiores, livre de dogmas, ritos e rituais.

Quem tem espiritualidade, tem uma forma humanizada de lidar com o próximo, são pessoas sensíveis a ética, ao caráter moral, a compaixão, a paciência, a tolerância, a capacidade de perdoar, as noções de responsabilidade, de harmonia e que trazem felicidade tanto para si como para os outros que os cercam. Carregam estímulos à solidariedade, realizam ações voluntárias junto a comunidade, buscando também obter no trabalho significado para a vida.

Poderíamos dizer que aquele que tem espiritualidade, faz tudo o que Jesus ensinou, mas livres de ambientes religiosos.

Poderíamos considerar que na atualidade os homens precisam mais de espiritualidade do que de religião. Quem sabe será um caminho novo a ser pensado para o futuro da religiosidade do homem, voltar a simplicidade do Evangelho.

 

Nei Alberto Pies: Que mensagem o senhor gostaria de deixar aos leitores do site que nele buscam conhecimentos que promovem a humanização?

Paulo Eberhardt: Vivemos um dos momentos mais intrigantes da Humanidade terrena. A mídia, na atualidade tem batido demais no culto ao corpo, as vaidades, aos títulos ilusórios terrenos, enfim ao materialismo.

A felicidade está na conta dos bens materiais, na esquina, nas lojas, nas farmácias. A arte parece ter perdido o sentido da verdadeira beleza, músicas com letras chulas e vulgares, artistas colocados pela mídia interesseira como deusas e deuses, como se seus corpos plastificados para sensualidade, fosse uma virtude, esquecendo que a verdadeira beleza é a da alma.

Cantores e cantoras transferindo aos jovens ideias equivocadas de arte em shows altamente sensualizados através de danças que viram hit, mas sem beleza e/ou poesia verdadeira… As redes sociais usadas para a futilidade em longas horas mal aproveitadas, levando muitos ao isolamento social, porque as amizades virtuais são frias e vazias de sentimentos, conduzindo os incautos para os transtornos do humor, da depressão, da ansiedade e até ao suicídio, etc.

A experiência religiosa é muito importante em nossas vidas. Considero uma das palavras mais belas que aprendi no Evangelho: a esperança. Quem a tem, tem fé, sofre menos, trabalha seu interior para o porvir.

Vivemos uns dos tempos mais intrigantes da Humanidade como dissemos. Interpretar esta hora, não deixar-se levar como a maioria das massas ao sabor dos ventos que sopra de todos e para todos os lados, sem uma direção.

É preciso crescer em valores reais, dar um sentido a vida como: o que estou fazendo aqui, de onde vim, para onde irei, etc. Buscar amar, sem nenhum tipo de interesse, gostar das pessoas, ajudar mais, vencendo o egoísmo, pensar na humildade, na simplicidade, desapegar-se. A ética e os valores morais nos fazem envelhecer mais saudáveis e felizes.

 

Conheça mais sobre o Centro Espírita Dias da Cruz.

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