As professorinhas de reforço de antigamente

945

Em tempos líquidos como dizia Bauman, os pais não têm mais tempo para ensinar as tarefas de casa aos seus filhos e os entregam aos cuidados dessas professoras de reforço.

Na minha infância, aprendi a ler e a escrever com quatro anos de idade pelos cuidados de dona Marilde, a minha professorinha particular que pegava na minha mão trêmula e me ensinava a cobrir as vogais.

Na casa de dona Marilde, havia um banco de madeira e uma mesa grande com um quadro pequeno a sua frente. A gente aprendia a ler na cartilha do á-bê-cê. Tinha a tabuada também, mas eu sempre fui muito dedicada às letrinhas e dona Marilde sabia bem disso.

Dona Marilde era pedagoga e tinha um carinho enorme por crianças, o que lhe dava autoridade para ser uma belíssima professora de reforço! Com a sua voz mansa, repetia a lição duas, três, quatro ou tantas vezes fossem necessárias para que aprendêssemos de verdade. Ela falava de lugares distantes e nos fazia viajar no mundo da imaginação. Sabia contar histórias lindas e gostava de Monteiro Lobato.

Todo mundo tinha uma professorinha particular naquela época que servia como reforço para o que era ensinado na escola ou no jardim de infância. Essas professorinhas eram cuidadosas e amavam os seus alunos que geralmente era um grupo pequeno e podia receber a sua atenção total.

Dona Marilde, uma mulher negra, educada, gentil, ensinou a muitas crianças o alfabeto e a tabuada. O seu jeito de ensinar era simples e o que mais me tocou foi o seu carinho com as nossas tarefas, pois as suas palavras eram sempre “lindo”, “muito bom”, “parabéns”. Ela nunca dava uma nota zero para um aluno, ela nunca dizia que a gente tinha dificuldade para aprender a ler e a escrever nem mesmo para os nossos pais. Ela sabia que uma hora ou outra a gente ia desabrochar e como se fosse mágica o esperado acontecia.

“Não existe criança que não aprende ou não quer aprender, mas sim crianças que não aprenderam a estabelecer laços de afeto com a família, professores, escola e, consequentemente, com o saber. Por mais precários que eles sejam em casa, a escola pode propiciar uma relação saudável do aluno com a sociedade, na medida em que o trata como um indivíduo e o enxerga como um ser cheio de possibilidades”. (Psicóloga Ana Manoela Detoni) Leia mais!

Nos anos 90, em Natal, o prefeito Marcos Formiga fez uma gestão bonita na educação. Ele criou o programa “Em casa também se aprende a ler” onde qualquer espaço virava uma sala de aula com professoras contratadas para ajudar os alunos a aprenderem a ler e a escrever como o próprio nome do programa já diz.

Eu e meus irmãos participamos desse programa, já alfabetizados por dona Marilde, mas tínhamos ânsia de aprendermos cada vez mais. A gente recebia caderno, lápis e borracha do programa e, também tinha lanche. Foi a aula de reforço mais bonita que já vi de um governo em Natal. Muitas crianças com dificuldades de aprendizagem na escola conseguiam aprender a ler e a escrever no programa “Em casa também se aprende a ler”.

Hoje, está bem difícil encontrar professoras de reforço. E quando as encontramos estão sempre cheias de muitos alunos, a maioria já não ajuda mais a criança a cobrir as letrinhas, outras ensinam por necessidade e esquecem do amor à profissão e ainda há aquelas que mal sabem ler e escrever e mesmo assim se aventuram a ensinar crianças como se elas fossem bobinhas e engolissem tudo goela abaixo.

Não quero generalizar. Sei que existem muitas professoras de reforço boas em Natal, RN, e no nosso país, mas quero dizer do que mais costumeiramente tenho visto, principalmente onde moro.

O desemprego levou muitas mulheres jovens com o ensino médio a se dedicarem na labuta do ensino de reforço às crianças.

Para mim, ensinar vai muito além de uma necessidade financeira. É preciso, no mínimo, um diploma de pedagoga e muito amor pela infância. Compreender como as crianças aprendem, os seus processos de desenvolvimento do pensar e o que é importante para o seu pensamento cognitivo se desenvolver faz-se necessário. E se a professora tiver apenas amor? A criança também vai aprender a ler e a escrever? Se for uma professora que goste de ler, escrever, visitar museus, ir à teatros, ler jornais diários, creio que ela saberá ensinar bem às crianças o que é necessário.

A importância das relações afetivas. Veja vídeo.

Para ser uma boa professora de reforço a pessoa tem que buscar ser melhor do que a professora da escolinha formal onde a criança estuda todos os dias. Essa professora de reforço precisará reinventar-se para criar um jeito mais fácil de fazer aquela criança aprender o que lhe foi ensinado na escola e ela não conseguiu compreender.

Então, daí vem o meu pensamento de que a professora de reforço deve ser alguém culta e inteligente o bastante para saber contar histórias de princesas a como também explicar uma dízima periódica. De tudo um pouco, a professora de reforço necessita saber.

Em tempos líquidos como dizia o sociólogo Bauman, os pais não têm mais tempo para ensinar as tarefas de casa aos seus filhos e os entregam aos cuidados dessas professoras de reforço.

Algumas escolas privadas já sentiram a necessidade desse serviço e estão ofertando-o às crianças no turno em que não têm aula formal. Aquela professora que se dedicar no ensino-aprendizagem através do reforço ganhará muitos alunos, pois há uma carência de bons professores nessa área.

A criança que vai para uma aula de reforço geralmente não é daquelas que gosta da escola. Muitas têm dificuldades no ensino-aprendizagem formal, logo necessitarão de mais cuidados e dedicação por parte da professora de reforço.

À essa criança deverá o ensino ser ministrado de forma prazerosa, ou seja, com ludicidade, musicalidade, poesia. Sim, é possível ensinar através da poesia! Há muitas crianças que necessitam de aulas de reforço espalhadas pela nossa cidade, e se cada um de nós oferecermos um pouco do que sabemos em trabalho voluntário para uma delas quem sabe no nosso país o número de analfabetos funcionais reduza um pouco.

É a professora de reforço que passa a conhecer mais detalhadamente as dificuldades do aluno e, muitas vezes, consegue identificar deficiências físicas e mentais que passam despercebidas pela professora da escola formal indicando aos pais que a criança precisa de cuidados psicológicos, fonoaudiólogos ou até mesmo de outros profissionais. Isso ocorre porque, geralmente, o número de alunos na classe da professora de reforço é bem menor do que o da escola formal. A diferença de poder se dar atenção para cerca de dez alunos para uma turma de trinta e cinco ou quarenta é enorme.

Toda criança deve ter uma professora de reforço não somente para aprender a ler e a escrever, mas para aprender coisas que não são ensinadas na escola por falta de tempo da professora ou por não fazer parte da grade curricular.

Tem tanta coisa que a gente só aprende depois de grande e poderia ter aprendido na infância. O ensino das artes e da geometria fica na superficialidade na escola formal e a professora de reforço pode explorar mais essas disciplinas como outras. Para isso, é preciso escolher uma boa professora de reforço.

Por último, quero dizer que referi-me sempre a professora no feminino porque quis lembrar-me do meu tempo de criança onde somente encontrávamos mulheres desempenhando essa atividade, mas que hoje já é possível vermos muitos homens exercendo o magistério e dando aulas de reforço com qualidade e amor às crianças. Pouco comum sempre será, mas é possível encontrar. Que toda criança tenha um(a) professor(a) de reforço pelo menos nos primeiros anos de escolaridade.

Você sabe o que é um professor de reforço escolar? Descubra!

 Autora: Rosângela Trajano

Edição: Alex Rosset

DEIXE UMA RESPOSTA