Nossa conturbada República

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Nossa República sempre conviveu com instabilidades no poder e crises institucionais. Hoje, tudo que há de precioso em uma nação já foi atacado pelo Presidente em sua persistente demência.


Estamos lembrando os  130 anos da  proclamação da  República brasileira. Desde o início de sua história, ela foi marcada por crises institucionais. O primeiro presidente, Deodoro, renunciou. O vice, Floriano, assumiu e permaneceu no poder, quando deveria convocar novas eleições.

Nos seus primeiros  anos, o coronelismo predominou controlando o eleitorado através do “voto de cabresto”, fazendo das eleições mero  exercício de ficção. Qualquer reivindicação social era  resolvida pelo uso  da violência. Era a forma de manter a economia de base agrária, onde o grande latifundiário continuou contando com os processos  habituais de controle para assegurar a sua  dominação.

Em 1930, a República dos Coronéis caiu, como desabou o Império, isto é, como caem as frutas mais maduras. Mesmo os mais desatentos observadores não deixariam de notar que o homem que tomava o poder com o objetivo de promover  a “unidade  nacional” chegava ao poder federal envolto pela mística caudilhista tão típica de seu estado natal. Vargas afirmava que a revolução visava “restaurar a pureza do regime republicano”.

Sua declaração, publicada no jornal  A Federação (fundado por Júlio de Castilhos na época do Império), terminava com o apelo “Rio Grande, de pé pelo Brasil! Não poderás faltar ao teu destino histórico”. Que destino era esse, o Brasil logo saberia. Vargas virou o “pai do povo”.

Em breve, se iniciaria  o  culto a sua personalidade, nos moldes do fascismo. Os mesmos militares que o levaram ao poder, o derrubaram em 1945.Entre humilhado e conciliador, Vargas anunciou que renunciava por vontade própria. Começou então uma das fases mais agitadas de nossa história republicana. Em 1954, após uma grave crise política, Vargas se suicidou.

Em 1961, Jânio Quadros renunciou e, o vice, Jango, foi obrigado a engolir o Parlamentarismo para evitar uma guerra civil. É bem verdade que, nesta mesma etapa,  a República viveu um período em que se sentiu jovem e ousada, esperançosa e otimista. Foram os “anos dourados” do período JK.

Mas o ovo da serpente estava em gestação e, em menos de uma década, a nação se confrontaria outra vez com seus  equívocos e descaminhos, com sua alma dúbia, suas recaídas autoritárias, sua elite irredutível e seu povo despreparado  ou omisso, seus temores e seus desleixos. Em 1964, um golpe militar pôs fim ao sonho dourado.

Os tambores que já haviam rufado, ruidosos, em 1954, voltaram a ser ouvidos e a conspiração militar-civil-midiática pôs fim ao governo Goulart.

Raymundo Faoro, no clássico “Os Donos do Poder”, define com clareza esta prática usada ao longo de nossa história: o político civil ronda os quartéis para se manter ou para subir, porque sabe que com os quartéis deve contar, centro do mecanismo  da própria estrutura republicana”.

O detalhe é que desta feita os militares, como sempre acontecera, não retornaram aos quartéis. Dessa vez, dispostos a colocar em prática suas teses desenvolvimentistas, se mantiveram por duas décadas no poder, promovendo o fechamento político do país e se impondo à sociedade civil.

A República só  voltaria  a conviver com eleições diretas em 1989. Infelizmente, o eleito acabou sofrendo impeachment. Hoje, a nossa  República vive um dos seus momentos de maior instabilidade iniciado em  2016, quando a oposição, derrotada nas últimas  4 eleições, partiu para a solução inconstitucional, o golpe, seguindo o modelo lacerdista, desrespeitando a vontade soberana das urnas.

Em 2018,  o favorito  nas  pesquisas  foi ilegalmente  impedido de  participar  do  pleito. Pleito marcado  pelo  uso de  recursos  nada  republicanos  como as fake news  que, agora, uma  CPI  começa  a  investigar.

Hoje, preside a República um governante subordinado  a líder pentecostal que cita amiúde um dos livros mais violentos da História, o Velho Testamento, para impor  suas pretensas verdades, sem sensibilidade, pensamento, ética ou política.

Tudo que há de precioso em uma nação já foi atacado pelo Presidente em sua persistente demência. Educação, cultura, ciência, arte, liberdade, democracia, ética, meio ambiente, tudo,  além, de  nos cobrir de vergonha no exterior.  Enfim, a nossa conturbada República perdeu  a  bússola.

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