A luta por um recomeço

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Quando o trabalho de uma rotina de vida “normal” voltará? Quando as crianças poderão estar em salas de aulas? O que restou das cidades poderá de alguma forma ser reaproveitado? As praças renascerão a convite da primavera se aproximando?

Quando o trabalho de uma rotina de vida “normal” voltará? Quando as crianças poderão estar em salas de aulas? O que restou das cidades poderá de alguma forma ser reaproveitado? As praças renascerão a convite da primavera se aproximando?

O céu estava invernal e cinzento naquele dia funesto. O sol, porém, baixou devagar e cada vez mais avermelhado, parecendo sangrar no horizonte.

A escuridão da noite, carregada de nuvens, logo se adensou. O vento se ergueu de repente, deslocou-se para longe. Ia e voltava. Nas ruas, as rajadas eram fortes, parecendo pressagiar o que estava por acontecer. Contudo, ninguém jamais pensou que a natureza pudesse mostrar seus dentes de forma tão intensa.

A ventania, cada vez mais forte, fazia farfalhar as folhas; as árvores balançavam para frente e para trás, como se quisessem fugir de alguma coisa.

Os pinheiros, que se erguem solitários, no terreno ao lado, rangiam e giravam para todos os lados. Ora suas copas se voltavam para cima, como se pedissem clemência para um Deus qualquer.

O silêncio dentro de casa, junto com o medo, crescia. Ela foi até a cozinha e preparou uma xícara de chá.

Era tarde. Fechou toda a casa. Antes lançou, pela janela da frente que dava para a rua, vazia àquela hora, um olhar enviesado, em direção ao céu. Havia uma força enorme lá fora. “Quem sabe o que pode acontecer?”, pensou.

Tudo virou em nada naquela madrugada da noite imensa. Sentiu o piso da casa ranger e ouviu o barulho das telhas que se levantavam e voltavam a sentar-se. Elas estavam conscientes de que poderiam ser úteis.

Portas e janelas pareciam voar pelos ares. O aguaceiro tamborilava por toda parte. Os rios, “que só queriam passar”, levavam o que havia pela frente e começaram a entrar em todos os lugares. Afogaram as cidades. Vidas se perderam.

LAMENTO DE UM RIO: EU SÓ QUERIA PASSAR: https://youtu.be/RzEzegwTjdM?t=18

— Socorro!!! Socorro!!! — gritavam algumas pessoas já em cima dos telhados de suas casas.

Impotentes diante de eventos climáticos extremos, as pessoas se unem. Uma tragédia assim faz com que tenhamos comoção e, com isso, união.

Em circunstâncias tais, ficamos mais próximos uns dos outros. Aquele que vivenciou na pele sofre muito e precisa de solidariedade. É necessário compreender a sua dor, seu estado de choque e ajudar.

Fatos como este sugerem que nos tornemos melhores em relação ao outro e que façamos alguma coisa para aliviar seu sofrimento. São pessoas impactadas em todos os sentidos. Muitas tiveram suas vidas corrompidas; sonhos, projetos e construções foram esvaziados em segundos.

Um aniquilamento social e psíquico. São as intermitências da morte tão presentes na vida que se desumaniza dessa forma. A melancolia ocupa todo o espaço agora deixado pela destruição. Contudo, a vida segue não se sabe bem para onde. Como recomeçar neste espaço lamacento deixado pela devastação?

Quando o trabalho de uma rotina de vida “normal” voltará? Quando as crianças poderão estar em salas de aulas? O que restou das cidades poderá de alguma forma ser reaproveitado? As praças renascerão a convite da primavera se aproximando?

Palavras de esperanças precisam ser ditas. Abraços precisam ser dados. A dor e as lembranças sofridas ficarão por longo tempo. Algumas pessoas se refazem, conseguem elaborar, outras não.

O trauma vivido deixará cicatrizes profundas ali sempre em aberto. Muitas pessoas precisarão de acompanhamento psicológico. O sentimento de empatia é muito importante neste momento. Só assim, quem sabe, poderão ter forças para recomeçar.

Autora: Elenir Souza, Psicóloga.

Soledade, RS, 10 de setembro 2023.

*Foto: Governo do Estado do Rio Grande do Sul

Edição: A.R.

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