A linguagem simbólica da lenda “O negrinho do pastoreio”

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A análise desta lenda abre espaço importante para a discussão dos direitos e deveres da criança e do jovem que hoje tem a seu favor o Estatuto da Criança e do Adolescente que todos devem conhecer.

A narração ou a leitura da lenda “O Negrinho do Pastoreio” na aula do Ensino Religioso abre espaço para ampla reflexão em torno dos episódios que fazem parte deste texto literário e que envolve temas como: preconceito, discriminação, escravidão, autoritarismo, machismo, direitos humanos, respeito, injustiça, a fé, entre outros e que podem ser trabalhados de forma interdisciplinar, além de fortalecer a ideia de pertencimento uma vez que esta proposta pedagógica parte de uma lenda gaúcha.

A lenda tem raízes afro-cristã, surgida no Rio Grande do Sul no final do século XIX, ainda no período da escravidão no Brasil. Toda lenda resguarda um fundo de verdade, algo que realmente ocorreu, mas que foi sendo divulgado de forma oral e, no dizer popular: quem conta um conto aumenta um ponto. Posteriormente, ela foi escrita e existem várias versões.

Assista: https://youtu.be/1iXYsMc_37I?t=65

A linguagem simbólica da literatura possibilita ao leitor ou ouvinte a sua identificação com os personagens, com as suas emoções básicas como o medo, a tristeza, a raiva, a alegria. Na análise dos fatos ocorridos com o escravo adolescente, o Negrinho tinha 14 anos, o professor, na roda de conversa com os alunos, pode questionar: – Que emoções o Negrinho sentia em relação a forma como era tratado pelo patrão?  Como ele encontrou forças para enfrentar tanto sofrimento?  Estas reflexões possibilitam amplo debate de ideias.

A lenda é muito rica na questão da fé que se expressa na simbologia da vela acesa.  Provocar debate em torno da questão: qual o significado da chama, da vela, da luz na denominação religiosa de cada aluno.

Todos vão poder expressar suas emoções em relação aos acontecimentos da lenda, e lidar com elas, fazer relatos de suas experiências, criar vínculos com o professor e colegas.  Trabalhar a devoção à Maria, mãe de Jesus, entidade feminina, maternal que acolhe quem sofre injustiça mas tem fé, esperança, e percebe o sentido profundo da vida, sempre de acordo com a crença de cada um.

Para enriquecer esta proposta educativa, os alunos poderão trazer representantes das suas denominações religiosas na sala de aula, em outro momento previamente planejado, para conversarem e responderem perguntas sobre as peculiaridades de cada religião ali representada.

É interessante proporcionar, na sala de aula, a audição da música que é uma página clássica do folclore gaúcho e a visualização de um dos clipes do youtube, sugerimos com a cantora Alana Moraes e com Renato      Borghetti na gaita. O poema é de autoria de Barbosa Lessa e poderá ser lido no grupo.

Negrinho do Pastoreio
Acendo esta vela para ti
E peço que me devolvas
A querência que eu perdi.
Negrinho do Pastoreio,
Traze a mim o meu rincão
Eu te acendo esta velinha,
Nela está meu coração.
Quero ver meu lindo pago
Coloreado de pitanga
Quero ver a gauchinha
A brincar n’água da sanga

Quero trotear pelas coxilhas
Respirando a liberdade
Que eu perdi naquele dia
Que me embretei na cidade.
Negrinho do Pastoreio
Acendo esta vela para ti
E peço que me devolvas
A querência que eu perdi.
Negrinho do Pastoreio,
Traze a mim o meu rincão
A velinha está queimando
Aquecendo a tradição

A análise desta lenda também abre espaço importante para a discussão dos direitos e deveres da criança e do jovem que hoje tem a seu favor o Estatuto da Criança e do Adolescente que todos devem conhecer.  Questões como: violência e abuso infantil, exploração de menores, negligência familiar, podem emergir merecendo tratamento adequado por parte do professor. Cabe à escola formar o cidadão consciente, crítico e responsável.

Enfoques com base em texto literário, como nesta lenda, proporciona a conclusão no grupo, em sala de aula, sobre a importância do respeito ao outro, o quanto o convívio saudável com os outros proporciona o desenvolvimento de aptidões adormecidas no âmago de cada um, tornando-o mais tolerante, compreensivo, bondoso e gentil.  

Hans Christian Andersen, o grande escritor dinamarquês voltado para a infância, escreveu belo conto que trata de tema semelhante à lenda em foco, A Pequena Vendedora de Fósforos, em 1875, onde ele traz as cenas do impiedoso mundo da fome, da miséria, do abandono e da solidão que algumas crianças viviam naquela época do século XIX, na Europa.

Narrou   Andersen: “Fazia um frio terrível, nevava e começava a escurecer. Era a última noite do ano, véspera do Ano Novo.  Em meio à escuridão caminhava pela rua uma menina pobre” …. O belo e triste conto A pequena  vendedora de fósforos – conto Clássico Fantástico de Hans Christian Andersen, está à disposição neste link: https://www.contosdeterror.site/2019/12/a-pequena-vendedora-de-fosforos-conto.html

A narração deste conto de origem dinamarquesa, oferece perceber situação semelhante entre o aconteceu com os dois personagens principais, a menina, na Dinamarca e o menino, no Rio Grande do Sul, na mesma época. Ambos sofrem sentimentos e emoções dramáticas que os educandos vão se identificando e educando suas próprias reações face aos desafios da vida cotidiana, dando-se conta que os adultos também se equivocam. 

Os dois textos, na linguagem simbólica da literatura, uma lenda e um conto, representam situações emocionais simbolizando o que ocorre na fase infanto-juvenil e como a dimensão espiritual da inteligência, que nos remete às experiências transcendentes da vida, apresenta solução para situações extremas através da fé e da confiança na divindade referente à religiosidade básica que é inata no ser humano e que independe de qualquer religião convencional.

Nos dois textos, a luz da chama da vela e dos fósforos mostra o caminho transcendental que promove o autoconhecimento, amadurecimento e a habilidade de buscar solução para os problemas da vida individual e o controle de suas emoções e sentimentos.

A nossa sugestão representa uma trilha pedagógica, um caminho seguro que pode ser conduzido pelo professor, em sala de aula, utilizando a linguagem simbólica da Arte que vai proporcionar, além de conhecimento, aprendizado ao aluno de como lidar com as suas emoções, expressá-las, desenvolver a sua autoconfiança para a tomada de decisões, trazer à tona conflitos pessoais e busca de possíveis soluções, melhorar o raciocínio, a memória e a concentração.

Autora: Gladis Pedersen de Oliveira

Edição: Alexsandro Rosset

 

1 COMENTÁRIO

  1. Gládis Pedersen de Oliveira, educadora experiente nos diversos ambientes onde se processa a educação integral da criança e do adolescente, traz nesta abordagem sobre a Lenda do Negrinho do Pastoreio uma fonte a ser explorada pelo professor em sua sala de aula ou fora dela. Uma instigante oportunidade de abordar este tema num momento atual onde tudo parece temerário e de receios para o professor, que precisa corresponder ao politicamente correto. Ao mesmo tempo, não podemos deixar esquecidos temas relevantes, como esta lenda antiga, que faz parte das nossas tradições gaúchas. Quem conhece a pedagoga Gládis, sabe de sua sagacidade em despertar consciências através do pensamento crítico. E isto é sempre bem vindo. Parabéns prof.ª!

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