A criança do século XXI no divã psicanalítico

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Este é um estudo introdutório ao mundo da psicanálise infantil. Nada aqui dito se confirma em afirmações, mas reflexões acerca de um texto que nos motivou a registrar a sua boniteza enquanto iniciantes de uma ciência se preocupa com as pulsões do sujeito, aqui representado na infância.

Começo este pequeno ensaio relatando as minhas impressões do texto de Esthela Solano-Suárez intitulado “A criança em questão no final do século”. Antes de introduzir-me nas reflexões que Suárez nos traz, gostaria de dizer que foi uma grande experiência ler e reler o seu texto e poder pensar na criança não somente como uma educadora, mas como uma estudante de psicanálise que se vê rodeada de conceitos e simbolismos desconhecidos da sua experiência literária.

Espero poder trazer contribuições aos amigos e amigas leitores e continuar estudando a psicanálise com crianças, pois nas diversas repetições de leituras do texto mencionado acima tenho a certeza de que as experiências somadas ao meu pequeno mundo como já se referia o escritor pernambucano Luís Jardim ele se tornou enorme diante das reflexões que vieram se somar aos cajus ainda por amadurecerem.

Sigamos!

Com efeito, o texto fez-me refletir sobre esta criança que pode sentar-se no divã psicanalítico e ser vista como sujeito que traz o sintoma e precisa com isso de receber cuidados que não a rotulem, mas de uma análise que vai fazer do seu sintoma a busca da compreensão e do compreender-se a si mesmo através de associações livres deste inconsciente que se revela a todo instante através das neuroses e psicoses.

O sujeito deixa de ser subdesenvolvido para Lacan porque expressa o sintoma que o afeta, ou seja, sofrimento que vem em forma de gozo esse usufruto que o inconsciente faz daquilo que o sujeito sente e exerce buscando uma certa realização ao seu desejo. Como se a criança que sente, que tem o sintoma, que sofre, estivesse a todo tempo necessitada de uma realização que pode ser encontrada nos seus mais diversos sofrimentos. É aquele que busca saciar-se com algo a partir da sua dor, sendo esse algo o seu próprio desejo.

Aí me vêm a seguinte pergunta: o que seria esse algo? Há idade para o sintoma? A idade do sintoma na psicanálise se difere da psicologia, pois ela não é cronológica, mas lógica. Este sujeito pode até na idade adulta trazer recordações do seu tempo da infância.

Entendo este solidário de Suárez como se a criança também sofresse as suas neuroses e psicoses iguais aos adultos. No inconsciente não se tem idade para vivenciar o sintoma. Ele vai aparecer igual aparece no adulto, por isso a criança não é subdesenvolvida. Ao contrário, o seu inconsciente parece formado tal qual o do adulto apresentando uma linguagem que vem através da imagem porque muitas vezes a criança ainda está na tenra idade e ainda não conhece a linguagem oral se debruçando sobre o que o inconsciente constrói e o que ela vivencia no seu dia a dia, processo este chamado por Freud de condensação e por Lacan de metáfora.

Quando Suárez nos diz que é do significante que depende a produção da significação, penso como se este significante fossem aquelas impressões subjetivas formadas no inconsciente e que a criança apresenta através das suas birras, choro, dor ou emoções que não sabe revelar.

O sintoma define a criança assim como nós adultos.

Ele se apresenta nas mesmas características do dos adultos, por isso pode ser tratado pela psicanálise. Características essas não terminantemente iguais, mas parecidas nas neuroses e psicoses que muitas vezes deixa o adulto sempre na infância. Assim, o gozo que a criança vive é o mesmo do adulto, ele busca saciar-se no sintoma que pode ser neurótico ou psicótico.

É através do sintoma que o analista passa a conhecer a criança, pois à medida que a análise vai ocorrendo ao passar do tempo, descobre-se um pouco mais da subjetividade dessa criança podendo ajudá-la no encontro da descoberta de si enquanto sujeito que se encontrava incompleto e poderá achar no seu gozo uma quase completude porque para mim sempre existirá um pouco de castração no sujeito que sente e o sentir aqui refere-se ao sintoma de Lacan.

Na metáfora, eu tenho experiências vivenciadas que se misturam com outras que não conheço dando lugar a novas impressões subjetivas em relação ao que o meu inconsciente esboça como sintoma exterior. A criança que sabe algo junta a isso outras coisas que ela não conhece e cria a partir daí suas próprias impressões que podem vir em forma de neurose ou psicose porque está a afetando de forma que ela não consegue lidar com o sofrimento desconhecido.

A mensagem é opaca para a criança porque ela não a conhece ainda, ela não sabe expressar de onde vem o seu sintoma ou por que ele está ocorrendo. Dá-se daí o encontro com a realidade que se satisfaz ao ser descoberta a sua causa? Ou seja, uma realidade que sente o gozo a partir de se extravasar no sintoma?

Não se pode buscar encontrar apenas a mensagem que o sintoma tenta passar, mas como ele se apresenta no gozo tentando se estabilizar no usufruto de algo que o sujeito neste caso a criança sente e não sabe como lidar ou por que sente aquilo, sonha com aquilo, imagina aquilo, vive aquilo.

A mensagem que se encontra no inconsciente e tenta se realizar no sentimento através do gozo. Seria como se a criança estivesse sofrendo de terrível febre e ninguém soubesse de onde ela vem. Ou até mesmo que a criança desenhasse monstros para apresentar o seu sintoma ao analista e a partir desses desenhos o analista junto com ela pudessem encontrar um caminho para uma análise cada vez mais necessária e afetiva.

O falo não sendo o pênis é o que a criança tem em si, próprio do seu eu, que se caracteriza por uma falta a partir da castração. Como ocorreria esta simbolização? Por que o falo é imaginário? Seria ele algo que a criança faz de conta que existe, mas não pode tocá-lo ou senti-lo? Penso que este falo se movimenta no inconsciente da criança como o ciúme por um irmão mais novo ou um apego a algum brinquedo ou parente próximo.

Mesmo na presença do filho, a mulher não se sente completa, ou seja, vai sempre lhe faltar algo, quer seja isso imaginário ou não. Ela toma posse dessa incompletude e segue necessitando da presença do pai e do filho menino para sentir-se realizada. É essa mãe que necessita traz a criança para análise e chega cheia de dúvidas querendo que o analista resolva o sintoma do seu filho, quando na verdade ela precisa desse encontrar o seu falo antes mesmo do que a sua própria criança.

Ademais, gostaria de deter-me um pouco no mito que a criança cria para aliviar o seu sintoma.

O mito é necessário para fugir daquilo que os homens costumam chamar de real, ou seja, do que se apresenta para gente através dos sentidos. A criança cria este mito para dá uma resposta ao seu sintoma, para aliviar a sua dor, para fugir do real e passar a conviver a partir do seu mito lugar confortável que faz parte do sujeito analisando. Enquanto o mito não é substituído por algo melhor a análise tende a continuar, pois ela é o elemento essencial que traduz a criança ao estar no divã.

Como exemplo de mito, eu simbolizaria a criança que cria faz do seu mundo imaginário uma fuga desse real que tanto a assusta apresentando-o através das brincadeiras, do desenho ou até mesmo da invenção de historinhas que tanto lhe agrada.

Este é um estudo introdutório ao mundo da psicanálise infantil. Nada aqui dito se confirma em afirmações, mas reflexões acerca de um texto que nos motivou a registrar a sua boniteza enquanto iniciantes de uma ciência se preocupa com as pulsões do sujeito, aqui representado na infância.

 Autora: Rosângela Trajano

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