A admirável vovó que reduziu a infelicidade de duas famílias

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Maria Helena, vou chamá-la assim, a avó, vai buscar o neto de seis anos que mora com a mãe em outro estado. Conforme combinado na Justiça, o menino passará as férias com o pai, filho de Maria Helena. Trata-se de um casamento que terminou mal: os ex-casados brigam por telefone, não podem se falar, as famílias criticam-se asperamente.

Maria Helena desembarca do avião e vai para o local do encontro. No horário combinado, a ex-nora não aparece com o menino. Maria Helena vai perder o voo de retorno, terá de trocar a passagem e pousar uma noite na cidade.

Como a maioria de nós em semelhante situação, sente-se irritada. As decepções e a raiva acumuladas há anos tendem a vir à tona e a explodir numa grande briga. Porém, Maria Helena decide evitar o comportamento habitual e priorizar a felicidade do seu netinho.

Antes de tudo, procura entender que a ex-nora, provavelmente, sente raiva ao lembrar-se das decepções que teve no casamento.

Ela deve ser imatura, no sentido de que não capta a rede de relações em que vivemos. Qualquer atitude nossa afeta muita gente. No caso, transferência de passagem, atraso nos compromissos que teria Maria Helena amanhã, afetando terceiros que nada tinham a ver. Por exemplo, teria de desmarcar horário na dentista, atrapalhando sua agenda, e assim por diante.

Maria Helena coloca-se no lugar da ex-nora e deduz que deve ser difícil para ela entregar, por ordem judicial, o menino para o “ex”, o pai. Sabe o quanto é duro para ela, avó, devolvê-lo no final das férias. Deve ser mais duro ainda para quem é a mãe. Deve sentir a irritação proveniente do sentimento de perda.

No dia seguinte, nova combinação de encontro. Maria Helena já fez o check-out no hotel, mas somente após seis horas do combinado a ex-nora aparece. Joga os cabelos bem escovados para trás e, de seu rosto irretocavelmente maquiado, deixa escapar o sorriso irônico: “Como se seu filho nunca tivesse me feito esperar!”.

Maria Helena abraça calorosamente o neto. Apresenta-se para o novo namorado da ex-nora: “Sem lhe conhecer já lhe quero bem. Meu neto falou por telefone muito bem de você. Sinal de que você é um bom homem e o trata bem”.

Volta-se para a ex-nora e diz: “O que são algumas horas de espera em contrapartida a este presente que você me dá?! Poder conviver nos meus últimos anos de vida com um menino maravilhoso como é o teu filhinho. E ele tem muito de você”.

Maria Helena, antes de falar, buscara dentro de si motivos para ter afeto pela mãe do netinho. Expressou algo que sentia.

A bem maquiada ex-nora e seu novo namorado, constrangidos frente à inesperada recepção amistosa, aceitam o convite para um café. A partir desse momento, uma trégua teve início.

Após muito tempo, o menino vê as pessoas adultas com as quais convivia e tinha afeto se relacionarem sem agressão. Surgira uma flor naquele pântano. “Apenas uma flor”, como na foto de Sérgio de Paula Ramos (foto da capa).

O menino relaxa a ponto de dormir sobre duas cadeiras com a cabeça no colo da vovó. Da admirável vovó.

Autor: Jorge Alberto Salton

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