Vocalização do texto poético escrito: relato de um curso no exterior

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O intuito foi apresentar uma possibilidade de vivência significativa na linguagem por meio do trabalho com o texto poético em turmas de Educação Básica, contemplando a experiência singular do sujeito que, via vocalizações, mobiliza significações na particularidade do discurso poético.


No mês de novembro de 2019, estive ministrando um curso na II Jornada Mundial sobre o Ensino e Aprendizado do Português em Lima, Peru. O tema do meu curso foi “O trabalho com a poética da língua”, voltado para professores que ensinam português no mundo. Nesse evento, estavam presentes professores dos Estados Unidos, Perú, Argentina, Venezuela e Brasil.

A Jornada foi promovida pela Asociación  de Profesores de Portugués como lengua Extranjera en Perú e aconteceu na Pontificia Universidad Católica del Perú.

O tema que eu levei para a explanação faz parte do eixo temático de minha Dissertação de Mestrado em Linguística, na Universidade de Passo Fundo, que tem como Orientadora a Professora Dra. em Linguística, Marlete Sandra Diedrich. Na pesquisa trabalhamos à luz de princípios do linguista francês Émile Benveniste e de Roman Jakobson.

O intuito no Perú foi apresentar uma possibilidade de vivência significativa na linguagem por meio do trabalho com o texto poético em turmas de Educação Básica, contemplando a experiência singular do sujeito que, via vocalizações, mobiliza significações na particularidade do discurso poético.

Apresentei um trabalho com a poeticidade via vocalizações arranjos linguísticos e seu potencial alcance de significação no ensino de língua. Neste estudo, voltamos nossa atenção para a abordagem teórico-metodológica do ensino da língua portuguesa, à luz de princípios advindos das reflexões de Roman Jakobson (2007), em especial, daqueles apresentados no texto Linguística e Poética. Apresentamos uma proposta de minicurso no escopo da temática “As metodologias e abordagens de sucesso no ensino de português”.



“A literatura, como arte, consiste em um grande trampolim para o ensino e para despertar no educando o interesse em aprimorar a linguagem e a leitura, por consequência, uma mudança de atitude e de competência linguística em todas as áreas do conhecimento e da formação humana do cidadão”.



Em Benveniste buscamos suporte no artigo Significância e experiência, que encontramos em Últimas aulas no Collège de France. Nesse texto, aparece “a noção de “enunciação” compreendida como uma “experiência”.

Percebemos, por esse viés, que a experiência na linguagem coloca em destaque a propriedade da significância, pois é nela e por ela que o sujeito se reconhece. Dá a entender que uma poética está ligada a experiência humana na linguagem, salientando que isso é um ato individual, tendo a atividade linguística como eixo central.

Não obstante, os autores chamam atenção de que a linguagem em que se apresenta essa modalidade que é a escrita, porque é através dela que encontramos o discurso do poeta, por exemplo, “, impunha-se uma reflexão sobre a experiência específica da escrita representada pela linguagem poética” (BENVENISTE, 1968 e 1969/ 2014, p. 53), notamos que o linguista salienta a “experiência específica” que é a linguagem poética, quer dizer que devemos olhar com diferenciados à esta linguagem.

Observamos que Benveniste conceitua a linguagem poética, chamando-a de “linguagem interior”, pois a linguagem poética exige que o analista “mude de instrumentos”, (BENVENISTE, 1968 e 1969/ 2014, p. 54), Em seguida ele define:“Essa “língua diferente” que seria a poesia necessita, portanto, de uma “translinguística”: pois a “significância da arte” é não convencional”.

Podemos entender que o linguista dá ênfase a essa linguagem e define que devemos ter um olhar diferente, pois se trata de uma linguagem e trata como “significância da arte”. E segue definindo quais pontos merecem destaques nessa “translinguística” presente na poética, “a mensagem poética, “ao contrário das propriedades da comunicação”, fala uma emoção que a linguagem “transmite”. (BENVENISTE, 1968 e 1969/ 2014, p. 54). Com essa definição do autor, acreditamos que estamos lidando com uma linguagem “interior”, “diferente”, “não convencional” e que transmite “emoção”.

Assim, continuamos nosso olhar teórico com Jakobson, para o ensino de língua a partir da concepção da sua manifestação poética. Nessa concepção, entendemos que a linguística não pode ser vista separada da literatura, pelo contrário, “[…] a Linguística é a ciência global da estrutura verbal, a Poética pode ser encarada como parte integrante da Linguística” (JAKOBSON, 2007, p. 119). Para Jakobson (2007, p.119), “A poética trata dos problemas da estrutura verbal, […]”.  O autor (p. 128) afirma que “[…] A função poética não é a única função da arte verbal, mas tão-somente a função dominante, determinante, ao passo que, em todas as outras atividades verbais ela funciona como um constituinte acessório, subsidiário.”

Com essa motivação, entendemos a função poética como um investimento nos arranjos verbais, os quais se pautam nas relações entre as unidades linguísticas. Tais unidades comunicam para além de si mesmas, num jogo de relações entre formas e sentidos que são mobilizadas no discurso.

Em Lima, tive a oportunidade de sentir que o trabalho que venho realizando há muitos anos no que tange a materialização no discurso da experiência de vocalização do texto poético vivenciada em sala de aula na relação enunciativa de emissão e recepção entre eu/tu, foi muito bem aceito, por dar atenção a uma abordagem teórico-metodológica do ensino da língua portuguesa e demonstrar algumas possibilidades de ensino alicerçadas na teoria e prática. Inclusive, muitos professores que lá estavam parabenizaram-me, dizendo que a partir da minha fala se sentiram motivados enxergando novas possibilidades para o ensino da língua.



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