Um desafio chamado inclusão

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A detecção precoce de riscos dos transtornos do desenvolvimento infantil e o seu atendimento específico e adequado faz toda a diferença na vida do autista, da família e da sociedade.

A criança de poucos meses dorme boa parte do dia. Já nesta fase inicial de vida os pais devem ajudar o nenê a perceber que nem sempre ele será atendido imediatamente quando chora. Conversar carinhosamente, explicando que ele deve ter calma e esperar um pouco para ser amamentado, trocado, banhado… é assim que ele começará a compreender a dinâmica da vida, preparando-se para enfrentar as frustrações naturais.

No primeiro ano de vida ele crescerá mais rapidamente e se modificará mais do que em qualquer outra idade.

Até os três meses o sentido do tato na criança é bastante desenvolvido. Ela aprende sendo tocada e tocando pessoas e objetos. O saber agarrar é um reflexo inato e não uma ação consciente.

O olhar da mãe é muito importante. Ela vai se “ver” refletida nos olhos da mãe, especialmente quando é amamentada.

O bebê, quando está acordado, gosta de companhia. O contato com a mãe e demais pessoas se dá pela vista, audição e tato. Ele é muito sensível ao som. Faz bem para ele ouvir a voz humana que pode se expressar por uma canção suave, como de ninar, o sussurro carinhoso, assovio, a contação de histórias, são atitudes que acalmam como também o som de móbiles pendurado junto ao berço, movidos pela brisa do vento. Ele ficará encantado com o som e o movimento.

Por volta dos quatro a cinco meses elas apreendem a alcançar e segurar os objetos que estão próximos. Eles gostam de chocalhos e brinquedos de superfície lisa e grandes coisas coloridas para apertar, brinquedos estofados, em forma de bichinhos ou de rosca, que é fácil de ser agarrado.

O sentido da audição é bem desenvolvido desde antes do nascimento. Proporcionar à criança a audição de música suave, cantigas de ninar, canções do folclore, contação de pequenas histórias demonstrando na voz e na expressão facial a emoção dos personagens.

Eles gostam de se olhar no espelho e serem estimulados a se ver no colo do adulto.

Nessa fase eles imitam os movimentos dos adultos com a cabeça, os braços e as mãos e começam a repetir os sons que os adultos fazem.

A partir dos seis meses dormem menos e já estão habilitados a brincar sozinho. Derruba e atira coisas e repete esses atos várias vezes que lhes dá prazer. A criança adora brincar com as pessoas que já conhece e acena quando o adulto se despede.

Aos sete ou oito meses começará a engatinhar e logo em seguida, a levantar-se apoiada em algo e ensaia os primeiros passos estimulada e amparada pelos adultos.

Quando o bebê adquire o senso de mobilidade vai se tornar um grande explorador do mundo que o cerca sem qualquer noção de perigo.  O ambiente onde a criança aprende andar deve ser preparado adequadamente. O que representar perigo deve ficar inacessível a elas: remédios, objetos perigosos, vidros, etc. Eles precisam ser vigiados atentamente desde quando começam a engatinhar até quando estiverem andando e descobrindo o mundo a sua volta.

Elas gostam de “casinhas” improvisadas, caixas de papelão, embaixo da mesa, lugares para se esconderem e serem achados. Estão descobrindo todos os cantos do seu mundo.

Brincar ao ar livre com terra, areia e água é muito gostoso e elas podem sujar-se à vontade, por algum tempo.

As crianças gostam de ouvir música suave ou alegre e movimentada e dançar, se sacudir no ritmo da música. Para acalmar e induzí-la a um sono reconfortante nada melhor que uma música suave e uma prece ao “Papai do céu.”.

As quadrinhas rimadas, versinhos e leituras curtas são apreciados pelas crianças. Elas gostam de folhear livros coloridos, revistas e dedilhar as telinhas coloridas do celular e similares, isto sempre como moderação e cuidado dos adultos.  Elas, até por volta dos três anos, costumam afeiçoar-se a algum brinquedo velho ou surrado e ainda não brincam com outras crianças nem gostam de emprestar seus brinquedos. A partir dos três anos ela passa a ser mais sociável.

A palavra predileta de grande número de crianças de dois anos é NÃO. É o início da autoafirmação, elas estão testando a própria vontade e a dos pais. De vez em quando elas necessitam ser obstinadas, isso faz parte do desenvolvimento. Não se deve fazer disso um problema.

A duração do interesse da criança por alguma atividade é muito curta. Ela só brincará por longo tempo se lhe derem uma bacia com água e areia para fazer barro.

Nessa fase as crianças gostam de subir em escadas e nas coisas, essa ação ajuda a desenvolver os músculos maiores, dos braços, pernas e tórax e de engatinhar em caminhos suspensos o que ajuda a desenvolver o senso de equilíbrio. Os passeios a pé, ao ar livre, com os familiares são ótimos. Eles devem ser curtos e simples pois a resistência da criança é limitada. Ela observará a natureza, ouvirá o canto dos pássaros, verá o voo das borboletas e das aves, acompanhará o deslocar das nuvens, no céu e a noite, olhar a lua e as estrelas.

Elas gostam de ouvir ou ver uma história que as fascina, várias vezes, até esgotarem à vontade, pois elas estão educando as emoções básicas, sentindo o que os personagens estão vivendo: surpresa, medo, tristeza, alegria, raiva, etc. O mesmo acontece com a audição de algumas cantigas infantis.

Aos três anos a criança torna-se sociável, adora brincar ou trabalhar com a mãe e o pai, aprender coisas com eles. A curiosidade de conhecer o mundo é insaciável. Gostam de experimentar e fazer coisas novas, de rasgar, despedaçar e esmurrar. Inicia-se a fase dos porquês, dos questionamentos. Ela quer entender o mundo.

As crianças de três a seis anos gostam de dramatizar, fingindo que são bichos ou coisas, e que já são adultas: motorista, professor, bombeiro, mamãe, papai, etc. e devem ser estimuladas para tal, elas também gostam de encenar as histórias ouvidas. Elas têm a tarefa de separar, na mente infantil, o mundo real do mundo imaginário. Gostam de serem reis, rainhas, fadas, príncipes, porquinho, lobo mau, etc. Possuem alta capacidade de imaginação e criatividade.

Os pais e educadores precisam estar atentos às emoções das crianças. Ideal que elas sejam expressas e trabalhadas pelos adultos. A frustração e a raiva são inevitáveis quando a criança está se desenvolvendo. Ela necessita aprender a desabafar, externando a energia de sua raiva, agredindo e mordendo coisas e não pessoas. Nas escolas maternais tem os “sacos de pancada”, os bonecos “João Bobo” ou “bode expiatório” sobre quem elas descarregam a raiva. Com eles a criança poderá desabafar sentimentos que devem ser externados sem prejudicar irmãos e colegas.

Os sentimentos recalcados são causas de futuras perturbações emotivas. Uma atividade desestressante é jogar, com a criança, pedras dentro de um lago, rio, à beira mar ou acertar num alvo previamente colocado em um lugar para ser atingido. O brinquedo é a mais alta fase do desenvolvimento infantil, cheia de pureza e espiritualidade. Proporciona alegria, liberdade, satisfação e paz com o mundo. A criança que brinca espontaneamente será um adulto harmonizado. 

Na fase infantil muitas crianças aprendem a tocar algum instrumento musical, com música simples e danças acompanhando o ritmo da música.  Gostam de imitar, basta sugerir: faça de conta que você é um animal qualquer, uma árvore ao vento. Ela vai agachar-se, dobrar-se, bambolear o corpo, andar na ponta dos pés e criar passos ao ritmo de música, de preferência de pés descalços.

Nos primeiros sete anos de vida a criança fisicamente sofre grandes alterações e crescimento. O corpo vital da criança ainda é dependente da vitalidade da mãe. Época de predominância das doenças febris e infecciosas comuns da infância, que estimulam o amadurecimento do sistema imunológico e a individualização das proteínas da criança. A criança, por isso, precisa se sentir aninhada, aprende a falar, andar, pensar, brincar, imitar e deve acreditar que o mundo é bom. Por esse motivo os contos de fada e as histórias da Carochinha sempre apresentam um final feliz. O bem sempre vence o mal.

Pelos seis anos, o pensamento já está mais desenvolvido inicia-se a alfabetização e a socialização melhora. As artes são muito importantes: o desenho, o canto, a dramatização, a dança, a pintura. É a época de desenvolver o respeito à autoridade externa, fora do lar.

Mas, atenção! Os pais, demais familiares e cuidadores das crianças devem ficar atentos com o comportamento infantil.  Até agora descrevemos as características gerais do comportamento das crianças típicas, até por volta dos seis anos e de de como elas reagem no transcurso de seu desenvolvimento normal nos primeiros anos da infância. São as crianças neurotípicas.  E as atípicas?

O que é o Transtorno do Espectro Autista?

O autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento que se caracteriza por déficit na área da comunicação e da interação social, com estereotipias de comportamento repetitivo e de interesse restrito e peculiar a algumas atividades.  O TEA é muito complexo e diversificado. São diferentes dos neurotípicos, não é uma doença, é uma maneira diferente de pensar e aprender. Atualmente ocorre alto índice de nascimentos de crianças com TEA, no Brasil e no mundo.

O TEA ainda não possui causas totalmente conhecidas que podem ser predisposição genética ou mesmo fatores ambientais. O diagnóstico médico é feito a partir do histórico da criança, a observação de seu comportamento e o relato dos pais e deve ser feito logo que se percebe as dificuldades da criança de interagir com as pessoas mais próximas.  O diagnóstico precoce, que já pode ser feito a partir dos três meses de idade do bebê, é fundamental para iniciar terapias que vão amenizar os sintomas.  Estas crianças apresentam desenvolvimento físico normal mas com grande dificuldade de comunicação e interação, apatia ou agitação, comportamento aparente de viver num mundo isolado, paralelo ao mundo real. É considerado um transtorno multifatorial, mais comum em meninos do que meninas, havendo necessidade de intervenção especializada na condução do manejo com estas crianças que vão ajudar a reverter alguns transtornos do desenvolvimento.

Elas podem apresentar déficit na fala que pode ser total ou parcial. Apresentam dificuldade na interação social por falta de reciprocidade, de atuar em grupo e manter contato físico com outras pessoas. Alguns apresentam comportamentos repetitivos nos gestos, fala e/ou nos movimentos; são meios que as pessoas com TEA usam para se autorregularem e se acalmarem. Elas exigem rotinas e hábitos rígidos diários e reagem, podendo entrar em crise, surto, quando esta rotina é alterada sem elas serem preparadas previamente para tal.  Elas podem apresentar, entre outras, as seguintes estereotipias: rodar objetos nas mãos, girar em torno do próprio eixo, movimentar dedos na frente dos olhos, correr de um lado para o outro, fazer sons com a boca, acender e apagar o botão de interruptor, balançar o corpo, segurar sempre pequeno objeto.

Os terapeutas especializados aconselham que não se deve impedir as estereotipias pois elas ajudam o autista a se acalmar e organizar seu pensamento. Muito cuidado e atenção se deve ter com as portas que levam para a rua no ambiente onde a criança com TEA está participando, pois, utilizando este acesso, pode ocorrer uma fuga sem direção certa, colocando-a em risco.  Há uma grande variedade na manifestação destas condutas.  

Algumas estereotipias são auto lesivas como morder a si próprio, nas mãos, braços, arrancar peles das unhas ou lábios, bater com a cabeça no chão ou parede, deve-se impedir tal atitude   propondo logo uma outra atividade interessante, desviando o foco do problema.

Essas crianças e jovens podem, legalmente, participar das atividades escolares, num processo de inclusão junto com os alunos típicos. Para tal, a direção da escola, professores, funcionários e alunos típicos precisam ser preparados para recebe-los em condições favoráveis para todos.

Os níveis de autismo estão catalogados como:

 Nível 1 – ou grau leve, são mais funcionais do que os outros níveis, necessitam de suporte para se organizarem e planejarem as atividades, tem dificuldade de iniciarem interações com os outros, parecendo tímidos e introspectivos mas possuem rica potencialidade a ser estimulada e que, adequadamente explorada, pode surpreender, como no desenho, no canto, na escrita de histórias, elaboração de pequeno texto ou poema, na dramatização, nas ciências naturais  ou sociais, na matemática, etc. A sala de aula é um ótimo espaço para ajudar a aflorar as habilidades adormecidas quando estas forem incentivas adequadamente. Eles têm boa percepção para detalhes. Pessoas com síndrome de Asperger são incluídas neste grupo pois, falam bem, são inteligentes, mas tem dificuldade na interação social.

Nível 2 – grau moderado – necessitam de suporte maior para se organizarem. A fala é bastante comprometida, usam frases muito simples. Reagem mais ostensivamente às mudanças de rotina e de ambiente. Têm dificuldade no contato social pois seus interesses são específicos. Na sala de aula elas podem participar desde que as atividades pedagógicas sejam adaptadas a seu jeito de ser.  Com o tempo podem surpreender.  Indispensável que o educador possa contar com orientação psicopedagógica e ter, quando necessário, o suporte de outra pessoa para a realização da aula.

Nível 3 – Grau severo – Em geral, dependem do apoio direto de outra pessoa, pois são incapazes de agir de forma autônoma, têm grave dificuldade na comunicação, na interação social e na área da cognição. A criança ou jovem com TEA severo poderá participar das atividades na escola regular de forma bem limitada, sempre com o auxílio de um mediador capacitado.

O educador precisa estar ciente, em relação ao aluno com TEA, de quais são os gatilhos que provocam reações indesejáveis na conduta, como chorar, gritar, fugir do ambiente ou que o deixam irritado, angustiado, mas que não consegue verbalizar o que sente.  Muitas vezes é a intolerância aos sons, ruídos estridentes, barulho e agitação no ambiente. Este aluno leva mais tempo para processar as informações, o professor deve sempre usar frases curtas, com palavras simples e falar pausadamente, aguardando, com calma, paciência, pela resposta.

O autista deve ter acolhimento amável, sem toque físico, o olhar sensível, sentir a empatia e ter certeza do apoio e do desejo sincero de ser incluído no ambiente social da aula. Naturalmente, os alunos neurotípicos deverão ser informados e preparados, com antecedência, sobre as condições do colega com TEA para saber interagir com ele com amabilidade e respeito.

A administração municipal de Porto Alegre criou o Centro de Referência do Transtorno Autista (CERTA) que está sendo implementado desde 2023, e   reúne as ações de duas Secretarias Municipais, a da Saúde e a da Educação, que se compõe de equipe multidisciplinar composta por médicos, psicólogos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, pedagogos e psicopedagogos.

A detecção precoce de riscos dos transtornos do desenvolvimento infantil e o seu atendimento específico e adequado faz toda a diferença na vida do autista, da família e da sociedade.

Leia também: “A criança autista e a necessidade de compreensão”: https://www.neipies.com/a-crianca-autista-e-a-necessidade-de-compreensao/

Autora: Gladis Pedersen   –  pedagoga. Também escreveu e publicou “A magia da arte de contar histórias”: https://www.neipies.com/a-magia-da-arte-de-contar-historias/

Edição: A. R.

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