Prefaciando Amor: encantos e desencontros, de Laercio Fernandes dos Santos

Uma das mais instigantes características humanas é a busca pelo encontro. No caminho pelo qual cada um se conduz para essa busca, há o amor. E não só. Há de se saber que a perda se esconde nesse caminho, que é parte dele, que está tão presente como qualquer outro acontecimento, mesmo sendo difícil de percebê-la.  É essa uma primeira ideia que surge na leitura de Amor: encantos e desencontros, de Laércio Fernandes dos Santos, uma história sobre o ato de viver a aproximação amorosa entre adolescentes e jovens. Nesse romance, despertando questionamentos e entendimentos interessantes, a perda, imperceptível por um tempo, aparece em todos os encontros das personagens, tornando-se singular em seus efeitos. 

Da companhia dos pensamentos, dos sentimentos, das experiências e até mesmo de outros escritos, o livro surge daquelas coisas que, de algumas ideias, viram muitas e se organizam pela linguagem, querendo do autor um lugar de abrigo. Então, leitor, é bem possível que você, ao ler a história narrada nas páginas que seguem, encontre a ficção que faz pensar enquanto evoca memórias e lembranças e perceba que há uma imensa variedade de coisas na vida que escapam à compreensão.

Afinal, você vai viver imaginariamente uma vida que não é sua, mas que, atingido pelos efeitos de identificação, passa a ser um pouco sua também.

Recebemos do autor uma literatura que, sonhada por ele há muito tempo, toma forma concreta de uma obra em prosa longa. Em seu espaço de criação, estruturado em capítulos, a narrativa flui, envolvendo o leitor nas vivências das personagens e nos episódios que dão forma ao drama que vivem. Tudo isso é possível pela linguagem, que, instauradora da realidade ficcional, nos chega repleta de significado. Por certo, foi por mergulhar com coragem e habilidade no universo da escrita que o autor conseguiu acolher alguns fenômenos da complexidade das relações humanas permeadas pelos sentimentos.

O espaço de criação do texto também demonstra que o autor sabe transitar entre as formas literárias. Observe, leitor, que a história é contada numa estrutura narrativa que se transporta para o lugar do poético, com alguns versos que iniciam capítulos e outros que compõem o discurso da personagem, permitindo, assim, que a imaginação de quem lê se amplie. Há uma riqueza de linguagem nas palavras que se juntam pela finalidade estética e produzem, assim, o efeito de sentido.

Nessa construção de linguagem, encontramos a transposição do drama amoroso no qual as personagens mergulham, criam suas memórias e refazem o que ela fez, hesitando entre o lugar da felicidade individual e a dois e, por vezes, esquecendo-se em si. Isso leva a pensar se tudo o que passar da vida para a alma é inesperado ou é eterno. E não esquecer, leitor, que a imaginação sempre desequilibra.

Reflexões surgem com os encontros e desencontros, no eterno embate da vida a dois.

Uma delas, inerente à temática da relação amorosa de contornos juvenis, é sobre a gravidez de mulheres jovens e os dilemas que advêm do abandono. E é certo que “De muitos amores temos os encantos, mas também os desencontros.” E pensar que tudo, para todas as personagens, vem do coração. A progredir na formação dos casais que amam, as fases do amadurecimento surgem, trazendo com elas o desejo que cala no corpo e nele fica, tornando intensa a entrega na própria carne, como a criar marcas para dizer que “Aquilo era a plenitude humana.”

E os mistérios que rondam o amor? O que acontece no íntimo de cada um? Como se resolve a volubilidade? Entre outras perguntas que a narrativa suscita, essas dão uma ideia do humano que perpassa a construção das personagens. O que há, também, é uma pergunta sobre o significado de amor. Outra, forte demais, é sobre a existência do amor.

Caros leitores! Recomendar-lhes Amor: encantos e desencontros, de Laercio Fernandes dos Santos, é uma responsabilidade que assumo com tranquilidade, sentindo-me honrada, haja vista a qualidade da narrativa. E seu autor? É um aluno que se tornou meu amigo. Conheci-o quando ele fazia o curso de Letras na Universidade de Passo Fundo. Como aluno de graduação já reunia condições extremamente caras e necessárias ao desenvolvimento da formação intelectual, as quais se ampliaram na pós-graduação. Hoje, cursando o doutorado, desafia-se à escrita literária, dando os devidos traços de real ao que foi imaginação.

Como o Laercio diz, “A escrita é uma forma de organizar o discurso de quem a gente é”. Ocorre aqui, querido amigo, uma bela e instigante organização sua.

Passo Fundo, abril de 2022.

Fotos: Divulgação/arquivo pessoal Laércio Fernandes dos Santos

Autora: Ivânia Campigotto Aquino. Pós-Doutora em Letras – Estudos de Literatura. Professora do curso de Letras e do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade de Passo Fundo

Edição: A. R.

O maior desejo do mundo

O que há de melhor no Ano Novo é o exercício da esperança. De minha parte, acho esta festa melhor do que o Natal.

– Papai, onde é a piscina?

Foi o que disse a menina, quatro ou cinco anos, enquanto a família tirava do carro cadeira e guarda-sol, e a tia lhe passava protetor solar, e a vó teimando em ir de calça comprida. A trinta metros estava o mar da Praia de Ingleses.

O que há de melhor no Ano Novo é o exercício da esperança. De minha parte, acho esta festa melhor do que o Natal.

O Natal tem um clima propício para a falsidade, obrigação de dar presentes para familiares de quem não gostamos, ou fazer caridade para o porteiro do prédio e a empregada doméstica. Ninguém consegue fugir do constrangimento de colaborar com o Natal dos papeleiros ou dos garis, ou arrecadar dinheiro para uma creche. Mesmo quem nunca foi solidário se vê obrigado, de uma hora para outra, passa a ter bom coração. Nada pior que coação à bondade.

O Ano Novo, por ser uma festa mais pagã, nos libera de obrigações da consciência. È uma festa da vida por si mesma, da passagem natural das estações. Mais amigos e menos parentes chatos, a praia ao invés das igrejas. Ademais, contrário de um “Feliz Natal” que serve apenas para um dia, desejamos “Feliz Ano Novo” com a obrigação de ajudarmos a tornar feliz doze meses. Ou seja, os desejos de Ano Novo devem ser, no mínimo, trezentos e sessenta e cinco vezes mais intensos que os de Natal. Isso se o ano não for bissexto, caso em que será preciso uma intensidade maior ainda.

Outra vantagem do Ano Novo é que os desejos são mais realistas, “paz e dinheiro no bolso, saúde pra dar e vender”. Embora a paz venha em primeiro lugar no pedido, coisa que no mundo nunca acontece, segue o dinheiro no bolso, e saúde, pra dar e “vender”. Combina muito mais com o espírito do capitalismo. E vêm lá os desejos reais: um automóvel, um emprego, a casa nova, concluir a faculdade, um parceiro para sexo e… amor.

Por fim, Ano Novo é menos ridículo. Não aparece um personagem gordo num tempo de dietas, nem há árvores de Natal com algodão ou bolinhas de isopor num calor de quarenta graus.

Como tudo, o Ano Novo tem lá seus inconvenientes. Será preciso imaginar formas de ganhar dinheiro de modo mais rápido e eficiente, além de precisarmos dos porteiros, das faxineiras, dos catadores de papel. Quem se preocupa com em ganhar dinheiro não pode cuidar da portaria do prédio, lavar a roupa, ou gastar tempo com faxina da casa ou da cidade. Assim, mesmo não querendo, seremos conduzidos a dezembro do próximo ano, com o castigo de sermos solidários e benevolentes outra vez.

A menina da Praia de Ingleses toma seu baldinho, pega na mão do pai, e segue para a beira-mar pela primeira vez. Segui atrás, cheio de expectativas para a colheita de alguma frase desconcertante quando ela visse o oceano. Mas a criança, sem deslumbramentos, quase como eu ante tantas esperanças de Ano Novo, olha para o pai e lhe conta:

– Eu já sonhei com uma piscina muito maior que essa!

Autor: Pablo Morenno. Também escreveu e publicou no site “Receita para amar gente e bichos”: www.neipies.com/receita-para-amar-gente-e-bichos/

Edição: A. R.

Religião self service

Entra em cena o que chamamos de religião do self service: cada pessoa, como livre passagem pelos corredores desse imenso “centro comercial”, pode escolher o próprio credo, com seus valores, orientações, luzes, palavras – temperando dessa forma o próprio prato religioso.

O processo de urbanização no Brasil e na América Latina, acelerado e desordenado nas últimas décadas do século XX, vem acompanhado de algumas características singulares, de modo particular no que diz respeito à vivência da fé.

No mundo rural, como sabemos, a Igreja Católica, com o templo e respectiva torre situados no centro dos municípios, figurava como uma referência não somente religiosa, mas também sociocultural e mesmo política.

Enquanto no seu interior proferiam-se as orações, novenas, sacramentos e celebrações, em suas dependências ocorriam os leilões, as quermesses, as festas do padroeiro e até mesmo os discursos dos candidatos em vista das eleições. Por outro lado, à sobra do templo e torre, ocorriam encontros de natureza vária, tais como negócios, “jornalismo” boca a boca, contratações diárias para distintos serviços sazonais e, claro, os namoros que depois vinham a ser abençoados no interior da igreja.

No universo urbano, além do cinema e teatro e de uma série de lugares de passeio e lazer, surgem dezenas e centenas de “instituições” que oferecem a mesma “mercadoria” de ordem religiosa.

A religião vai deixando de ser uma herança familiar para tornar-se uma escolha individual. Debaixo do mesmo teto podem abrigar-se familiares de diferentes credos. O pertencimento a determinada confissão religiosa ou paroquial, o qual, no campo, adquiria um imperativo praticamente obrigatório, cede o lugar à busca livre de interesses próprios que dependerão daquilo que cada instituição coloca à “venda”.

No interior do catolicismo, por exemplo, as fronteiras entre uma paróquia e outra, entre uma diocese e outra, borram-se completamente. Primeiro o carro, depois o telefone e agora a Internet e celular permitem participação à distância, sem falar da formação do que poderíamos chamar de “comunidades virtuais”.

Nesse contexto predominantemente urbano da modernidade tardia ou pós-modernidade, três características sobressaem: proliferação e pluralidade dos centros religiosos, trânsito mais ou menos fluído entre eles e a opção livre de temperar o próprio alimento religioso.

Na primeira característica, multiplicam-se por toda a cidade, capitais ou grandes metrópoles, as paróquias católicas, as igrejas protestantes históricas, os templos pentecostais, os centros religiosos de origem africana, o espiritismo, o budismo e o islamismo, com suas mesquitas – sem falar das iniciativas particulares das bênçãos e pregações.

No centro ou na periferia, nos bairros e condomínios nas ruas e avenidas, surgem lado a lado as mais diferentes denominações religiosas. Não é incomum encontrar três, cinco ou mais centros ou templos, enfileirados, cada qual com seus valores, sua visão de mundo e suas orientações específicas.

A segunda característica decorre da anterior. Em lugar de “fiéis” diários ou semanais, como era comum no mundo urbano, as distintas igrejas passam a contar com “consumidores” de serviços. E aqui vale a máxima de que “quem paga escolhe o cardápio”. A estrita pertença a esta ou àquela religião tende a pulverizar-se em um trânsito frequente por várias delas simultaneamente.

Os consumidores do sagrado tendem a buscar aquilo que cada uma pode oferecer: cura, bênção, conforto, consolo, sacramento, prosperidade, auxílio alimentício, organização em vista de melhorias e dos direitos humanos, segurança, sentido de vida, encontros para driblar a solidão urbana, celebrações, cultos, comemorações, oração pelos falecidos, proteção pessoal e/ou familiar, o santo da própria devoção e tantas outras expressões religiosas. Mesmo no interior do catolicismo, os “fiéis” o são não necessariamente com referência a uma determinada paróquia, e sim à busca daquilo do que estão necessitados no momento.

Daí que os movimentos religiosos de diversos matizes, ou até mesmo as pastorais sociais, respondem melhor às suas necessidades imediatas.

A terceira e última característica decorre igualmente das anteriores. Com trânsito livre e frequente entre as denominações e centros religiosos à disposição, os “consumidores” de seus diferenciados serviços passam a escolher naturalmente aquilo que lhes interessa. Isso mesmo, mais uma vez, os interesses pessoais ganham preferência sobre o sentido estrito de pertencimento.

Quase se poderia afirmar que a religião, no universo urbano, constitui um gigantesco shopping center, não concentrado, mas com uma rede capilar por todo o território da cidade, em cujas lojas podemos encontrar tudo o que é necessário desde um ponto de vista do sagrado. Entra em cena o que chamamos de religião do self service: cada pessoa, como livre passagem pelos corredores desse imenso “centro comercial”, pode escolher o próprio credo, com seus valores, orientações, luzes, palavras – temperando dessa forma o próprio prato religioso.

FONTE: www.revistamissoes.org.br/2024/08/religiao-self-service/

Autor: Alfredo J. Gonçalves, cs, assessor do SPM – São Paulo. Também escreveu e publicou no site “Barcos à deriva”: www.neipies.com/barcos-a-deriva/

Edição: A. R.

O que é, afinal, um intelectual?

Nos interessamos em descrever o que é um intelectual e qual o seu papel na sociedade contemporânea. Quando produzimos e editamos conhecimentos, fazemos com intencionalidades, a favor da criticidade e da humanização.

Em entrevista, Umberto Eco foi questionado e esta foi a sua resposta:

“Como definiria o termo intelectual?

“Se por intelectual entendermos aqueles que trabalham com a cabeça e não com as mãos, um bancário seria um intelectual, e Miguel Ângelo, que esculpiu com as próprias mãos, não seria. Nesse sentido, com a chegada dos computadores, qualquer um poderia se considerar intelectual. Mas será que isso faz sentido? Não para mim.”

Para Eco, o verdadeiro intelectual não é definido por uma profissão ou classe social. Ele é aquele que “produz novos conhecimentos através da criatividade.”

O exemplo é brilhante:

Um camponês que descobre um novo enxerto capaz de criar uma nova classe de maçãs está, de fato, realizando uma atividade intelectual. Enquanto isso, um professor de filosofia que repete, ano após ano, a mesma aula sobre Heidegger pode não estar sendo um intelectual de verdade.

A chave, então, é a criatividade crítica: a habilidade de questionar, analisar e reinventar aquilo que fazemos.

“É a única régua capaz de medir a atividade intelectual”, conclui Eco.

Seu pensamento desafia qualquer definição simplista e nos lembra que ser intelectual não é um título — é um compromisso com a originalidade e com o pensamento crítico.

Trecho inspirado na entrevista com Umberto Eco (1932-2016).

Leia mais: Em reflexão publicada no site, professor universitário Altair Fávero analisa a importância da filosofia como antídoto aos idiotas, principalmente os das redes sociais, como já apontava Umberto Eco: www.neipies.com/filosofia-para-nao-ser-idiota/

Autor: Nei Alberto Pies, professor, escritor e editor do site

Edição: A. R.

 Que mundo é este?!

Como textos também dialogam, promovemos aqui uma “conversa” entre dois gêneros discursivos, de dois escritores: a crônica, de Eládio Weschenfelder; e os microcontos, de Roseméri Lorenz. Afinal, se até os textos dialogam, por que todos não podem fazer o mesmo?

Em um mundo cada vez mais polarizado, a experiência dialogal torna-se artigo raro. Entretanto, sua prática é pilar fundamental na busca por uma sociedade democrática, mais justa e fraterna. Sendo assim, em uma época do ano em que a reflexão faz-se mais presente, optamos não só por apontar os problemas que nos rodeiam, mas por “esperançar” dias melhores, em que as soluções nasçam a partir de diálogos que respeitem os múltiplos pontos de vista.

Como textos também dialogam, promovemos aqui uma “conversa” entre dois gêneros discursivos, de dois escritores: a crônica, de Eládio Weschenfelder; e os microcontos, de Roseméri Lorenz. Afinal, se até os textos dialogam, por que todos não podem fazer o mesmo?

 Que mundo é este?!

Por: Eládio Vilmar Weschenfelder

Mundo mundo vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não seria uma solução. Mundo mundo vasto mundo mais vasto é meu coração. (Drummond)

O mundo da mitologia grega era dividido por três reinos e deuses correspondentes: Zeus, que dominava o céu; Poseidon, os mares; e Hades, o inferno, isto é, o submundo da vida e da morte. Lá havia o julgamento das almas em dois grupos: os justos e os ímpios. Os primeiros iam para os Campos Ilísios, mas os ímpios, ao Tártaro, onde eram terrivelmente atormentados.  

Por outro lado, o mundo ocidental moderno parece estar livre dos domínios dos deuses gregos, já que se encontra nas mãos dos humanos.  Quer dizer, saímos do mundo dos deuses – teocentrismo – e entramos no mundo onde o domínio parece estar sob o controle das criaturas humanas, isto é, nos trilhos do antropocentrismo.

Quando se fala de mundo, nos referimos primeiramente ao planeta Terra e a todas as coisas que existem nele, incluindo, é claro, os seres humanos, os animais, as plantas, os ecossistemas em geral, os múltiplos países e suas culturas. É um conceito amplo e abrangente que engloba tudo o que está no entorno. Nesse sentido, por enquanto, a referência é o Planeta Terra, querendo-se dizer que estamos no foco do geocentrismo, tanto que continuamos a nos referir ao sistema solar e ao universo em que vivemos. É o lugar onde ocorrem os fenômenos naturais, como o ciclo das estações, os movimentos dos astros e a existência da vida neste útero denominado Terra.  

Se existe vida tão diversificada noutros lugares, cabe aos cientistas provarem.

O problema é que os homens se julgam muito poderosos, tanto que podem acabar com a vida nesse pequeno lugar em que nascemos e vivemos. Basta que os dirigentes dessa meia dúzia de países apertem os botões do juízo final, tal é o poder de destruição das bombas atômicas e outras ainda mais letais. Dizem por aí que, se uma Terceira Guerra nuclear e mundial houver, talvez sobrem algumas baratas cegas a vagar entre os entulhos. Que barbaridade! 

Poderá haver outra forma mais discreta de destruição do Planeta Terra, também causada pelas mãos do Homo que se diz Sapiens. É por meio do aquecimento global. Basta observar as oscilações de temperaturas extremas, as secas inclementes (inclusive as que atingem os rios da Bacia Amazônica), devido às derrubadas das florestas, aos incêndios devastadores verificados em todos os continentes, as enchentes diluvianas, os tornados, tufões e furacões mundo afora. Isso sem considerar o derretimento das calotas polares e do gelo das cordilheiras. Mesmo assim, dê-lhe consumir combustíveis fósseis, aumentando a quantidade de gás carbônico no ar que respiramos.

Acesse também: O homem (MAN by Steve Cutts) https://youtu.be/RbpL5xGCXx8?t=137

Soma-se a isso tudo, a poluição dos mares, rios e lagos com lixo de todas as espécies, a aplicação de herbicidas e fungicidas nas lavouras, que produzem alimentos também contaminados. Os alimentos orgânicos estão cada vez mais raros e caros, aumentando, por efeito, as doenças, a fome e a pobreza de grande parte da população mundial já tão desassistida.

Quando se imaginava que a maneira de resolver as coisas entre as nações, a volta das guerras, da fome, do genocídio contra mulheres e crianças, vemos o absurdo das guerras entre Israel contra a Palestina, entre Ucrânia e Rússia, tendo-se a impressão de que estamos voltando ao tempo da barbárie em pleno início do Terceiro Milênio.

Quando criança, saudosamente lembro meus pais e professores, médicos e autoridades incentivando a vacina aos filhos, alunos e à população em geral, a favor da saúde e da alegria. Hoje muita gente desacredita do efeito benéfico das vacinas, acreditando nas pajelanças apregoadas e reproduzidas pelas fake news. Assim, velhas e erradicadas doenças voltaram a ceifar vidas de inocentes e incautos. Dá a impressão de que voltamos à Idade da Pedra, acreditando mais em falsos profetas do que nos cientistas e pesquisadores.

Colocando os pés no chão, os modernos meios de comunicação e entretenimento, por mais imparciais que desejem ser, não conseguem ocultar esse mundo contraditório dos conflitos militares com milhares de vítimas inocentes em pleno berço do Cristianismo, a derrubada das florestas, o aquecimento global e a destruição do Planeta Terra, que é a casa dos Homo Sapiens e das demais formas de vida.

Com certeza, isso não é um plano dos deuses. É um desatino dos Homo Sapiens inconsequentes.

Mas nem tudo está perdido, caros leitores, pois há movimentos como a COP20: Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que foi realizada em Baku (Azerbaijão) em novembro de 2024. Se a COP não alcançar os objetivos propostos, isso colocará ainda mais pressão sobre a próxima conferência, a COP30, que ocorrerá no Brasil. Após anos de discussões difíceis e tímidos avanços, será necessário um compromisso mais firme, com metas claras e uma implementação mais efetiva em defesa da natureza e, por efeito, da vida humana no Planeta Terra.

Lamentavelmente, o resultado da Rio+20 não foi o esperado. Os impasses, principalmente entre os interesses dos países desenvolvidos e em desenvolvimento, acabaram por frustrar as expectativas para o desenvolvimento sustentável do planeta. O documento final apresentou várias intenções e jogou para os próximos anos a definição de medidas práticas para garantir a proteção do meio ambiente.

Belém, capital do Pará, sediará a 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30), em 2025. A COP é uma conferência global com representantes de centenas de países. O evento tem como principal objetivo conter as consequências da crise climática causada pelo ser humano.

Enfim, a COP constitui mais uma oportunidade valiosa de colocar a Amazônia como ponto de debate, bem como uma janela aberta para mudar a perspectiva conjunta de salvar os homens do planeta Terra da fome e da insensatez. Quem sabe, pensando e agindo assim, estaremos enveredando mais pelo caminho do antropocentrismo panteísta, pois em tudo está a obra de Deus, especialmente naquele que é feito à sua imagem e semelhança.

Acesse também: Panteísmo Como é?: https://youtu.be/79hdRfQnCjo?t=570

Autor: Eládio Vilmar Weschenfelder. Também escreveu e publicou no site “Da caverna à primavera”: www.neipies.com/da-caverna-a-primavera/

MICROCONTOS

Por: Roseméri Lorenz

Equívoco monoteísta

– Pai, onde está Deus?

– Deus mora no céu, neste imenso vale, no rio, nas árvores, em cada pedra desta montanha!

O menino cresce, derruba as árvores, aterra o vale, polui o rio, implode a montanha e, com a madeira e as pedras, constrói, no centro do vale, um imenso templo, tão alto que quase toca o céu. Tudo para honrar a Deus.

Cena natalina 1

Na Terra Santa, um casal foge. Uma criança nasce. Uma luz brilha no céu. Não, míssil não é estrela-guia!

Cena natalina 2

Na Amazônia brasileira, um casal Yanomani foge de garimpeiros armados. O demasiado esforço antecipa o parto. A criança chora. A mãe também, mas de fome. Estrela-guia?

Como seria possível vê-la em um céu coberto de fumaça?

Cena natalina 3

No subúrbio de uma grande metrópole, a chuva cai torrencialmente e a água vai levando tudo morro abaixo. Nos escombros da casa, um bebê nasce. Três homens aproximam-se.

Reis magos? Não, bombeiros.                       

A defesa de Pandora

– Se não me quisessem curiosa, por que me dotaram de tal dom? Em vez de me proibirem de abrir a caixa, tivessem me informado o que nela havia! – bradava Pandora, furiosa.

– Mas, pensando bem, isso será até benéfico à humanidade. Afinal, a busca por soluções para os males levará os homens à evolução. E ainda lhes restará sempre a esperança!

Autora: Roseméri Lorenz. Mestre e doutora em Letras pela UPF-RS. Atua como professora de Língua Portuguesa e Literatura nos ensinos médio e superior. Também já escreveu e publicou no site outras quatro publicações. Segue link de uma publicação sua no site: www.neipies.com/um-desafio-ao-escritor-e-ao-leitor/

Edição: A. R.

Jesus não combina com preconceito

Jesus só demonstrou intolerância para com os intolerantes, aqueles que se achavam tão santos, que ao subirem ao templo para orar, ousavam declarar não serem tão pecadores como os outros. Estes não foram poupados de suas duras e severas críticas. Com a mesma severidade com que julgaram, foram julgados.

Já no começo, Ele mostrou a que veio. Escolheu nascer numa família humilde e em circunstâncias que poderiam ser, no mínimo, consideradas suspeitas. De repente, sua mãe apareceu grávida, e o filho não era de seu pai.

Poderia ter nascido num palácio, mas preferiu nascer entre os animais, acolhido numa manjedoura em vez de um berço de ouro. De fato, Jesus não combina com preconceito.

Ainda bebê, recebeu presentes de magos estrangeiros que não professavam a religião dos seus pais (“magos” é um eufemismo para “bruxos”). Por que hoje Ele discriminaria quem o quisesse louvar, ainda que não pertencesse ao seu povo? Ora bolas, Jesus não combina com preconceito.

Já adulto, foi inusitadamente banhado pelo perfume de uma dama da noite, adquirido no exercício de sua atividade. Jamais se incomodou por ser flagrado andando publicamente na companhia delas e de outros de moral duvidosa. Será que hoje Ele ficou mais seletivo? Jesus não combina mesmo com preconceito.

Nunca usou termos pejorativos para tratar leprosos, mendigos, excluídos, eunucos. Por que alguns dos seus seguidores insistem em usá-los. Não consigo imaginá-lo chamando alguém de “gay aidético”, ou de “leproso imundo”. Ele sempre foi um gentleman.

Tratava com dignidade a qualquer ser humano. E sabe por quê? Jesus não combina com preconceito.

Ele foi capaz de elogiar publicamente a manifestação da fé de um oficial do exército do império que ocupava sua terra. Mesmo sabendo que aquele homem provavelmente era devoto de muitos deuses, Ele não recriminou, mas admirou sua devoção ao criado enfermo. Tudo porque Jesus não combina com preconceito.

Ele escandalizou seus conterrâneos, ao usar uma figura por eles desprezada para ser o principal personagem de algumas de suas parábolas. Para Ele, mesmo um samaritano era capaz de surpreender o mundo com atitudes dignas e motivadas por amor.

Definitivamente, Jesus não combina com preconceito.

Foi flagrado aos papos com uma “nordestina” de sotaque estranho (Samaria ficava ao norte de Jerusalém) à beira de um poço, e mesmo sabendo de seu estilo de vida promíscuo, não a condenou, mas ofereceu-lhe saciar sua sede existencial. Você ainda acha que Jesus combine com preconceito?

Ao escolher seus discípulos, não os censurou por suas ideologias. De fato, entre eles havia publicanos, zelotes e até fariseus, abrangendo todo o espectro ideológico da época. Por que alguns dos seus seguidores atuais apaixonam-se de tal maneira por certas ideologias, que acabam demonizando os que pensam diferente? Quem dera fôssemos como Jesus que não combina com preconceito.

Ao ressuscitar, Ele quebrou todos os protocolos ao aparecer antes às mulheres e enviá-las como portadoras da boa nova aos demais discípulos. Por incrível que pareça, ainda há quem se diga discípulo d’Ele e que pensa que a mulher não deve ter oportunidade no ministério. Parece que Jesus vivia bem à frente do seu tempo e por isso, jamais combinou com preconceito.

Paulo, um dos seus mais proeminentes discípulos, fez eco ao que aprendeu do seu mestre. Tanto que foi capaz de citar poetas seculares em seu discurso, revelando estar desprovido de qualquer espírito discriminatório. Haveria algum erro em citar poetas seculares atuais? Será que isso nos desqualificaria como pregadores? Definitivamente, Jesus não combina com preconceito.

Jesus só demonstrou intolerância para com os intolerantes, aqueles que se achavam tão santos, que ao subirem ao templo para orar, ousavam declarar não serem tão pecadores como os outros. Estes não foram poupados de suas duras e severas críticas. Com a mesma severidade com que julgaram, foram julgados. Para estes, Jesus tinha adjetivos muito especiais, tais como hipócritas, “raças de víboras” e “geração adúltera” (equivalente mais polido de um xingamento muito usado em nossos dias).

Definitivamente, Jesus não combina com preconceito, muito menos com intolerância.

Autor: Hermes C. Fernandes. Também escreveu e publicou no site “Por um amor que vale a pena”: www.neipies.com/por-um-amor-que-vale-a-pena/

Edição: A. R.

O prazer em dar presentes

Para a manutenção da saúde psíquica, funciona a lógica de que é melhor só dar o que se tem ou que esteja ao seu alcance.

Chegados a mais um final de ano, nos deparamos com nossa exigência cultural de comprarmos presentes para trocá-los – ou dá-los – na noite de Natal. Envolvidas em apelos midiáticos, muitas pessoas fazem esforços incríveis para agradar aos seus, mesmo que isto implique em ficar horas em filas e em lojas concorridas disputando mercadorias ou ainda a assumir dívidas que adentrem ao ano novo.

Não diminuindo a importância da humanização que os festejos natalinos propiciam a todos nós, (o que ocorre em boa hora, pois, parece que os acontecimentos diários nos deixam um pouco egoístas e menos sensíveis às dificuldades dos outros durante todo o ano) a valorização que damos para a troca de presentes serve para nos alimentarmos de momentos de prazer e de gratificação. 

Mais do que uma festa Cristã, a noite de Natal, antecedente ao feriado proporcionado, acaba sendo um momento de encontros e reencontros e é usufruída pela grande maioria das pessoas no mundo todo, indistintamente de crença religiosa.

Mas, diferentemente do que o senso comum possa pensar, o Natal não virou uma festa comercial onde o mais importante é a troca de presentes.O ato de trocar presentes ocorre desde que o homem passou a viver em comunidades nos mais variados momentos históricos e é objeto de estudos da Antropologia há anos. Por trás deste gesto, estão implícitos discursos de gratidão, de manifestações de carinho e de amor, de reconhecimento, de desejo de paz, dentre outros.

Tribos e povos muito primitivos há séculos já executavam tais trocas e o continuam fazendo até hoje, tal como presidentes e primeiros ministros quando em suas visitas a outros líderes.

O importante antropólogo francês Marcel Mauss fez um interessante estudo no início do século passado onde, resumidamente, concluiu que as trocas de presentes implicavam em dar, receber e retribuir.Ou seja: dar um presente significa deixar quem o receba na obrigação de retribuir, e isto pode ocorrer com uma nova troca numa ocasião futura (iniciando um ciclo de reciprocidades afetivas) ou nas retribuições de gentilezas daí por diante, pois não é admissível sermos grosseiros com quem nos dá presentes.

E é sobre isto que fundamento a importância das trocas de presentes de final de ano. Até mesmo o endividamento por parte de quem dá é carregado de um significado de necessidade de agradar (mesmo que isto implique em obrigações financeiras por mais algum tempo) mas é um sacrifício que o presenteador entende como válido. O que difere uma pessoa que pelo prazer de dar algo afunda-se em dívidas, de outra, que com parcimônia dá o pouco possível a cada um que lhe é afeto, tem a ver com seus recursos psíquicos. Para a manutenção da saúde psíquica, funciona a lógica de que é melhor só dar o que se tem ou que esteja ao seu alcance.

Mesmo aos contrários às comercializações de presentes nesta época cabe a lembrança de que muitas pessoas vão conquistar seu primeiro emprego em decorrência disto, outras vão conseguir manter suas famílias pelos mesmos motivos, e assim por diante.

O ato de comercializar está inserido em nossa cultura, e o que é mais importante neste momento, é estarmos atentos ao quanto estamos investindo nestas trocas e o que isto tem de significado para nós. Afinal, podemos nos dar durante todo o ano, não sendo necessário esperarmos uma data e uma imposição cultural externa para que façamos algum gesto que signifique que temos consideração por alguém.

Boas Festas!

Que é o Natal? É a ternura do passado,
o valor do presente e a esperança do futuro.
É o desejo mais sincero de que cada xícara se encha com bênçãos ricas
e eternas, e de que cada caminho nos leve à paz. (Agnes Pharo) Leia mais:
www.neipies.com/o-natal-e-da-familia/

Autor: César Augusto de Oliveira, psicólogo clínico. Também escreveu e publicou no site “50 mensagens de final de ano”: www.neipies.com/50-mensagens-de-final-de-ano/

Edição: A. R.

Escola de pensadores

A vida, o conhecimento, é como uma imensa escadaria, em que não conseguimos ver onde termina. Sabemos que a partir de uma altura, poderemos enxergar mais longe.

O conhecimento humano é dinâmico. Sempre foi e sempre será. Uns morrem e outros nascem. Porque?  Porque as crianças satisfazem sua curiosidade perguntando como e para quem? Para seus pais, parentes mais idosos, amigos, professores?

Porque, com o tempo, esta curiosidade vai diminuindo de um modo geral e crescendo em outras? Falta de estímulo? Falta de estimuladores?

A ciência não tem limites de conhecimento. Principalmente, na ciência do saber. Cada um tem suas preferências para conhecer o mundo e seus segredos.

E onde nasce a curiosidade pelo desconhecido? No passado, foi sendo aluno dos grandes pensadores. Nos dias atuais, sem dúvida, é na escola.

Vamos voltar um pouco no passado.

No Rio Grande do Sul ocorreu a construção das “denominadas brizoletas”. Estas são testemunhas da universalização da educação primária no Rio Grande do Sul. As escolas, construídas em madeira, podiam ter apenas uma ou várias salas de aula. O nome popular está relacionado ex-governador gaúcho Leonel Brizola.

Segundo Brizola, entre 1959 e 1962, foram construídas 5.902 escolas primárias, 278 escolas rurais e urbanas e 131 ginásios, colégios e escolas, totalizando 6.302 novas instituições. Multiplicou as salas de aula, criando uma rede de ensino primário e médio que atingiu os municípios mais distantes, inclusive nas zonas do pampa, de baixa densidade populacional.

Abriu 688.209 novas matrículas e admitiu 42.153 novos professores.

Foi uma autêntica revolução educacional.

Bem, este foi o passado.

O sistema educacional continuou evoluindo pelas formações de novos professores, melhores instrumentos de educação, onde verdadeiros pacotes de conhecimento estão à disposição dos professores e alunos. Esta evolução foi excelente, mas será que está sendo suficiente para o mundo que nos espera e a concorrência com a educação de outros estados e de outros países? Não, absolutamente não.

A vida, o conhecimento, é como uma imensa escadaria, em que não conseguimos ver onde termina. Sabemos que a partir de uma altura, poderemos enxergar mais longe.

A grande maioria só tem chance de subir até uma altura. Muitos destes poderiam subir mais alto, mas as escolas primárias, com pequenas mudanças lhes oferecem um somatório de conhecimentos, com poucas variações.

 Cada vez, com mais frequência, há uma crescente mudança nas variadas áreas do conhecimento, como comunicação, de medicamentos, de locomoção.

Enfim, saltos tecnológicos nas mais variadas áreas do nosso dia a dia.

Pergunta: será que nessa imensa dimensão de revoluções tecnológicas, algumas não poderiam contribuir para um salto na educação?

Educação, educação e mais educação é o caminho a seguir. Mas que tipo de educação?

 Por que não formar turmas de” pensadores”?  Só de alunos, não.

De professores e alunos. A educação básica seria a atual, mas parte importante do tempo na escola seria dedicada a fugir do formalismo. Pensar em qualquer coisa, mas pensar e discutir no grupo a viabilidade das ideias.

 Não se busca ideias milagrosas, mas sim ideias que despertem ideias. Podem não servir para uso imediato, mas acostumarão os alunos a pensar na vida adulta.

Difícil? Sim, mas acostumar a pensar em situações diferentes é como uma receita de pão, só com o trigo a massa não cresce, o “fermento” é que a faz crescer. Os frutos dos pensadores não vão revolucionar o ensino, mas darão a estes alunos condições para subir mais alto na escadaria da vida.

Seriam parte dos futuros líderes, que o país necessita.

(este texto foi produzido a partir de proposta apresentada aos candidatos a prefeito municipal de Passo Fundo, antes das eleições de 2024, durante sabatina realizada na APL (Academia Passo-Fundense de Letras)

Autor: Roque Tomasini, Acadêmico APL (Academia Passo-fundense de Letras).

Tempo: o servo da história

Com frequência ouvimos dizer que o tempo é o senhor da história ou da razão. Mas, esta não é a única interpretação possível. Podemos compreender o tempo também como servo dos que fazem a história. E, todos fazemos história, embora nem sempre a façamos como gostaríamos ou deveríamos.

O nosso tempo individual é limitado e irrepetível. O da história, é muito mais amplo e indefinido. A esta história geral, à qual todos nos inserimos, costumamos nos referir com destaque maior. Até a grafamos com letra maiúscula: a História.

Vivemos influenciados e, em grande medida, condicionados ao nosso tempo histórico. Embora seja um tempo com inúmeras possibilidades que não existiam em outros tempos, só podemos viver no tempo de agora. Mesmo que tenha havido um desencaixe radical entre o tempo e o espaço nessa nossa temporalidade, não conseguimos retroagir, retardar ou acelerar o tempo. Não obstante sejamos obrigados a viver esse tempo, não significa que ele nos determine. Portanto, ele não é o senhor absoluto; não reina de forma total sobre nós. Se assim fosse, seríamos apenas uma peça no tempo, qual ponteiro de um relógio analógico.

O relógio é uma máquina de registrar o tempo cronológico. O relógio de sol já era utilizado pelo babilônicos há 5.000 a.C. Mas, o primeiro relógio mecânico só foi inventado em 725 d.C. pelo monge budista chinês Yi Xing. Consistia em um sistema com baldes, engrenagens e queda d’água que demarcava as horas. Ao longo dos tempos, essa máquina de medir o tempo foi adquirindo os mais diferentes formatos, incluindo o Corpus Clock, construído em 2008, em Cambridge, no Reino Unido. Trata-se de um relógio famoso, tendo em cima um gafanhoto gigante que vai “devorando” o tempo conforme ele passa.  

Na mitologia grega, Chronos ou Kronos era o deus do tempo, representado com uma foice, gadanha ou harpe. Um deus que impunha medo por devorar os próprios filhos a fim de que nenhum deles viesse a roubar-lhe o trono. Ao mesmo tempo em que o Kronos vai nos engolindo qual gafanhotos devoram a plantação, há um tempo de outra natureza. É o Kairós, um tempo favorável e agradável, que nos alimenta a esperança. Na mitologia grega, Kairós era o deus do tempo não linear, da boa oportunidade. Para o cristianismo, o Kairós é o tempo de Deus, tempo da graça. Um tempo de caráter qualitativo e não quantitativo. Entre esses tempos qualitativos, está o Advento, caracterizado como um período de espera ativa.

A grande maravilha de viver no tempo é poder dar rumo e sentido ao nosso tempo individual e coletivo. Temos a capacidade e o compromisso de agir e intervir no curto ou encurtado tempo particular em que existimos e no incerto tempo da comunidade humana sobre a terra. Enquanto seres temporais dotados de consciência atemporal e desejantes de eternidade, não nos é salutar parar no tempo. E também não está ao nosso alcance fazer o tempo parar. Mas, podemos, isso sim, construir tempos melhores. Piores também podemos. Porém, será pior para nós que experimentamos esse tempo e poderá sê-lo inclusive para os que vierem em tempos futuros.

Diante dos senhores da História, muitos se rebaixam ou são rebaixados; se humilham ou são humilhados; se escravizam ou são escravizados.

Há senhores que, no mau uso de seu poder, se apropriam de corpos humanos como se fossem objetos e mercadorias. Fazem o mesmo com a Casa Comum, não respeitando os seus tempos. Ao atentar contra as dinâmicas e os direitos da natureza, acabam por produzir e acelerar o caos para todos.

Maus ou bons senhores do tempo e da História podemos ser todos nós. E nesses tempos tem sido tão difícil parar para pensar sobre isso, inclusive porque, como senhores relativos do tempo, temos atropelado a vida como nunca antes na História. Temos reservado pouco ou nada de tempo (o qual segue a nosso dispor) para fazer o que realmente importa para que sejamos mais humanos e fraternos.

De um modo ou de outro, vem chegando mais um final de ano. Tempo em que nos damos conta que o tempo corre ligeiro e é implacável. Ele nos consome sem perdão e sem distinção. E nós continuamos com nossas mazelas, nossas arrogâncias, nossas injustiças e petulâncias… Seguimos com o ódio nosso de cada dia, a guerra, a fome, as doenças dos nossos e de outros tempos; as desigualdades, a agitação, a ansiedade e a depressão; a falta de empatia e a ausência de utopias.

Eis que o Natal vem e já está aí. “Então é Natal, e o que você fez…” cantam perguntando aqui e acolá. Ainda há tempo para fazer um tempo diferente, como Jesus nascido noutros tempos e renascido nos tempos que permitirmos em nossa história sempre desejou. Feliz Natal com esperança e desejos de tempos mais humanizados, solidários e sustentáveis. Que nenhum tempo nos seja em vão. Que tenhamos sempre motivação e coragem para nos colocarmos a serviço da construção de tempos melhores e felizes para todos!

Autor: Dirceu Benincá, professor da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e autor do livro “Em tempos de ebulição”. Também escreveu e publicou no site “Indiferença política: um caminho perigoso”: www.neipies.com/indiferenca-politica-um-caminho-perigoso/

Edição: A. R.

Homenagem à CDHPF nos 40 anos

O que alimenta os direitos humanos é um misto de aspiração, de garantia e de luta… Mas, o que sustenta a tudo são as aspirações. Elas é que alimentam o querer sempre mais, o querer ser mais, vocação humana, como dizia Paulo Freire.

Meus agradecimentos à coordenação pelo convite para pronunciar esta homenagem. Obrigado a cada uma e cada um de vocês que está aqui para esta celebração. Obrigado a quem nos legou a possibilidade deste encontro. É maravilhoso podermos celebrar juntos os 40 anos da Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo, a nossa CDHPF.

Era 1984. Ainda em vigor a ditadura militar… no último ano do presidente-general; o ano que traiu a milhões de brasileiras e brasileiros com a rejeição da emenda das diretas pelo Congresso e a frustração de um dos movimentos cívicos mais importantes da história recente – o grande movimento pelas diretas já, que levou milhões às ruas em todo o país, e milhares também em Passo Fundo.

1984 seria o ano de realização da distopia de George Orwell que deu nome a um de seus livros mais famosos (1984), publicado em 1955, que, em nosso país veio, a se realizar, não sem adaptações e parcialmente, 35 anos depois… com o novo fascismo e o bolsonarismo… e que felizmente já começamos a enfrentar, mesmo que nos custe muito derrotar.

1984 foi o ano que consagrou Thriller, de Michel Jackson, com sete Grammy; que viu o lançamento de Like a virgin, da Madonna; de I want to break free, do Queen; de Sonífera ilha, dos Titãs; de Lindo lago amor, do Gonzaguinha; de Raça humana, com Vamos fugir, do Gilberto Gil. Foi também o ano de Karatê Kid, de Caça-fantasmas; do Exterminador do futuro; de Cabra marcado para morrer…

1984 foi também o ano de fundação do Movimento dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais Sem Terra, o MST, e um ano antes da histórica ocupação da Fazenda Annoni, aqui na região; da publicação de Mulher Negra, da grande liderança do Movimento Negro Unificado, Lélia González; da greve geral dos “boias-frias”, em Guariba, SP. Foi o ano que deu o Nobel da Paz a Desmond Tutu, pela luta contra o apartheid. Naquele ano foi publicada a lei do segundo Plano Diretor de Passo Fundo – o atual está sem revisão há quase vinte anos. Foi um ano de grandes obras, as perimetrais, que expulsaram centenas de famílias, que formaram o que hoje é o Jaboticabal.

1984, ano de muitos acontecimentos, é também o ano da criação, da fundação, da CDHPF… que ocorreu no dia seis de junho, às dezoito horas, em reunião realizada no Salão dos fundos da Catedral. Dois foram os objetivos registrados na ata de fundação: “promover e defender os direitos das pessoas, famílias e organizações; e assessorar a organização popular na defesa de direitos”. Eles se tornaram obra e são o que caracteriza a CDHPF nos seus anos de atuação.

Era um grupo de vinte pessoas, as que assinaram a ata de fundação. Na ocasião foi eleita a primeira coordenação. Registro seus componentes: Maria Sirlei Vieira, Roque Zimmermann, Elmar Luiz Sauer, Ademar Dal’Cortivo, Luiz Roberto Albuquerque e Helena Andreis Lorenzatto. Nossa homenagem e estas corajosas e estes corajosos. Obrigado por legarem a CDHPF…

Paro com estes registros… os fiz para reforçar a necessidade da memória – é ela que alimenta a história… Haveria muitas outras possibilidades de referências a acontecimentos e pessoas. Rendo homenagem a três que foram pilares desta história e que já nos deixaram: Maria Sirlei Vieira, Roque Zimmermann e Maria de Fátima Zanchin. Presente, presente, presente, agora e sempre.

É porque homens e mulheres acreditaram que seria necessária a organização e a luta por direitos humanos, num lugar excessivamente conservador como Passo Fundo, que existe a CDHPF. Elas e eles nos deram a tarefa de seguir acreditando, de seguir realizando. Nos ensinaram que é preciso fazer, mas também e, especialmente, alimentar o “irrealizável”, o que chamamos de “utopia”. E os direitos humanos têm muito de utópico…

O que alimenta os direitos humanos é um misto de aspiração, de garantia e de luta… Mas, o que sustenta a tudo são as aspirações. Elas é que alimentam o querer sempre mais, o querer ser mais, vocação humana, como dizia Paulo Freire.

É porque muitas e muitos acreditaram que o que a vida pede da gente e coragem, para promover a alegria no meio da alegria, e ainda mais alegria no meio da tristeza – como nos ensinou João Guimarães Rosa – e olha que são tantas as tristezas e as violações a enfrentar – que seguimos, que precisamos seguir…

Que bom estarmos aqui. E estamos aqui para dizer que estaremos aqui pelos próximos 40 anos, pelos próximos 40 anos vezes sete… Certamente neles já não estaremos muitos de nós… por isso, o nosso maior compromisso hoje é de seguir seduzindo e convencendo a corações e mentes, especialmente da “guriazada”, convocando pés, mãos e ombros, a empenhar a vida pela vida, a vida pela luta!

Nunca foi e nem será fácil defender a vida – e, só com palavras, então, será ainda mais difícil, como dizia João Cabral de Melo Neto – num mundo com cada vez mais retrocessos, ataques, corrosões, inversões graves dos direitos humanos; num mundo que insiste em forçar trocar direitos por negócios (disponíveis só para quem pode pagar, diferente dos diretos que são de todos e todas e para todas e todos).

Afirmar direitos humanos é promover mundos nos quais caibam todos os mundos, como defendem os zapatistas, promover mundos nos quais caibam todas as pessoas, todas as vidas…

Muito Obrigado.

(Intervenção no ato que antecedeu ao jantar de celebração dos 40 anos da CDHPF, ocorrido em Passo Fundo, no Lalau Miranda, na noite de 14 de dezembro de 2024)

Autor: Paulo César Carbonari, Doutor em filosofia (Unisinos), associado da CDHPF, membro da coordenação nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), ao qual a CDHPF é filiada.

Edição: A. R.

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