Início Site Página 67

Dívida ecológica

Enquanto potencializamos a dívida ecológica em todos os sentidos, fingimos não acreditar que “nosso problema é o crescimento físico em um mundo finito”, como escreveu Dennis Meadows.

Nesses tempos dolorosos que vivemos, os fatos objetivos falam por si. Do ponto de vista ambiental, já atingimos um ponto crítico: a capacidade biofísica do mundo natural está comprometida devido a nossas ações (quase sempre, insustentáveis); quer dizer, o jeito como nos apoiamos nesse mundo e o modo econômico que assumimos para dar resposta aos nossos anseios de prosperidade. E como tudo tem consequência direta e imediata, não percamos a visão do todo: as mudanças ecológicas e climáticas que estamos passando refletem no desequilíbrio da cadeia ecológica que rege a vida na Terra, impactando severamente a sustentabilidade do planeta.

Dura realidade, sobram exemplos de como estamos perdendo o controle do mundo, em meio ao desmonte ambiental, na Era do Antropoceno. Segundo os glaciólogos, o gelo está derretendo a uma velocidade três vezes maior do que eles temiam apenas dez anos atrás; na Antártica, o derretimento é seis vezes mais rápido do que há 40 anos.1

Não é exagerado dizer que danos causados por enchentes vão aumentar de cem a mil vezes até o final deste século. E não custa lembrar aqui, para todos os efeitos, que dois terços das maiores cidades do mundo estão a centímetros do nível do mar.

Até 2030, de acordo com pertinentes denúncias dos oceanógrafos, o aquecimento e a acidificação dos oceanos ameaçarão 90% de todos os corais que sustentam pelo menos um quarto de toda a vida marinha.2 E tem mais: de acordo com os especialistas em gestão pública, quase metade da população mundial, em 2025, passará pelo menos um dia da semana por falta d´água. Nos dias de hoje, informa o Programa Conjunto de Monitorização da OMS/UNICEF para o Abastecimento de Água e Saneamento, pelo menos 1,8 milhão de pessoas em todo o mundo continuam bebendo água que não está protegida contra a contaminação das fezes.3Tão trágico quanto esse específico drama de saúde pública, até 2050 o mundo conhecerá 200 milhões de refugiados do clima, informa o relatório do Internal Displacement Monitoring Centre.4

E a lista de “desajustes” continua. Desde o surgimento do Homo sapiens, nada menos que 83% dos mamíferos selvagens desapareceram da face do planeta, assim como 80% dos mamíferos marinhos, 50% de plantas e 15% de peixes.5

A velocidade com que acontece a perda de biodiversidade é assustadora. Se antes de os humanos entrarem em cena e ocuparem o centro das atenções o ritmo de extinção era de uma espécie a cada 10 milhões, hoje em dia já se sabe que a ação humana (antropocentrismo dominador, chamemos assim) acelerou em mil vezes a taxa de extinção das espécies de plantas e animais do planeta, em comparação com a taxa natural.

Os números conhecidos causam estarrecimento: nada menos que 30% das espécies poderão desaparecer até a metade do corrente século. Quem se dispuser ao trabalho e consultar a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas (Red List ou Red Data List) notará, por exemplo, que 40% de anfíbios, 34% de coníferas, 33% de recifes de coral, 31% de tubarões e raias, 27% de crustáceos selecionados (incluindo lagostas, camarões, lagostins e caranguejos de água doce), 25% de mamíferos e 14% de pássaros correm risco de desapareceram de nossas vistas. O cenário diante de nós é de tragédia. De modo perturbador, Edward Wilson (1929-2021) chamou a nossa atenção para um ponto devastador: “a cada 13 minutos uma espécie da biodiversidade desaparece de nossas vistas devido a nosso estilo de vida depredador e consumista”.

Fora isso, não é segredo algum que produtos químicos têm afetado extensas áreas agrícolas, tirando com facilidade a fertilidade da terra em diferentes pontos do planeta. Nos dias atuais, mais de 30% dos solos do mundo já estão degradados e já se sabe que a desertificação, devido a climas secos e quentes e a ação antrópica, afeta quatro bilhões de hectares no mundo, ou 25% da massa terrestre.

Traço preocupante, enquanto continuamos pensando apenas no plano meramente econômico (sempre com vistas ao aumento de produção e consumo), estamos indo além da civilização,colocando em risco as fundações ecológicas da sociedade. O desmatamento da Amazônia, para tocar em um de nossos pontos mais sensíveis, apresenta forte impacto climático. O detalhe realmente apavorante aí, principalmente em termos de possíveis novas pandemias, como não cansam de dizer os cientistas, é que isso pode liberar outros vírus e bactérias que hoje vivem em equilíbrio no ecossistema da Amazônia.

E ainda assim a sociedade humana segue sua jornada de desleixo em relação ao planeta. No fundo, achamos que tudo em matéria de recursos é inesgotável, ou que o problema ambiental é de fácil resolução. De todo carbono estocado na atmosfera, 75% foram emitidos apenas nas últimas sete décadas. O uso mundial de água triplicou nos últimos 50 anos. Entre 1940 e 1990, o consumo saltou de 400 para 800 metros cúbicos por pessoa por ano. Conta simples de entender: hoje em dia os 7,7 bilhões de habitantes do planeta já consomem 80% dos recursos de água doce natural. No detalhe: “Só restam 8 mil metros cúbicos de água potável por habitante e por ano, contra 15 mil metros cúbicos de 1990”.6

Definição representativa, na era contemporânea seguimos deteriorando os reservatórios de água subterrânea; da mesma forma como comprometemos a biodiversidade dos leitos marítimos polares. Em menos de duas décadas, três milhões de quilômetros cúbicos de gelo dos oito que existiam no Pólo Norte simplesmente desapareceram. As geleiras da Groenlândia, segunda fonte de água doce do planeta, diminuem muito rápido.7

Esquema definido, no que tange a expansão da economia global, seguimos firmes na crença de que a produção material é tudo o que nos resta. O mundo inteiro já usa hoje em dia cerca de 150 toneladas por segundo de cimento, um dos termômetros da atividade econômica e, de longe, o material mais consumido no planeta.

A produção mundial de aço bruto, somente em 2021, de acordo com dados da World Steel Association, alcançou 1,95 bilhão de toneladas. O número de veículos, leves e pesados, que hoje circulam em todas as cidades do mundo já alcança a impactante marca de 1 bilhão de unidades; em 1950, eram apenas 50 milhões de unidades em todo o mundo. Em 2019, o mundo produziu 460 milhões de toneladas de plásticos, produto que responde por 3,4% das emissões globais. Acontece que cerca de 22% desse produto são deixados em aterros ilegais ou abandonados na natureza, enquanto 13 milhões de toneladas chegam aos oceanos todos os anos, levando 100 mil animais marinhos à morte.

Situação emergencial, para continuar fazendo aqui rápida síntese, faz tempo que entramos numa preocupante zona de perigo, com sérias ameaças ao jogo da sobrevivência da nossa própria vida.

Agravada pela baixa preocupação ambiental, toda a humanidade se vê diante do maior desafio de todos os tempos: organizar o esforço comum e vencer as mudanças climáticas, cada vez mais tangíveis. Para tanto, é preciso uma radical mudança de hábitos e costumes, até mesmo porque um rápido balanço mostra o seguinte: se nos dias de hoje a humanidade está usando 1,4 planeta, ou seja, faz uso de 140% da terra disponível, ultrapassando assim a capacidade da Terra, tudo indica que em 2030 estará operando o equivalente a dois planetas, algo inimaginável dentro dessa atual sociedade da mercadoria.

Em um desdobramento dessa perspectiva, pode-se pensar, como ideia central, que a noção de colapso ambiental tem tudo a ver com a racionalidade produtiva, já impregnada na cultura moderna que reiteradamente desdenha dos limites físicos (limites de sustentabilidade) do planeta.

Todavia, levando as consequências ao extremo, o fato é: para bancar o crescimento, a abundância exagerada (transformada em política de vários governos) e a reprodução do modo de vida dominante, chegamos num estágio em que “estamos vivendo do capital da Terra”, como esclarece Pavan Sukdev. Em outros termos, agimos como se o planeta não tivesse limites ecológicos e fosse realmente capaz de suportar todo tipo de lixo e rejeito que a produção excessiva e a acumulação sem fim do capital acarretam.

De toda sorte, diante da extrema necessidade de se reconhecer os Direitos da Natureza (em letras maiúsculas para assim expressar sua relevância), estamos sendo constantemente induzidos a prestar menos atenção na reprodução da vida, e muito mais na do capital e de seu discurso sedutor, o crescimento econômico ininterrupto. Isso significa dizer abertamente que, enquanto potencializamos a dívida ecológica em todos os sentidos, fingimos não acreditar que “nosso problema é o crescimento físico em um mundo finito”, como escreveu Dennis Meadows.

À parte isso, a história vai nos deixando uma lição cara: “(…) com base na melhor informação científica disponível, mantida a via atual, a qualidade da vida humana sofrerá substancial degradação por volta de 2050”.8

Autores:

Gilberto Natalini (*)
Marcus Eduardo de Oliveira (**)
 (*) Médico cirurgião, vereador por cinco mandatos na Câmara Municipal de São Paulo. Foi Secretário Municipal do Verde e do Meio Ambiente (2017), e candidato à Governador do Estado de São Paulo, pelo Partido Verde, em 2014. gtnatalini@gmail.com
 (**) Economista (1994), pós-graduado em Política Internacional pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (1995) e ativista ambiental. Mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP). Autor de Civilização em Desajuste com os Limites Planetários (CRV, 2018), entre outros. prof.marcuseduardo@bol.com.br
 Notas:
1.      Disponível em < http://pbmc.coppe.ufrj.br/index.php/en/news/1078-gelo-da-antartica-esta-derretendo-seis-vezes-mais-rapido-do-que-ha-40-anos-diz-estudo>
2.      Disponível em < https://allatlanticocean.org/view/events/ocean-sciences-meeting-2020>
3.      Disponível em < https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/1-em-cada-3-pessoas-no-mundo-nao-tem-acesso-agua-potavel-dizem-unicef-oms>
4.      Consultar https://www.internal-displacement.org/
5.      Disponível em < https://www.pensarcontemporaneo.com/a-humanidade-matou-83-de-todos-os-mamiferos-selvagens/>
6. Cf. ATTALI, J. Uma breve história do futuro. Osasco/SP: Novo Século, 2008, p.123.
7.      Idem, p.122.
8.      Disponível em https://consensusforaction.stanford.edu/see-scientific-consensus/consensus_english.pdf

 

EDUCAR – ação transformadora que começa na infância

Para educar, precisamos compreender as características de cada faixa etária da criança a partir da gestação, do nascimento e da fase infantil para compreender qual a ação educativa a ser adotada para ajudá-la a construir uma vida que valha a pena ser vivida e que lhe proporcione plenitude e felicidade no futuro, na busca do que é belo, bom e verdadeiro.

A palavra educar é originária do Latim – educere – e significa “puxar dos fundamentos para fora, levantar, extrair de dentro”. Esta ação, em nosso entendimento, significa extrair do educando todo o potencial divino que ele possui no âmago de seu ser e que precisa ser estimulado para desabrochar.

Para educar, precisamos compreender as características de cada faixa etária da criança a partir da gestação, do nascimento e da fase infantil para compreender qual a ação educativa a ser adotada para ajudá-la a construir uma vida que valha a pena ser vivida e que lhe proporcione plenitude e felicidade no futuro, na busca do que é belo, bom e verdadeiro.

Nos primeiros meses do recém-nascido ele dorme bastante pois está se adaptando ao desafio da vida. Desde os primeiros dias de vida os pais devem ajudar o nenê a perceber que nem sempre ele será atendido imediatamente quando chora, conversar carinhosamente, acalmá-lo, assim ele estará começando a compreender a dinâmica da vida e ir aprendendo a conviver com pequenas frustrações e superá-las.

No primeiro ano de vida o bebê crescerá mais rapidamente e se modificará mais do que em qualquer outra idade.

Até os três meses o sentido do tato na criança é bastante desenvolvido. Ela aprende sendo tocada e tocando pessoas e objetos. O saber agarrar é um reflexo inato e não uma ação consciente.

O olhar da mãe é muito importante. Ela vai se “ver” refletida nos olhos da mãe, especialmente durante a amamentação. A mamãe deve deixar o celular fora do seu alcance e curtir estes momentos, interagindo neste intercâmbio com o seu rebento de maneira intensa e feliz.

O bebê, quando está acordado, gosta de companhia. O contato com a mãe e demais pessoas se dá pela vista, audição e tato. Ele é muito sensível ao som. Faz bem para ele ouvir a voz humana que pode se expressar por uma canção suave, como de ninar, o sussurro carinhoso, assovio, a contação de histórias.

Por volta dos quatro a cinco meses elas apreendem a alcançar e segurar os objetos, que estão próximos. Eles gostam de chocalhos e brinquedos de superfície lisa e grandes coisas coloridas para apertar, brinquedos estofados, em forma de bichinhos ou de rosca, que é fácil de ser agarrado.

O sentido da audição é bem desenvolvido desde antes do nascimento. Proporcionar à criança a audição de música suave (Mozart, Beethoven, Vivaldi, Brahms, por exemplo), cantigas de ninar, canções do folclore. Contar pequenas histórias demonstrando na voz, na expressão facial a emoção dos personagens.

Elas gostam de se olhar no espelho e se autoconhecerem no colo do adulto. Elas aprendem a falar, caminhar e agir imitando as pessoas que estão interagindo no meio onde elas estão inseridas. O adulto é o modelo.

A partir dos seis meses dormem menos e já conseguem brincar sozinhas. Derrubam e atiram coisas e repetem esses atos várias vezes o que lhes dá prazer. A criança adora brincar com as pessoas que já conhece e acena quando o adulto se despede. Por volta dos sete meses começa a engatinhar e logo em seguida, a levantar-se apoiada em algo e ensaia os primeiros passos estimulada e amparada pelos adultos.  Consegue juntar os dedos polegar e indicador para catar objetos pequenos, demonstrando novas habilidades cerebrais adquiridas.

Quando o bebê vai consolidando o senso de mobilidade se tornará um grande explorador do mundo que o cerca sem qualquer noção de perigo. Ele não entende o significado da linguagem abstrata que quer ensiná-lo sobre o perigo.  Vai aprendendo pelo erro e acerto.

Elas gostam de “casinhas” improvisadas, caixas de papelão, embaixo da mesa, lugares para se esconderem e serem achados. Estão descobrindo todos os cantos do seu mundo.            Brincar ao ar livre com terra, areia e água é muito gostoso e elas podem sujar-se à vontade, por algum tempo.

As crianças gostam de ouvir música suave ou alegre e movimentada e dançar, se sacudir no ritmo da música. Para acalmar e induzi-la a um sono reconfortante nada melhor que uma canção suave e uma prece ao “Papai do céu”.

As quadrinhas rimadas, versinhos e leituras curtas são apreciados pelas crianças. Elas gostam de folhear livros coloridos e revistas ou tocar as páginas dos tablets e telefones celulares. A partir dos três anos elas vão se tornando mais sociáveis, curtem muito seus brinquedos prediletos, que para elas tem vida.

A palavra predileta de grande número de crianças de dois anos é NÃO. É o início da autoafirmação, elas estão testando a própria vontade e a dos pais. De vez em quando elas necessitam ser obstinadas, isso faz parte do desenvolvimento. Não se deve fazer disso um problema. O melhor a fazer é distraí-las com outra coisa interessante, desviar sua atenção do foco da irritação ou da frustração.

A duração do interesse da criança por alguma atividade é muito curta. Ela só brincará por longo tempo se lhe derem uma bacia com água e areia ou barro.  Descer e subir em escadas ou coisas ajuda no desenvolvimento dos seus músculos maiores dos braços, pernas e tórax e do senso de equilíbrio.  Proporcionar passeios a pé, ao ar livre, junto à natureza, escalar árvores, ouvir o canto dos pássaros, ver voarem as borboletas e aves, observar o movimento das nuvens no céu, olhar o sol e, à noite, as estrelas e a lua, sentir a brisa do vento, as gotas da chuva, caminhar descalça na beira da praia, mar, rio ou córrego ou na grama orvalhada são experiências ricas de emoção.

Elas gostam de ouvir uma história que as fascina, várias vezes, até esgotarem a vontade, pois elas estão educando as emoções básicas, sentindo o que os personagens estão vivendo: surpresa, medo, tristeza, alegria, raiva, etc. O mesmo acontece com a audição e canto de cantigas  infantis e folclóricas.

Nesta fase brincar ou trabalhar com a mãe e o pai, aprender coisas com eles é fascinante. A curiosidade de conhecer o mundo é insaciável. Gostam de experimentar e fazer coisas novas, de rasgar, despedaçar e esmurrar e perguntar: porque isso, aquilo. Elas querem entender o mundo.

É o momento de ajuda-las a desenvolver a fé sincera, pura, orando com elas desde a mais tenra infância, falando em Deus, o “Papai do Céu”, em Jesus, no Anjo da Guarda.  Isto vai ajuda-las, no futuro, a não ter aflição exagerada, a depressão profunda, a provocarem autolesão, e a cultivarem a ideação suicida… A fé equipa e ilumina a mente com energia e força que a ajudarão a superar as situações difíceis que advirão.

O poeta João de Deus, no livro Antologia da Criança psicografado por Francisco Cândido Xavier, nos oferta a poesia Resposta de Mãe, que ilustra essa fase.

– Minha mãe, onde está Deus?

– Ora esta, minha filha,

Deus está na luz que brilha

Sobre a Terra, pelos Céus.

Permanece na alvorada,

No vento que embala os ninhos,

No canto dos passarinhos,

Na meiga rosa orvalhada.

Respira na água cantante

Da fonte que se desata,

No luar de leite e prata,

Está na estrela distante…

Vive no vale e na serra,

Onde mais? Como explicar-te?

Deus existe em toda a parte,

Em todo lugar da Terra…

– Ó mamãe! Como senti-lo,

Bondoso, sublime e forte?

Será preciso que a morte

Nos conduza ao céu tranquilo?

– Não, filhinha! Ouve a lição,

Guarda a fé com que te falo,

Só podemos encontrá-lo

No templo do coração.

As crianças de três a seis anos gostam de dramatizar, fingindo que são bichos ou coisas, e que já são adultas: motorista, professor, bombeiro, mamãe, papai, etc. e devem ser estimuladas para tal, tanto no lar como na escola infantil. Os fantoches são excelentes para as crianças representarem, elas também gostam de encenar as histórias ouvidas.

A linguagem simbólica da arte agiliza a sua imaginação, amplia seus limites intelectuais, ajuda a descambar para o sonho, a fantasia, para um outro mundo possível, apresentando novas possibilidades de ser e sentir.

A linguagem sensível ajuda a integrar as áreas do conhecimento, do intelecto, da motricidade e das emoções básicas. O contato com as emoções e o sentimento ofertam a possibilidade de autoconhecimento e conhecimento do outro. A atividade artística não é só um passatempo, uma fruição, é um tempo em que a criança passa consigo mesma, interage com o outro e com o mundo, contribuindo no seu desenvolvimento e oferecendo novas formas de significado para sua vida.

Quando a criança tem a oportunidade de ouvir histórias, desenhar, pintar, esculpir, dramatizar, cantar, dançar ou brincar espontaneamente e estar em contato com a natureza, ela está encontrando um sentido para sua vida, percebendo-se um ser integrado consigo, relacionado com o seu ambiente e os outros e com Deus.

Os pais e educadores precisam estar atentos às emoções das crianças. Ideal que elas sejam expressas e trabalhadas pelos adultos. A frustração e a raiva são inevitáveis quando a criança está se desenvolvendo. Ela necessita aprender a desabafar, externando a energia de sua raiva, agredindo e mordendo coisas e não pessoas.

Nas escolas infantis temos os “sacos de pancada”, os bonecos “João Bobo” ou “bode expiatório” sobre quem elas descarregam a raiva. Com eles a criança poderá desabafar sentimentos que devem ser externados sem prejudicar irmãos e colegas. Os sentimentos recalcados são causas de futuras perturbações emotivas.  

Sugestão de brincadeira, nesta linha, é a “Guerrinha de Jornais”: orientar que as crianças façam bolinhas de jornal amarrotados, imitando munição e construir trincheiras de papelão para brincarem de jogar as bolotas uns nos outros. Ninguém se machucará e muita agressividade será aliviada de forma alegre.

Outra atividade desestressante é jogar, com a criança, pedras dentro de um lago, rio, à beira mar ou acertar num alvo previamente colocado em um lugar para ser atingido, jogando para fora o que elas identificam com o medo, a raiva ou a tristeza.

O brinquedo é a mais alta fase do desenvolvimento infantil, cheio de pureza e espiritualidade. Proporciona alegria, liberdade, satisfação e paz com o mundo. A criança que brinca espontaneamente será um adulto harmonizado.

Nos primeiros sete anos de vida a criança fisicamente sofre grandes alterações e crescimento. O corpo vital da criança ainda é dependente da vitalidade da mãe. Época de predominância das doenças febris e infecciosas comuns da infância, que estimulam o amadurecimento do sistema imunológico e a individualização das proteínas da criança. A criança, por isso, precisa se sentir aninhada, querida, amada.  Vai aprender a falar, expressar suas emoções e sentimentos, pensar, brincar, imitar e deve acreditar que o mundo é bom. Que o bem sempre vence o mal, como nos contos de fada.

Pelos seis anos, o pensamento já está mais desenvolvido inicia-se a alfabetização e a socialização melhora. Ela já está apta a ler as informações do mundo que a cerca e decodificar o código do alfabeto.

Dos sete aos oitos anos as crianças manifestam muita energia são sensíveis às emoções e aos sentimentos alheios. Desenvolvem a conduta ética, usam regras. Já sabem obedecer quando reconhecem e aceitam a autoridade do adulto. Querem entender o mundo dos adultos e gostam de novos desafios.

A construção da identidade moral da personalidade e do caráter se dá, preferencialmente, até por volta dos oito anos, consolidando-se na adolescência, por isso a educação moral e emocional deve ser enfatizada por pais e educadores nestes anos iniciais da vida que vão deixarão suas marcas para sempre.

Dos nove aos dez anos elas têm consciência do que é certo ou errado e um elevado sentimento de ética. São automotivadas. Nessa fase ocorre rápido crescimento físico. Gostam de atividades físicas ao ar livre. São sensíveis emocionalmente e, se estimuladas, apresentam atitudes de altruísmo engajando-se em projetos sociais e ambientais edificantes.

Nós adultos, pais e educadores, encontramos em Jesus, o maior pedagogo da Humanidade, o modelo excelente de educador.    

Como Jesus educava?

– Conversando, dando atenção, abençoando, esclarecendo, nos informando que Deus é nosso Pai amoroso, que todos somos irmãos, sintetizando a Lei Divina em: “Amar a Deus sobre Todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”. 

Jesus utilizava a linguagem simbólica da parábola para ilustrar e perpetuar seus ensinamentos. Tinha sempre com um relacionamento edificante, dando sentido à vida dos que o rodeavam, enunciando seus conceitos com amor energia como: “Seja o teu falar sim, sim; não, não”.  

A sua sala de aula era a Natureza: nos campos, caminhos, praças, no lar de Pedro, na praia, no monte, nos mostrando que a Natureza representa o livro aberto da sabedoria divina. Precisamos ensinar a criança a ler este livro, pois, em tudo que há vida, está escrita a lei de Deus e se pode perceber o verdadeiro sentido da mesma. Ensiná-la a se perceber como filha de Deus, integrante da Sua criação, sentir intensamente a vida que a rodeia, no lar, na escola, na natureza, na Sociedade, mas também sentir a sua transcendência, perceber a sua dimensão espiritual.  

Para educar temos que levar em consideração todas as dimensões da inteligência do educando: a intelectual, as inteligências múltiplas, a emocional, a moral e a espiritual.

No lar, na família, pela educação e princípios morais formamos o ser humano, o caráter da nossa criança; na escola, pela instrução, formamos o cidadão ecológico que irá contribuir na Sociedade, para melhorar a qualidade de vida pessoal dos demais grupos sociais em que se irá inserir e a conservar e preservar a natureza ajudando a tornar este mundo melhor.    

A ação transformadora da educação de nossas crianças é desafiadora.                  

Autora: Gladis Pedersen de Oliveira  

Possibilitar a criação de uma nova realidade: a utopia do educador

Não nos construímos sozinhos e fora da realidade que nos cerca, pelo contrário podemos interferir na sociedade visando fomentar a justiça, a construção de processos democráticos que intencionam a transformação.

“Gatinho de Cheshire (…) Poderia me dizer, por favor, que caminho devo tomar para ir embora daqui? – Isso depende muito de para onde quer ir – respondeu o Gato – Para mim, acho que tanto faz.- disse a menina- Nesse caso, qualquer caminho serve – afirmou o Gato. (CARROLL, L., Alice no País das Maravilhas, 1865).

Independente do fazer, a ausência de direção, de uma metodologia bem definida conduz a lugar nenhum, ou a lugares que não agregam valores, habilidades e competências para um existir que se deseja humano, dialógico, crítico, criativo, transformador. É nesse sentido que expomos aqui uma concepção de educação que se desdobra numa opção metodológica fundamentada em pensadores da educação, especialmente em Paulo Freire e Elli Benincá.

Em tempos que se caracterizam pela ascensão do autoritarismo, pela violência e ignorância institucionalizada, optamos pelo diálogo mesmo que isso signifique “remar contra a maré”, olhar o horizonte e regar a utopia enquanto nos esforçamos para formar consciências críticas. 

Junto a concepção de diálogo está presente uma antropologia que compreende o ser humano aberto a múltiplas possibilidades para construção do seu ser, em permanente devir.

Numa perspectiva existencialista, Paulo Freire concorda com Heidegger que concebe o ser humano como “ser aí”, um ser no mundo que se constrói ao existir. No entanto, Freire enfatiza nessa construção a tarefa da educação, que consiste em proporcionar ao humano uma consciência acerca da própria realidade, tendo em vista a humanização:

Na verdade, diferentemente dos outros animais, que são apenas inacabados, mas não são históricos, os homens se sabem inacabados. Têm a consciência de sua inconclusão. Aí se encontram as raízes da educação, como manifestação exclusivamente humana. Isto é, na inconclusão dos homens e na consciência que dela têm (FREIRE, 2005, p. 83-84).

A consciência dessa inconclusão é o motor propulsor das ações humanas que podem corroborar ou não com essa antropologia. Não nos construímos sozinhos e fora da realidade que nos cerca, pelo contrário podemos interferir na sociedade visando fomentar a justiça, a construção de processos democráticos que intencionam a transformação.

É objetivo do fazer educativo a formação integral dos humanos, a transformação da realidade, a garantia de vida digna, a afirmação dos direitos humanos e dos direitos do planeta que esses ainda podem habitar.

Este objetivo dificilmente será alcançado se optarmos por relações verticais centradas no poder de uns sobre os outros, se ignorarmos os aspectos sociais, políticos e econômicos que interferem diretamente na forma como gerimos as nossas vidas. Neste sentido Gadotti e Freire nos alertam que:

A educação deve permitir uma leitura crítica do mundo. O mundo que nos rodeia é um mundo inacabado e isso implica a denúncia da realidade opressiva, da realidade injusta, inacabada, e, consequentemente, a crítica transformadora, portanto, o anúncio de outra realidade. O anúncio é a necessidade de criar uma nova realidade. Essa nova realidade é a utopia do educador (GADOTTI, 1996, p. 81).

Se, para uns, o homem é um ser da adaptação ao mundo (tomando-se o mundo não apenas em sentido natural, mas estrutural, histórico-cultural), sua ação educativa, seus métodos, seus objetivos, adequar-se-ão a essa concepção. Se, para outros, o homem é um ser de transformação do mundo, seu quefazer educativo segue um outro caminho. Se o encararmos como uma “coisa”, nossa ação educativa se processa em termos mecanicistas, do que resulta uma cada vez maior domesticação do homem. Se o encararmos como pessoa, nosso quefazer será cada vez mais libertador (FREIRE, 1967, p. 124).

Essa utopia do educador precisa ser retroalimentada no cotidiano da escola, nos projetos que são realizados, no teor dos planejamentos, no modo como são conduzidas reuniões, encontros formativos, confraternizações. A utopia que serve para nos colocar em movimento, a caminho, precisa ser explicitada no modo como a escola faz a sua gestão, quer seja pedagógica, quer seja financeira ou administrativa.

A opção por uma educação transformadora, que possibilita humanização de todos os sujeitos envolvidos, requer a opção pelo diálogo que “na presente abordagem, significa a manifestação recíproca das pessoas por meio da palavra, quem pronuncia a palavra pronuncia-se a si mesmo; mostra sua intimidade; revela o seu interior” (BENINCÁ 210,110).

Ao revelar-se a pessoa coloca-se num processo de transformação de si e do meio, isto porque o ser não se constrói quando fechado em si mesmo, quando privado da palavra que o expõe.

Considerando a concepção exposta acima, entendemos que o diálogo é um processo aberto, que não se encerra em momentos estanques da ação; horas avança-se e horas será preciso avaliar, reavaliar e retornar para a prática tendo em vista a coerência e aperfeiçoamento da mesma.

O diálogo como método e fundamento da ação, requer atitudes de escuta, humildade, abertura para o que vem do outro e pode mexer com convicções arraigadas no sujeito que é resultado de uma cultura, formação, história. O espaço de uma escuta segura precisa ser criado para superarmos os monólogos erroneamente tratados como ação dialógica, visto que:

Os homens têm dificuldades de dialogar, primeiramente, porque pensam que conhecem o íntimo do outro, quando, na verdade, apenas se apercebem da manifestação superficial dele, ou seja, só conhecem parcialmente o outro. A parcialidade do conhecimento não lhes permite penetrar a intimidade do outro e, por isso, não conseguem ouvi-lo como interlocutor. (BENINCÁ 2010, p. 110).

Dentre os empecilhos para o diálogo, destaca-se a noção de autoridade. Inviabiliza o diálogo o professor que se considera pronto após a conclusão da licenciatura e ou a etapa inicial da sua formação, esse tende a agir de forma vertical comportando-se como dono do saber. Essa forma de compreender está em desacordo com a antropologia exposta no início desse texto, visto que na conclusão não há espaço para a novidade, para a reavaliação e retomada da caminhada.

Como seres inconclusos sempre podemos aprender e se colocar a caminho tendo em vista a construção de processos coerentes com o que acreditamos. Considerar-se inconcluso é condição para se colocar em diálogo com o outro, por mais que este outro mecha com minhas convicções e desafie a autoridade da ação que lhe é dirigida.

Por mais estudado que seja o professor / educador, a atitude de escuta e a humildade frente o estudante é condição indispensável para construção de processos democráticos e de aprendizagens significativas. Por vezes, os estudantes não cultivam postura favorável para aplicação deste método, independente das razões para essa ausência, cabe ao professor:

a iniciativa de desencadeá-lo (iniciativa esta não opressora, uma vez que ao opressor não interessa tal atitude) concebendo, para tanto, a sala de aula como um palco de debates e consumindo o tempo que passa nesse palco na alimentação e orientação desses debates” (BENINCÁ 2010, p 113). 

Cabe ressaltar que são condições para o diálogo, inclusive em sala de aula: humildade para se considerar inconcluso, habilidade da escuta atenta que considera o outro um sujeito “aprendente”, já dotado de conhecimentos provenientes do contexto sociocultural que vivencia, bem como formação continuada para superar as contradições inerentes a própria prática.

É indispensável realimentar a utopia e agir no sentido de superar o autoritarismo ideológico que se impõe, de tal modo que nossas teorias sejam nossas práticas e que nossas práticas revelem nossa opção pelo diálogo e pela democracia.

REFERÊNCIAS:

FREIRE, Paulo Reglus Neves. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.

GADOTTI, Moacir. Pensamento Pedagógico Brasileiro. São Paulo: Editora Ática, 1995.

BENINCÁ, Elli. A prática do diálogo em sala de aula: princípios e métodos de uma ação dialógica. In Educação práxis e ressignificação pedagógica. Eldon Henrique Muhl (org.).  Passo Fundo Editora UPF, 2010. P 109-124

Autor: Marciano Pereira

Aprender criativamente, fazendo o que é óbvio!

Com os recursos das novas tecnologias, tudo está ao nosso alcance para tornarmos a escola mais viva na aprendizagem. Não somos professores de tecnologia, mas sem elas não podemos mais atuar nas salas de aula.

Resolvi redigir esta crônica por duas importantes motivações: primeiro, para agradecer à homenagem e o reconhecimento da Secretaria Municipal de Educação e do Senhor Prefeito Municipal da minha cidade pela passagem do Dia dos Professores e Professoras. Segundo, para dizer da importância das homenagens aos professores, pelo seu dia, virem acompanhadas de formação, traduzida em conhecimentos pedagógicos e motivacionais para estes seguirem as suas jornadas e desafios diários nas salas de aula.

O melhor presente aos professores e às professoras de uma rede de ensino é o seu reconhecimento. O reconhecimento social, tanto da profissão quanto do serviço público que professores e professoras prestam ao conjunto da população, sobretudo aos que moram, lutam e constroem sua cidadania a partir das periferias. O reconhecimento da dignidade docente, através de justas remunerações, do oferecimento de boas condições de trabalho e da observância de seus direitos.

O Workshop deste último dia 18 de outubro, em homenagem ao dia dos Professores e Professores teve a mediação de José Moran, especialista em metodologias ativas, modelos híbridos de educação e temas contemporâneos da educação. A sua abordagem foi feita a partir da pergunta: Como ensinar de forma mais criativa, hoje?

Assim que acessou o palco, José Moran foi costurando sua postura e fala; absolutamente humanizantes. Aos 76 anos, seus testemunhos, suas histórias de vida, suas palavras demonstraram empatia e solidariedade ao contexto e às realidades vivenciadas por professores e professoras em todo Brasil, inclusive a nós, de Passo Fundo, RS.

Moran revelou seus mais profundos e sinceros conhecimentos, associando-os às suas experiências e práticas (práxis).

Começou afirmando que aprendeu a ser professor mais pela prática do que pela teoria. Que, passando por profunda crise profissional aos seus quarenta anos, começou a sentir mudanças significativas com os jovens com quem atuava, seja no Ensino Básico ou na Universidade. Mas que teve se colocar um grande desafio: voltar a sentir prazer ao ministrar aulas ou abandonar a profissão.

Moran relatou que, durante seis meses, teve de se recriar/aprender criativamente a humildade, embora carregasse convicção de que sempre dialogava e tivesse o mais profundo respeito para com os seus estudantes. Ledo engano. Como recriou-se? Deixando de levar tudo pronto aos estudantes, passando a escutá-los, a envolvê-los mais nas questões de conteúdos e na resolução de situações-problema. Como professor, passou a não mais presumir tudo, mas trazer propostas, planejar e dialogar junto e com os estudantes, para que seu interesse pelo conhecimento se traduzisse em envolvimento nas atividades coletivamente acordadas.

Em seguida, abordou a questão que julguei central na sua exposição: o óbvio (fazer o que a gente menos faz). Na sua visão, no mundo atual, o que é óbvio precisa cada vez mais ser dito, apresentado e resgatado.

Referiu a fala do Senhor Prefeito que, antecedendo-lhe, falara sobre a importância de todos os interessados na educação (professores e professoras, sindicatos e administração municipal) sempre travarem o mais franco e aberto diálogo. O que, segundo ele, deveria ser óbvio, mas precisa ser dito, anunciado e exercitado, permanentemente.

Mas, voltando às relações de ensino-aprendizagem, que envolvem professores e estudantes, Moran destacou alguns aspectos (óbvios) que passamos a relacionar.

Como aprender criativamente?

  1. Faça o melhor que você pode fazer, nas condições e nas realidades com as quais você atua;
  2. Você está a serviço dos estudantes, dos seus desejos e de suas necessidades de aprendizagem;
  3. Aprenda que vale a pena estar na escola. O estudante percebe as suas atitudes e as suas motivações como docente;
  4. As crianças são muito hábeis e sábias para fazer uma radiografia da gente, confrontando o que você fala e o que você faz;
  5. A criatividade é uma relação de confiança e verdade (consigo mesmo e com os estudantes);
  6. Busque sempre a coerência entre o que se fala e o que se é;
  7. A criança também pode ensinar e, portanto, também pode propor;
  8. Administre e atenda mais as ânsias do fazer das crianças: por que esperar tanto, se ela deseja fazer e experimentar já, agora.

Na parte final de sua participação no evento, José Moran destacou a importância de haver um espírito de equipe, coletividade e parcerias nas escolas e em uma rede municipal de educação. Afirmou: “quando tem alguém que manda e outro que obedece, tem execução, não envolvimento”. Lembrou, ainda, que educar e criar não são coisas nada fáceis, mas um desafio posto a todos os que acreditam na verdadeira educação.

Ponderou, ainda,  que no pós-pandemia, os desafios se apresentam em forma de dificuldades e possibilidades. Que, com os recursos das novas tecnologias, tudo está ao nosso alcance para tornarmos a escola mais viva na aprendizagem. Que não somos professores de tecnologia, mas que sem elas não podemos mais atuar nas salas de aula.

Partilhou, ainda, o autor Mitchel Resnick e a Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa (https://aprendizagemcriativa.org/ ) como referências de sua fala e de suas aprendizagens. Por fim, Moran disse que, ao experimentar novas possibilidades de aprender e ensinar criativamente, também foi modificando a sua própria vida e existência.

Brindou os presentes ainda com bela frase de Paulo Freire:

Precisamos contribuir para criar a escola que é aventura, que marcha, que não tem medo do risco. A escola em que se pensa, em que se cria, em que se fala, em que se adivinha, a escola que apaixonadamente diz sim a vida”.

Nós, professores e professoras da rede municipal de Passo Fundo, te aplaudimos e nos fortalecemos nos desafios da ação docente com tuas generosas e ricas falas e vivências, José Moran. Seguiremos em jornada, lembrando que tecnologias e metodologias nunca são um fim em si mesmas, mas sempre estarão carregadas de intencionalidade pedagógica (que seres humanos queremos formar?); sempre serão construídas por sujeitos aprendentes e seres humanos, também em formação: os professores e as professoras.

Escrever crônicas, com referências reflexivas, era uma prática do educador brasileiro Rubem Alves. É uma prática de sistematização, que ajuda muito na elaboração de aprendizagens, a partir de eventos ou encontros formativos.

Fotos: Júlio Ferreira, SME Passo Fundo

Autor: Nei Alberto Pies

A diversidade de Marias numa perspectiva subversiva

Amemos a Maria e adoremos o fruto do seu ventre. E ainda que não comunguemos com sua devoção por parte de nossos irmãos católicos, que possamos respeitá-la e buscar compreender o contexto de onde emerge.

É deveras complicado para um evangélico entender a devoção mariana. E a coisa se complica ainda mais ao deparar-se com a multiplicidade de “Marias”. Afinal, quantas mães teve Jesus?

No México, ela aparece com feições indígenas a um índio asteca, sendo chamada de “Nossa Senhora de Guadalupe”. No Brasil, sua imagem com feições negras é encontrada por pescadores e recebe o nome de “Nossa Senhora da Conceição Aparecida”.

Em Portugal, ela surge como “Nossa Senhora de Fátima”, cuja aparição teria sido testemunhada por três crianças. Em nenhum dos casos, ela foi vista por sacerdotes ou nobres.

Sem entrar no mérito dogmático, percebo aí uma busca que julgo autêntica por uma fé engajada e radicada no contexto cultural em que emerge. Essas múltiplas facetas de Maria visam atender ao anseio de rebelar-se contra os padrões vigentes.

Uma Maria negra desafia o flagrante racismo de uma era escravagista. Uma Maria indígena confronta os vergonhosos interesses dos conquistadores espanhóis. Não preciso endossar uma devoção popular para compreendê-la enquanto fenômeno social e psicológico.

As diversas aparições místicas podem ser vistas como projeções do inconsciente coletivo; o que, diga-se de passagem, não diminui em nada a sua importância. Mas de onde o inconsciente coletivo buscou material para dar a Maria as características que lhe são atribuídas? Por que surge negra no Brasil e índia no México?

Ao longo dos séculos, o inconsciente coletivo foi acumulando informações via tradição, bem como anseios e fantasias que, ao se mesclarem, produziram as múltiplas Marias, além de uma considerável diversidade de Cristos: Nosso Senhor do Bonfim, Nosso Senhor dos Passos, etc. Assim como em Israel, Deus era chamado de Iavé Jireh, Iavé Shamá, Iavé Tsedikenu, etc.

Obviamente, há um único Cristo, que por Sua vez, nasceu de uma única e bendita virgem. A tradição protestante não endossa qualquer devoção que não seja dirigida exclusivamente ao Deus Trino. Todavia, como profetizou o anjo que a visitou, Maria deveria ser honrada por todas as gerações.

Não faz sentido adorar ao Filho, negando-se a honrar à Sua bem-aventurada Mãe. E a melhor maneira de honrá-la é submetendo-se a seu Filho, bem como destacando suas inegáveis virtudes, dentre as quais, a humildade e a obediência.

Jesus é o único caminho que nos leva a Deus. Maria foi o caminho tomado por Deus para vir ao encontro dos homens.

O desprezo protestante a Maria é uma reação grotesca e exacerbada à devoção que se presta a ela. Deveríamos, antes, optar por uma postura idônea e equilibrada.

Amemos a Maria e adoremos o fruto do seu ventre. E ainda que não comunguemos com sua devoção por parte de nossos irmãos católicos, que possamos respeitá-la e buscar compreender o contexto de onde emerge.

No fundo, todos somos marianos, pois nos submetemos à instrução que ela deu aos serventes em Caná da Galileia: “Fazei tudo o que Ele vos disser” (João 2:5).

Autor: Hermes C. Fernandes

A subjetividade das árvores

Elas também pensam. Elas também são capazes de morrer de tristeza ou de alegria conforme a situação. Vejo-as como sujeitos de uma sociedade que não sabe respeitá-las como merecem e que não sabem até mesmo como dialogar e ouvi-las, pois não compreendem a sua linguagem.

Trago o heterônimo de Fernando Pessoa, mais conhecido entre os amantes da literatura, para iniciar este texto que experiencia as árvores com os homens, ambos compartilham de uma mesma alma e das mesmas experiências do mundo. Assim, Ricardo Reis nos diz nos seus lindos versos:

“Rega as tuas plantas, / Ama as tuas rosas. / O resto é a sombra / De árvores alheias. / A realidade sempre é mais ou menos / Do que nós queremos. / Só nós somos sempre / Iguais a nós-próprios.”

A gente tem mania de olhar para uma árvore e pensar: “ah, uma árvore”. E passar por ela como se não fosse nada. Que mania mais feia essa nossa. Não sabemos que as árvores têm os seus sentimentos e são capazes de ficarem feridas com as nossas indiferenças, porque nenhuma árvore é igual a outra. Cada uma tem o seu jeito próprio de ser.

Sim, só nós sentiremos as nossas dores e viveremos os nossos sonhos. As árvores não podem deixar as suas vontades e desejos nas mãos umas das outras ou nas dos homens. Elas devem sentir a vida e vivê-la como melhor lhes couber porque cada um de nós é dotado de um pensar único que nos diferencia e nos atribui a capacidade de sermos iguais e diferentes ao mesmo tempo.

A subjetividade humana pode dizer respeito ao sentimento de cada pessoa, como a sua opinião sobre determinado assunto, assim acontece com as árvores.  Elas também têm opiniões sobre os homens e o mundo que as rodeiam. Claro que muitos de nós não vamos compreendê-las se não tivermos os sentidos prontos para ouvi-las cuidadosamente. Não é qualquer um que consegue entender uma árvore.

Muitas vezes, as árvores têm temperamentos fortes, ficam aborrecidas ou tristonhas, vai depender de cada uma e conforme são tratadas. Cada árvore tem um jeito próprio de pensar e sentir as coisas. Elas não são iguais. Nunca foram. Cada uma tem a sua opinião sobre este mundo onde vivem. Há árvores que são choronas e outras que são alegres e não se deixam aborrecer por quase nada.

É preciso visualizar e aceitar a subjetividade da sua árvore para que ela continue a dar frutos e sombra ou só de pirraça ela poderá morrer para nos deixar sofrendo porque ela como mais ninguém consegue compreender o seu pensar e forma de agir. Assim como desejam ser compreendidas, as árvores também fazem por onde nos compreender. É uma troca recíproca de seres que sentem a vida de forma intensa.

Enquanto dotado de subjetividade o homem tem a sua opinião sobre as coisas e pensa do seu jeito próprio desejando ser respeitado por todos e não ignorado quando se expressar oralmente ou verbalmente. Gosta de opinar, dizer o que sente, falar sobre aquilo que sabe ou tem curiosidade para conhecer.

A subjetividade nos permite ser diferentes uns dos outros. De igual forma acontece com as árvores. Elas se tornam diferentes umas das outras através da sua subjetividade.

Vocês podem achar que as árvores não têm pensamentos próprios, logo não podem ter subjetividade. Estão enganados! Tolos os que pensam que as árvores por não serem dotadas de órgãos, principalmente de cérebro, não conseguem pensar. Claro que elas pensam e sentem de outra forma. Talvez quem explique isso seja a natureza. Estou aqui apenas para alertá-los de que as árvores são boas pensadoras e em outro momento falaremos dos seus poderes de filosofarem.

A subjetividade é caracterizada como algo que varia de acordo com o julgamento de cada pessoa, consistindo num tema que cada indivíduo pode interpretar da sua maneira, que é subjetivo. Isso ocorre com as árvores. Elas pensam da sua maneira, têm experiências e vivências próprias, guardam histórias únicas de vida e mesmo sendo parecidas umas com as outras jamais serão iguais. Cada uma tem o seu jeito próprio de ser e de pensar.

Nunca paramos para ouvi-las é verdade, por isso nunca prestamos atenção que elas são únicas no mundo assim como era a flor do “Pequeno Príncipe” mesmo ele tendo descoberto um jardim enorme aqui na Terra acabou concluindo que a sua flor era única porque cuidava dele e o amava, era abusada como nenhuma outra.

Tal coisa acontece com as árvores. Elas podem ser uma floresta, mas se você resolver cuidar delas observando-as com detalhes verá que cada uma das árvores dessa floresta tem a sua própria maneira de fazer sombra, de jogar as folhas no chão, de balançar os seus galhos e de espalhar as suas raízes. Eis a forma como elas conseguem expressar que são únicas e o que lhes é subjetivo.

A subjetividade é o mundo interno de todo e qualquer ser humano. Este mundo interno é composto por emoções, sentimentos e pensamentos. Poderíamos dizer que nunca vimos uma árvore chorar ou dar gargalhadas, mas isso pode ser dito para aquela pessoa que passa pelas árvores sem lhes cumprimentar, sem lhes dar a atenção necessária, sem fazer delas algo vivo e que resiste as intempéries do tempo.

Se observarmos cuidadosamente veremos que as árvores costumam chorar e muito com as queimadas e o desflorestamento. Elas sentem falta de cuidados. Elas choram quando levam machadadas e até mesmo quando são podadas de forma errada. Choram também quando são tomadas por pragas iguais as dos cupins que as comem por dentro. É que nós estamos tão preocupados com a nossa sobrevivência que não temos mais tempo para escutarmos a natureza.

Quando as árvores não dão frutos gostosos em uma determinada época de colheita ou quando eles não servem para a produção do doce costumamos atribuir esses problemas a falta de chuvas ou pragas na plantação, mas nunca paramos para refletir que as árvores podem estar passando por problemas existenciais ou até mesmo que as coisas exteriores a elas podem estar interferindo nas suas produções de frutos.

O mundo exterior é o grande vilão de uma boa safra de frutos. Se ele cuidou da árvore como deveria, ela vai saber compensá-lo com a sua alegria, mas se ele apenas a adubou sem os cuidados de com ela conversar e lhe dar carinho, certamente esta se deixará perturbar por essa falta de cuidados produzindo frutos que não servem para ser consumidos.

As árvores também entram em depressão e melancolia e podem até surtar se não forem cuidadas e respeitadas nas suas individualidades.

Na teoria do conhecimento, a subjetividade é o conjunto de ideias, significados e emoções que, por serem baseados no ponto de vista do sujeito, são influenciados por seus interesses e desejos particulares. Tem como oposto a objetividade, que se baseia em um ponto de vista intersubjetivo, isto é, que pode ser verificável por diferentes sujeitos.

Existe o pensamento individual de cada árvore junto com o seu jeito de ser que seria subjetivo, ou seja, próprio de cada uma e o pensamento coletivo aquilo que todas pensam de igual maneira, logo seria a objetividade.

Através da nossa subjetividade, construímos um espaço relacional, ou seja, nos relacionamos com o outro. Este relacionamento nos insere dentro de esferas de representação social em que cada sujeito ocupa seu papel de agente dentro da sociedade.

A relação das árvores com os homens pode ser considerada algo diverso em que nalgumas vezes elas são percebidas e até mesmo aceitas como membros da família e noutras passam desconhecidas sem conseguirem deixar suas impressões subjetivas. Isso ocorre porque o “outro”, ou seja, o homem não está preparado para vê-la como um ser pensante e dotado de emoções.

O homem, em sua ignorância sobre as árvores, se acha completo e para ele nada mais é possível de pensar e sentir emoções senão a si mesmo. Esquece o cientista que pensa assim ter perto de si uma árvore capaz de morrer só porque foi tratada com desrespeito ou nunca mesmo foi vista por quem tanto admirava. Os homens sérios passam pelas árvores como passam pelas pedras com as suas gravatas a voarem no vento. Eles não conseguem absorver delas sequer um sorriso.

Nessa experiência de subjetividade surge a alteridade sua prima ou irmã que busca o tempo todo colocar-se no lugar do outro para sentir a sua dor ou a sua alegria. Para conhecer o outro que tanto nos causa admiração e curiosidade. Nunca vi uma pessoa conversando com uma árvore. Nunca ouvi ninguém falar da subjetividade das árvores, talvez por acharem que elas não têm seus próprios pensamento e sentimentos.

Na questão da alteridade, seria uma utopia falar de que os homens se colocam no lugar dos outros atualmente, quando na verdade cada um luta por si e sozinho numa caminhada árdua de sobrevivência e competição. Nas árvores não existe, ainda, competição, logo a alteridade é sim possível entre elas. As florestas compartilham dos seus momentos de alegrias e tristezas.

Cada árvore é capaz de sentir tudo ao seu redor de uma maneira própria e singular.

Elas compartilham essas vivências e experiências através das suas raízes. Se os homens têm o cérebro as árvores têm as suas raízes onde podem sentir a vida e as emoções que lhes são despertadas de uma forma intensa e própria a cada uma que muitas vezes são mais fortes que a outra e acabam se autoajudando.

As ideias do Iluminismo trouxeram à tona o individualismo, em que o sujeito age segundo a sua vontade, ou seja, com base na razão. E apesar de não terem um cérebro igual ao nosso as árvores também pensam e se pensam, logo existem, como disse o filósofo francês Descartes.

Cada árvore tem uma força divina capaz de compreender o mundo da sua forma. Tudo na natureza tem as suas individualidades. As coisas não são iguais.

É importante afirmar que as particularidades de um indivíduo também são indicativos da sua posição na sociedade. Isso porque as pessoas se agrupam de acordo com as suas semelhanças. Sim, as árvores de uma floresta têm os seus próprios sentimentos em relação ao mundo. Cada uma ajuda a outra a se fortalecer diante das adversidades.

Só para termos uma ideia, um fruto de uma árvore nunca é igual ao da mesma espécie. Ele pode ter um sabor diferente, ser mais doce ou amargo. Assim também ocorre com a sombra das árvores que podem ser diferentes em cada estação do ano, conforme o movimento do Sol. As árvores também podem sentir dores enormes com as perdas de pessoas queridas, principalmente aquelas que cuidam delas. E isso pode ser visto pelo número de folhas murchas ou até mesmo de folhas secas caídas ao chão.

O tema subjetividade varia de acordo com os sentimentos e hábitos de cada um, é uma reação e opinião individual, não é passivo de discussão, uma vez que cada um atribui um determinado valor para uma coisa específica. Isso se considerarmos o pensamento humano.

Se nos determos a falar apenas da subjetividade das árvores veremos que elas têm as suas opiniões individuais em relação ao mundo e que elas conseguem também atribuir valores para algo ou alguém que passam a conhecer.

O que quero chamar a sua atenção, leitor querido, é que as árvores são iguais aos homens, dotadas de sentimentos e emoções. Elas também pensam. Elas também são capazes de morrer de tristeza ou de alegria conforme a situação. Vejo-as como sujeitos de uma sociedade que não sabe respeitá-las como merecem e que não sabem até mesmo como dialogar e ouvi-las, pois não compreendem a sua linguagem.

Compreender as árvores é saber amar com os olhos de quem não apenas ver, mas de quem sente nas profundezas da alma que aquele sujeito tem peculiaridades únicas que lhes são próprias e necessárias para o seu existir, logo precisa de cuidados especiais.

Nas nossas sociedades temos muitas desigualdades entre os homens e existem os mais pobres e os mais ricos, os que têm uma educação de qualidade e os que nada têm.

As árvores sabem dessas desigualdades sociais que acometem os homens e participam delas de forma indireta seja vivendo numa região de maiores poderes aquisitivos seja morando numa região pobre. Elas sabem que os homens vivem conforme as suas crenças e opiniões sem se preocuparem com os outros. Isso as entristece, pois nas florestas elas se preocupam e se solidarizam formando uma só família e constituindo uma sociedade justa e igualitária, respeitando as individualidades e a essência de cada sujeito que as constitui.

Nas raízes das árvores estão todos os seus pensamentos e emoções. Através delas as árvores são capazes de ouvir, falar, sentir e comer. São nas suas raízes onde ficam as suas experiências e vivências. É lá também onde se processam os seus pensamentos em relação a nós e ao mundo.

Já pensou se pudéssemos compreender os palavrões que as árvores nos dizem quando lhes causamos mal? Sim, porque elas não são tão certinhas que não possam dizer palavrões. Elas também sentem as coisas e podem se ofender por demais. Existem árvores capazes de perder a “cabeça” por uma simples tolice nossa. Já pensou você sendo xingado por uma árvore? Seria merecido se você é um daqueles que só pensa em tirar vantagem dela sem nunca lhe proporcionar um carinho ou cuidado.

A subjetividade é formada através das crenças e valores do indivíduo, com suas experiências e histórias de vida.  Não sabemos quais as crenças das árvores, mas elas devem ter. Podemos identificar as experiências e histórias que já viveram.

Há árvores seculares que já viram passar por elas reis, rainhas, príncipes, mendigos e cristãos. Árvores que já puderam contemplar a paz e as guerras. Aquelas que guardam histórias de arrepiar cabelos de meninos.

E não pense você que as árvores não têm crenças e valores. Elas crescem observando o mundo exterior, ou seja, como as coisas se comportam ao seu redor. Conforme vão crescendo vão observando a forma como a sociedade se comporta e criando para si essas crenças individuais. Os valores são absorvidos conforme os seus contatos com os homens.

A nossa subjetividade trata-se da maneira como sentimos, pensamos, imaginamos, amamos e odiamos. Nossas experiências são formadas conforme a maneira que vimos o mundo cultural, social e político ao nosso redor. Não me refiro aqui ao mundo das árvores, ou seja, das florestas. Porém, a relação das árvores com os homens, mundos diferentes que ao mesmo tempo se relacionam através da recíproca que ambos compartilham.

Compreender a subjetividade das árvores vai muito além do que um estudo psicológico ou filosófico. É necessário, como sempre digo, se despir de toda construção técnica, de todo conhecimento científico e quando digo ciência faço referência àquela que precisa de experimentos, observações e métodos para ser comprovada.

Não posso comprovar que as árvores têm subjetividade através das ciências empíricas, mas posso dizer-lhe, querido leitor, que você nunca vai encontrar uma mesma árvore em lugar algum do mundo.

A subjetividade das árvores se constrói na sua relação com as demais e com as coisas ao seu redor. Não é uma construção solitária. Ela se forma através das experiências e das vivências que a árvore sofre ao longo da sua vida. Com o passar do tempo as suas opiniões e crenças podem ser modificadas, iguais às dos homens. Nem sempre as árvores nos darão sombras e frutos, elas podem mudar o sabor dos seus frutos como também podem mudar a posição das suas sombras.

Nem sempre seremos os mesmos. Mudamos conforme adquirimos experiência. Somos hoje de um jeito e amanhã poderemos pensar de outro. Vai depender das nossas experiências. Se uma árvore que é cuidada o tempo todo, desde pequenina, de repente passa a não mais receber cuidados claro que terá uma nova forma de pensar e sentir.

As árvores e os homens têm os mesmos sentimentos e emoções, a única diferença é que os homens podem ir aonde quiserem e elas ficam ali, quietas, no mesmo lugar de sempre a nos olhar com ternura à espera de que as compreendamos.

Para finalizar, deixo vocês com os versos do nosso amado poeta brasileiro João Guimarães Rosa que nos diz:

“Eu estou só. / O gato está só. / As árvores estão sós. / Mas não o só da solidão: o só da solistência.”

Que as árvores, apesar de sozinhas nos seus mundos subjetivos que não são solidão, mas solistência, ou seja, solidão em convivência com quem se ama, e aprender a amar-se a si próprio antes de amar o outro, sintam-se abraçadas nas suas subjetividades.

É isso! As árvores sofrem de solistência! Cuide delas!

Autora: Rosângela Trajano

A democracia no espelho: como os predadores fragilizam a democracia expondo-a ao populismo

Vivemos um desprestígio às causas democráticas. O autoritarismo avança. As redes sociais deram vazão aos instintos mais primitivos e exóticos, mormente em países periféricos. O Brasil parece ser o locus privilegiado dessa onda anti-democrática que assola o mundo. (Lenio Luiz Streck).

Ao ocupar coluna no site, desejo, inicialmente, apresentar minha mais recente obra: “A democracia no espelho: como os predadores fragilizam a democracia expondo-a ao populismo”.

A democracia é o melhor de todos os regimes políticos! Essa afirmação, com todas as variações possíveis, é encontrada na argumentação de qualquer um que a defenda. Uma variação, talvez não tão comum, mas importante para a nossa análise, é a de que a democracia promete ser a melhor forma de proporcionar uma vida boa para todos os membros de determinada comunidade política.

Ocorre que essa promessa, quando não cumprida, abre espaço para o ingresso de predadores que, se aproveitando da própria democracia, agem no sentido de se apropriar dela e com isso, se apropriar do próprio Estado, transformando-o em qualquer outra coisa, menos, em um Estado pertencente à uma comunidade política democrática. 

Portanto, deve-se enfrentar questões como: o que é democracia? Por que democracia? Quais são suas justificações e as condições necessárias para o exercício da democracia? Que características deve ter a democracia, para que possa ser assim definida? Por que não outra alternativa? Qual é a sua distinção do populismo? Por que algumas democracias contemporâneas estão se desvirtuando em populismos messiânicos? O que justifica e motiva esse fenômeno? Quais são as alternativas para o seu enfrentamento?

Transcrevo, a seguir, prefácio da obra assinada pelo amigo e jurista Lenio Luiz Streck:

“Contribuições acadêmicas sempre são bem-vindas. É o caso de Édson Luís Kossmann, que apresenta à comunidade jurídica, mas não só a ela, a obra A democracia no espelho, a acosto este prefácio.

Vivemos um desprestígio às causas democráticas. O autoritarismo avança. As redes sociais deram vazão aos instintos mais primitivos e exóticos, mormente em países periféricos. O Brasil parece ser o locus privilegiado dessa onda anti-democrática que assola o mundo.

Utilizando sofisticada argumentação, Kossmann toca em pontos sensíveis de um amplo catálogo de sistemas democráticos espalhados ao redor do globo, procurando esmiuçar não apenas os limites que podem levar à predação desta forma de organização da vida social e política das pessoas – como a economia ou sistemas midiáticos e religiosos, por exemplo – mas, mais do que isso, como essa espécie de corrosão democrática ocorre na sua cotidianidade, facultando um fenômeno político que bem poderia estar já sepultado no autoritarismo tão presente dos Anos 1930: o populismo.

Manejando, portanto, diferentes chaves explicativas para essa espécie de paradoxo democrático, sua proposta não se limita ao assentamento conceitual do problema, recapitulando diferentes enfoques conhecidos e já amplamente consolidados na tradição acadêmica. Ao contrário, Kossmann aponta justamente para os pontos de insuficiência ou esgotamento das democracias contemporâneas, informando as condições de possibilidade para estas tão indesejáveis formas políticas de nossa atualidade.

Lido, então, muito mais como adjetivo – que acompanha e caracteriza a democracia – que como substantivo, desprendido em seu próprio sentido, o populismo que Edson Luís Kossmann desvela ao leitor interessado no tema não é aquele romantizado em Ernesto Laclau – por exemplo – ou filologicamente ligado à experiência russa do século XIX, outro exemplo, embora não ignore as trilhas encobertas destas tradições.

E, nisto, entre outros pontos relevantes, está o mérito de seu empenho acadêmico: permitir conhecer o fenômeno que caracteriza o populismo, mas sem engessá-lo no seu próprio tempo que – como não cansa de mostrar a História das Ideias Políticas – é inexoravelmente uma dimensão plural.

Não por outra razão, diante destas breves reflexões, é que A democracia no espelho: como os predadores fragilizam a democracia expondo-a ao populismo”, a partir da exitosa análise a que se propõe, oferece oportuna leitura a todos aqueles preocupados não apenas com as atualíssimas discussões envolvendo essa horizontalizada forma de vida, com suas tensões e paradoxos, mas, mais que isso, com todo o amplo catálogo de questões em torno do Estado de Direito – instituidor e, ao mesmo, tempo guardião dessa (atual) experiência democrática”.

Para adquirir obra, acesse: https://www.lumenjuris.com.br/filosofia-do-direito/democracia-no-espelho-a-2022-3454/p

Autor: Edson Luís Kossmann

Segundo turno no Brasil: vida ou morte!

Há vários modos de entender o processo eleitoral em curso. O mais importante é nos perguntarmos qual seu significado para os/as mais pobres, para aqueles/as que estão, e há muito estão, à margem da “marcha triunfal do progresso”.

A maioria do povo brasileiro vive sem trabalho decente, sem educação de qualidade, sem saúde básica, sem moradia, sem comida, sem-terra, sem acessar direitos sociais básicos. A invocada liberdade econômica e o empreendedorismo meritocrático são fantasmas que servem para que sejam acusados de falta de iniciativa, culpados de sua condição.

Os/mais pobres são atacados/as pela desinformação, pela manipulação religiosa e política, pela massificação cultural. Vivem o medo e com medo, das armas, do crime organizado, das milícias e da polícia, sendo sumariamente eliminados em chacina e rotinas. E isso não é de agora. Mas, essa situação tem piorado nos últimos anos com o atual governo brasileiro.

No segundo turno das eleições presidenciais brasileiras estão em disputa projetos completamente distintos e que impactam com consequências graves a vida e os direitos do povo brasileiro, particularmente daqueles/as para os/as quais direitos e democracia ainda são, na melhor das hipóteses, promessas. Nesse sentido, temos acompanhado o recorrente esforço, de parcela da população adepta que de tudo faz para impedir o fortalecimento do projeto democrático e que quer a materialização de direitos.

O caminho trilhado, conforme manifestações públicas, é o de inviabilizar políticas públicas e liberdades asseguradas pelos pilares da democracia e que tendem a resultar em mais pobreza, mortes, perseguição, ameaça, dando seguimento ao ciclo de pobreza e de violência instaurado pelos protagonistas do projeto da morte.

Por isso, o significado mais profundo deste momento é exatamente esta disputa entre vida e morte. Melhor, entre quem estrutura a atuação da política para a manutenção, a produção, a reprodução e o desenvolvimento da vida, das mais diversas formas de vida; e quem prega à morte, achincalha o sofrimento alheio, age orientado pela necropolítica e o brutalismo que lhe é característico.

O projeto da vida se propõe a cuidar das pessoas, a garantir a efetividade de seus direitos, a preservar o ambiente natural, a valorizar a cultura popular, assegurar liberdade religiosa, a reconstruir laços de convivência, centrando-se na amorosidade e na alegria embasado pelos valores democráticos.

O projeto da morte está preocupado em reproduzir a violência e acumular dinheiro, a qualquer custo, ou melhor, ao custo da vida dos povos indígenas, da Amazônia, do povo pobre, forçando o tempo todo à crueldade do “cálculo do suportável”, para o que mobiliza o ódio e a tristeza, a eliminação do outro.

Os corpos das mulheres, de LGBTIAP+, de negros/as, de indígenas e povos tradicionais, de quilombolas, sem terras, sem teto, enfim, todos os corpos dissidentes, que não se “enquadram” nas normas convencionais e hegemônicas, aquelas próprias do “contrato da dominação”, estão em risco mais do que pelas “pautas de costumes”. E isso não é de agora.

Mas, a se manter o que aí está, os tornará ainda mais “alvo” de quem responde a diversidade com as “armas” da intolerância, do fundamentalismo e da supremacia das maiorias dominantes.

O voto popular não decide tudo nesta disputa. Mas encaminha a abertura de processos e de possibilidades para um ou para outro projeto. O momento é de convencimento para a escolha dos rumos do Brasil pelo livre exercício de direito ao voto. Exige ação para a mobilização ao máximo possível da vontade popular para participar ativa e intensamente do processo e da ação em defesa da vida.

O compromisso e o engajamento dos movimentos e organizações populares para fortalecer os processos de conscientização, organizar o povo, construir lutas tem sido central nessa disputa. E sendo vencedor o projeto da vida na eleição, precisaremos fortalecer ainda mais a participação popular para fazer o enfrentamento concreto das propostas de morte.

Afinal, a montanha de escombros a ser removida é gigantesca e os caminhos novos a serem construídos com redistribuição, com reconhecimento e com participação popular são imensos. Por isso, ao exercício do voto como parte desta luta agonística da qual cada votante é protagonista, já há que se somar fortalecimento da organização e da luta para fazer realidade o projeto popular e democrático de Brasil.

Vamos juntos/as, em Defesa da vida!

FONTE:https://www.brasildefato.com.br/2022/10/13/segundo-turno-no-brasil-vida-ou-morte

Autor e Autora:

*Paulo César Carbonari é doutor em filosofia (Unisinos), membro da coordenação nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH Brasil), pesquisador convidado voluntário NEP/CEAM/UnB.

*Euzamara de Carvalho é mestra em direitos humanos (UFG), assessora da Comissão Pastoral da Terra – CPT, jurista membro da Associação Brasileira de Jurista pela Democracia (ABJD).

Viver em paz com as árvores: por que as árvores incomodam?

Quando o choro de crianças e folhas de árvore passam ser problemas de convivência social é porque estamos todos/as neurótico/as e adoecidos espiritualmente.

Viver em paz com as árvores consiste essencialmente em viver em harmonia com seus elementos: terra, água, fogo, ar e espaço. Esta harmonia é mais essencial do que estamos pensando, pois nós também somos feitos destes elementos.

Se poluímos a terra com agrotóxicos, os nossos ossos serão poluídos, pois são feitos de terra que o nosso corpo absorve através do cálcio dos alimentos. Do mesmo modo se poluímos o ar que respiramos vamos afetar a nossa saúde.

Cortar árvore é abrir caminhos de precarização para o nosso sistema respiratório pulmonar. O que nos nutre e nos hospeda, então terá conseguido a atitude mais adequada para ser um protetor da ecologia.

A tese segundo a qual o Universo é autoconsciente, está caminhando a passos largos nos meios científicos de ponta.

Os programas e a informação genética, assim como a nossa própria inteligência, são a expressão desta consciência e espírito do Universo (logos). Aceitando esta afirmativa, podemos aplicar o mesmo princípio que usamos para a árvore e a vida.

Do mesmo modo, o princípio vital da árvore, é o mesmo sistema de vida dentro e fora de nós. Existe inteligência no plano biológico dentro e fora de nós. Trata-se da mesma inteligência e metabolismo. A “natureza geme e a árvore chora”.

Podemos perguntar: com postura moral, se não será perigoso intervir na programação química da natureza e da genética da vida, pois esta intervenção está desorganizando a programação e interferindo na integralidade do próprio universo?

 As consequências são imprevisíveis para a própria humanidade. O que está acontecendo com a intervenção na programação da flora e da fauna já fala por si só. O que dizer então do sistema ecológico das cidades? Será que os “indiscutíveis benefícios” compensam os riscos destrutivos ainda pouco conhecidos?

Temos direito de esperar o futuro para poder julgar, sabendo que estamos pondo em risco a vida dos nossos filhos e netos? O que iremos responder para eles, quando nos perguntarem por que não fizemos nada, apesar de termos sérias dúvidas quanto aos riscos, no presente? Como justificar a nossa violência contra as árvores?

É o momento do auto avaliação da nossa disposição em relação a vida cultural-ecológica-psíquica para uma contribuição efetiva para a ecologia ambiental. (Quando o choro de crianças e folhas de árvore passam ser problemas de convivência social é porque estamos todos/as neurótico/as e adoecidos espiritualmente).

Talvez seria melhor jardinar as avenidas e ruas de nossas cidades com árvores de plásticos, porque não caem folhas, evitam a “sujeira das nossas calçadas”. A única dúvida que fica é se as sombras das árvores de plásticos refrigeram e colaboram para a fotossíntese.

Meu protesto em nome das árvores assassinadas e por uma ecologia integral.

Autor: José André da Costa, msf.

Mídia deve assumir seu papel na naturalização da extrema-direita no Brasil

Comunicar é repetir. Temos a obrigação de repetir, de nomear as coisas corretamente, de não nos omitir. Esse é o papel da imprensa em tempos de paz, mas é ainda mais em tempos de guerra.

Mensalão e Petrolão são escândalos de corrupção fincados na cabeça dos brasileiros. São, também, diretamente associados ao PT. Foram revelados durante administrações petistas e nós da imprensa demos a eles seus devidos tamanhos.

É inaceitável que dinheiro público seja desviado, especialmente se houver uma organização criminosa para fazê-lo.

Deixa eu falar um pouco do caso que ficou conhecido como Petrolão.

Em 1989, o jornalista Ricardo Boechat ganhou um prêmio Esso com uma reportagem sobre a corrupção na Petrobras.

Em 1993, finalmente uma CPI foi instaurada para investigar o esquema em que um cartel de empreiteiras desviava verbas do orçamento da União corrompendo políticos. Eram “os anões do orçamento”, um nome ruim se a intenção era comunicar o tamanho da roubalheira. Petrolão, por outro lado, é um nome ótimo. Pena que só pensaram nele anos depois. Mas voltemos ao fio de ideias.

A CPI deu apenas em um processo, contra o jornalista Paulo Francis. Ou seja, não deu em nada.

FHC, em 1995, nomeou Geraldo Brindeiro como procurador-geral da República e renovou por três vezes o seu mandato. Dos 626 inquéritos que chegaram às mãos de Brindeiro na PGR, apenas 60 denúncias foram encaminhadas. Por isso ele ficou conhecido como engavetador geral da República.

Diante dessa indecência promovida por FHC, em 2001 membros do Ministério Público exigiram que FHC respeitasse a lista tríplice de nomes. FHC ignorou e renomeou Brindeiro.

Aí entra o PT no governo.

Lula, ao assumir, fez logo de cara uso da lista tríplice e nomeou o nome mais votado pelos membros do MP sem questionar.

Entre 2003 e 2009, com Lula portanto, o número de operações realizadas pela Polícia Civil foi de 18 para 236. A PF passou a se concentrar em crimes contra os cofres públicos.

Em 2007 foram 183 operações e 2800 pessoas presas. Não tinha Lava Jato, não tinha manchetes diárias, não tinha eco na mídia. Por que, você deve se perguntar.

A PF foi reformada durante as administrações de Lula. Autonomia, melhores salários e operações de combate à corrupção.

Outra vez: estou apenas listando fatos facilmente comprovados.

O PT atuou para que escândalos de corrupção viessem à tona. Coisa que nem Sarney, nem FHC fizeram – muito pelo contrário. A mídia não divulgou as coisas desse jeito.

Esses dados nos indicam que o PT não foi o partido que inventou a corrupção, nem mesmo o partido que a organizou no Brasil. Não se trata de tirar sua responsabilidade, mas de colocá-la em seu devido lugar dando a ela seu real tamanho.

Jornalismo, vamos lembrar, também é contexto.

Mas mesmo quem compreende que nenhum desses esquemas de desvio de verba foi montado nas administrações petistas confere ao PT a exigência do desmantelamento – que não foi feito.

Por que quem veio antes de Lula nunca foi responsabilizado pelo não desmantelamento?

Por que FHC nunca foi responsabilizado pelo acobertamento?

Por que os atuais escândalos de corrupção não ganham nomes populares como Mensalão e Petrolão? Por que não estão nas manchetes diárias?

Os nomes escolhidos para nomear os esquemas de corrupção desvendados durante as administrações petistas são ótimos.

Eles comunicam a grandeza dos desvios. A imprensa pegou esses nomes e cravou no noticiário sem cessar por anos.

Uma ida ao Manchetômetro da UERJ, e tudo pode ser comprovado.

Acesse: http://manchetometro.com.br/

O Manchetômetro, aliás, é um site de acompanhamento da cobertura da grande mídia sobre temas de economia e política produzido pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP) que não tem filiação com partidos ou grupos econômicos.

Mas voltemos ao encadeamento de ideias.

Diante de todos os prejuízos do Mensalão, é de se imaginar que, havendo qualquer coisa parecida, o peso que nós da imprensa daríamos a isso seria o mesmo.

Vejamos o orçamento secreto, que, para Simone Tebet, pode ser o maior escândalo de corrupção do Planeta.

Veja vídeo: https://youtu.be/sDc7OCuFNQk?t=6

Os números do orçamento secreto deixam, desde já, o Mensalão como brincadeira de criança.

Falemos do nome: orçamento secreto.

O que ele comunica? Nada.

Orçamento é uma palavra aborrecida e secreto não tem rejeição.

Mesmo com esse nome tedioso, a pergunta é: o escândalo está nas manchetes? Não. Deveria? Sim.

Com enorme destaque. Todos os dias.

A família Bolsonaro comprou 51 imóveis com dinheiro vivo. Está nas manchetes? Esteve por menos de uma semana. E aí sumiu.

E se fosse o Lula? O que teria acontecido?

Dá pra gente imaginar dado que a visita a um apartamento em obra levou Lula para a cadeia.

O apartamento em questão, aliás, foi chamado de triplex o tempo inteiro pela mídia. Vocês podem tentar adivinhar por que foi assim nomeado?

O escândalo do orçamento secreto deveria estar em destaque nas manchetes na mesma medida do que foi feito com o Mensalão.

Ou talvez até mais porque estamos diante de uma eleição que pode acabar com o que resta de democracia.

E esse aspecto também deveria ser ressaltado diariamente pela imprensa: Bolsonaro fala em golpe, ameaça o golpe, acha que adversário político deve ser exterminado e é risco real e imediato às nossas vidas.

Mas vamos deixar pra lá a desumanidade em Bolsonaro e falar de corrupção, esse assunto tão importante para definir votos segundo muitos.

Há pelo menos 26 casos de corrupção associados ao governo Bolsonaro: funcionários fantasmas no gabinete do presidente e dos filhos, apoio aberto a milícias no Rio, os repasses para a conta de Michelle, o advogado de Bolsonaro escondendo Queiroz em sua casa, obras feitas pelo ministério da saúde sem licitação, esquema de contrabando de madeira ilegal no Ministério do Meio Ambiente, vacina sendo negociada pelo Ministério da Saúde pelo triplo do preço, pedido de propina de um dólar por cada dose comprada da vacina AstraZeneca.

Seguir usando nomenclatura tediosa para comunicar cada um deles não faz a informação chegar à população com a força que deveria chegar.

Para o orçamento secreto, por exemplo, nomes como “O Mensalão de Bolsonaro” seriam mais honestos.

É o que é: o Mensalão de Bolsonaro.

Por que não estamos comunicando dessa forma?

E as rachadinhas? O que são as rachadinhas?

São o crime organizado institucionalizado. Há três décadas.

A escolha do nome, no diminutivo e usando um verbo que comunica solidariedade (o que é rachar?) não ajuda na divulgação e compreensão do tamanho da roubalheira.

Esquema de corrupção, crime organizado, extorsão? Um pouco de criatividade nos faria encontrar um nome que pudesse comunicar todo o horror do que é esse esquema institucionalizado por Bolsonaro e seus filhos (leiam o livro de Juliana Dal Piva, “O negócio do Jair”).

Veja: O Negócio do Jair – bate-papo de lançamento com Juliana Dal Piva e Fernanda Mena.
https://youtu.be/0sLpEZOT4EA?t=254

Ninguém mais pode questionar o fato de que Lula e sua frente ampla são os únicos atores capazes de nos livrar da ameaça de um segundo mandato de Jair Bolsonaro – um mandato que como ensina o livro “Como as democracias morrem” sacramentaria o golpe, o fim da Amazônia, das instituições, dos direitos humanos etc.

Por que o noticiário ainda se refere a essa frente como “Lula” ou “O PT” apenas? Por que não chamar de Frente Ampla Democrática?

Comunicar é repetir. Temos a obrigação de repetir, de nomear as coisas corretamente, de não nos omitir. Esse é o papel da imprensa em tempos de paz, mas é ainda mais em tempos de guerra.

Existe apenas uma força mobilizando o campo fascista nessas eleições, e ela se chama antipetismo. O antipetismo é uma paranoia delirante que foi incansavelmente promovida pela imprensa.

O já igualmente histórico e infame editorial do Estadão do “Uma escolha muito difícil” fez coisa demais pela naturalização da extrema direita nesse país.

A cada absurdo não confrontado dito diante das câmeras por Bolsonaro estamos naturalizando a extrema direita.

A cada mentira não verificada dita em debate, idem. Não são mentiras sobre o número de escolas abertas em seu mandato. São mentiras que visam instalar paranoia, medo, bloqueio da imaginação e depressão. Não combatê-las é, proposital ou acidentalmente, naturalizar o fascismo que pulsa em Bolsonaro e em seus métodos.

Não bastaram 13 anos de governos democráticos para que o PT fosse aceito. A esquerda segue sendo demonizada, enquanto a extrema direita é naturalizada pela mídia.

Nós da imprensa precisamos assumir nosso papel na legitimidade da extrema direita no Brasil.

Aceitar sem questionar que nomes como Paulo Guedes (colunista de O Globo por dez anos), Kim Kataguiri, Helio Beltrão, Merval Pereira, Augusto Nunes, Alexandre Garcia etc sejam vozes normalizadas e centrais nos maiores veículos e que não encontram contra-argumentação nos trouxe até aqui.

Quando Guilherme Boulos foi contratado como colunista da Folha, os mesmos que sempre aceitaram os nomes acima – que hoje vão sendo desmascarados como sendo de extrema direita – berraram em revolta e indignação.

Boulos não!

Por que Boulos não? Kataguiri pode, Beltrão pode, Nunes pode, mas Boulos não?

Merval pode, mas Boulos não?

Essa semana, o governador Romeu Zema foi entrevistado na GloboNews e disse que Bolsonaro não representa ameaça à democracia. Não foi questionado. Sua palavra ficou como a palavra final.

Silenciar diante de uma declaração mentirosa como essa é compactuar.

Não estamos aqui falando de achismos ou de desejos. Estamos falando de fatos.

Em dois minutos podemos listar vinte motivos para contra-argumentar Zema. Não foi feito.

Todo mundo pode não gostar de Lula, do PT, do petismo, da esquerda.

Democracia comporta conflitos e disputas.

Direita e esquerda são campos válidos. Mas seria preciso começar a dizer em alto e bom som que a esquerda que o PT representa nunca pregou o extermínio do campo adversário.

E a extrema direita que Bolsonaro representa prega isso todos os dias há quatro anos.

Não estamos falando de simetrias. É hora de a imprensa assumir um lado nessa história.

Agora mais do que nunca precisamos nos agarrar aos fatos e não a crendices e preconceitos porque a ameaça de colocarmos os dois pés num regime fascista está no horizonte.

Derrotar Jair Bolsonaro e seus métodos milicianos de gestão e de institucionalização de assédios é a missão de qualquer pessoa que acredite em democracia. E é a da imprensa.

Não é preciso muita coisa. Basta as palavras certas, manchetar os escândalos de corrupção, confrontar as mentiras ao vivo e repetir, repetir, repetir.

No dia 2 de janeiro de 2023 poderemos voltar a fazer oposição justa, coerente e honesta ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva com a certeza de que nossas vidas não serão submetidas a nenhum tipo de assédio ou de extermínio institucional.

Preciso ressaltar que se por um lado a imprensa tem papel decisivo na naturalização da extrema direita, ela também tem papel decisivo em abrir as frestas para que os escândalos de corrupção sejam trazidos à luz do dia.

Foi assim no Mensalão, no Petrolão, no esquema de distribuição de fake news de Bolsonaro em 2018 por Patricia Campos Melo e agora, com Juliana Dal Piva, com sua investigação de quatro anos sobre quem é Jair Bolsonaro e sobre seus métodos de atuação.

Reforço a recomendação para que leiam o livro “O Negócio do Jair” enquanto é tempo.

FONTE: https://racismoambiental.net.br/2022/10/07/midia-deve-assumir-seu-papel-na-naturalizacao-da-extrema-direita-no-brasil-por-milly-lacombe/

Autora: Maria Emília Cavalcanti Lacombe, conhecida por Milly Lacombe,  jornalista, escritora e roteirista brasileira. 

Foto: Divulgação

Veja também