Proposta Metodológica para o Ensino Religioso

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 “Ser dialógico, para o humanismo verdadeiro, não é dizer-se descomprometidamente dialógico; é vivenciar o diálogo. Ser dialógico é não invadir, é não manipular, é não sloganizar. Ser dialógico é empenhar-se na transformação constante da realidade. Esta é a razão pela qual, sendo o diálogo o conteúdo da forma de ser própria à existência humana, está excluído de toda relação na qual alguns homens sejam transformados em “seres para outro” por homens que são falsos “seres para si”. É que o diálogo não pode travar-se numa relação antagônica” (FREIRE, 1983. p.43).

Chegamos ao nosso terceiro ensaio da proposta de reflexão intitulada História Fundamentos e metodologia do ensino Religioso Escolar.  A primeira publicação ocorreu dia 01/10/2021 com o texto sobre os aspectos históricos, você pode ler mais no link https://www.neipies.com/historia-fundamentos-e-metodologia-do-ensino-religioso-escolar-ensaios-de-uma-reflexao-em-construcao/.  No segundo ensaio publicado dia 15/10 apresentamos fundamentos com a intenção de responder a pergunta: porque Ensino Religioso na educação Básica? Leia mais https://www.neipies.com/por-que-ensino-religioso-na-educacao-basica/   Neste último ensaio da trilogia, sugerimos uma metodologia para as aulas de Ensino Religioso.

Independente da “série” ou ano de estudo do estudante, é importante que eles sejam envolvidos nas aulas desde o início, para que essa ocorra como uma “comunidade de investigação[1]”, nesse caso, do fenômeno religioso. Para tanto, se faz necessário partir de uma concepção dialógica de educação, na qual o estudante e docente são sujeitos que se colocam em processo de aperfeiçoamento e construção de saberes. 

Essa concepção requer uma antropologia segundo a qual estamos em formação permanente, nos educamos juntos mediatizados pelo mundo como dizia o educador, filósofos e sociólogo Paulo Freire. Sendo o diálogo a opção metodológica para o ensino religioso, já se cumpre um dos requisitos deste componente que é educar para a valorização da diversidade, da pluralidade, das alteridades.

Para ser fiel a essa concepção de educação e de metodologia, é importante conhecer a religião dos estudantes, as vivências que possuem e qual compreensão já trazem consigo no que tange o Ensino Religioso escolar. Tendo o conhecimento do contexto religioso dos estudantes é possível contemplá-lo e inseri-lo no campo da cultura religiosa, partir de vivências favorece para a adesão e envolvimento dos estudantes.  Feito isso é necessário e urgente distinguir ensino de religião do Ensino Religioso, ideia que precisa ser lembrada com frequência e em diferentes momentos da caminhada letiva, visto que muitos ainda concebem as aulas deste componente como sendo de caráter doutrinário.

Uma vez dado esse passo significativo, é de grande relevância que o professor, a professora trabalhe, sempre que possível, a perspectiva interdisciplinar deste componente, cujo saber, nasce também de um olhar para a filosofia, as ciências da religião, a história e a sociologia.

O trabalho interdisciplinar pode favorecer a valorização da área de Ensino Religioso e das ciências humanas, o que significa também promover uma educação humana e humanizadora que se opõe a perspectivas tecnicistas e meramente empresariais. Em seguida, apresentamos o que pode ser uma estrutura, um dos caminhos para aulas de Ensino Religioso comprometidas com os fundamentos apresentados no segundo ensaio.

Para bem realizar esse intento de respeito as alteridades, valorização da vida e promoção da diversidade cultural e religiosa, dentro de uma perspectiva dialógica, é importante dar início às aulas com uma atividade prévia, ou seja, uma técnica ou dinâmica que mobiliza para o estudo/investigação que se deseja fazer de acordo com o objeto que se pretende abordar.  Essa atividade previa pode ser prática, ou ainda consistir em um audiovisual, música, tirinha, discurso, notícia, análise de obra de arte.  

Num segundo momento da aula, é importante problematizar fazendo a ligação do conteúdo com a história, a filosofia, a sociologia ou outro componente de acordo com as possibilidades do objeto que está sendo trabalhado. Suponhamos que se trate do conceito intolerância, a atividade prévia pode consistir numa notícia sobre intolerância, num audiovisual que conte essa situação, e a problematização pode ocorrer na análise de dados acera da intolerância religiosa no Brasil e ou no mundo.

Importante desenvolver nos estudantes as habilidades de problematização, visto que são as perguntas que movem as investigações e possibilitam a criação de hipóteses fazendo da sala de aula um espaço propício para valorização e produção cientifica.

No terceiro momento da aula de Ensino Religioso pode ocorrer a fundamentação a partir de um texto especifico, e ou audiovisual sobre; mantendo o exemplo anterior o texto pode tratar sobre a diversidade religiosa, a distinção entre ecumenismo e diálogo Inter religioso, a alteridade como princípio ético; as leis em torno da liberdade religiosa. A escolha do recurso vai depender do objeto que será trabalhado, do perfil da turma e da proposta didático pedagógica da instituição.

No quarto momento é muito importante sistematizar a aula visando ser fiel a proposta da habilidade que estiver em questão, é importante que nesse momento o estudante apresente os resultados do estudo no qual participou e interagiu como um sujeito ativo do processo de aprendizagem.

Essa sistematização final pode ocorrer a partir da produção de um texto, da confecção de mensagens, banner, cards, jogos educativos. Pensando no conceito de intolerância, por exemplo, o estudante pode produzir uma “peça publicitária” com a intenção de combater a intolerância religiosa; um jogo de tabuleiro e ou jogo digital sobre o tema, uma poesia, uma história em quadrinhos, um desenho.  A escolha desse recurso dependerá do segmento, do perfil da turma. Nos quatro momentos sugeridos aqui, a sensibilidade docente para a escolha dos melhores caminhos é imprescindível.  

Entendemos que uma prática que ocorre observando a fundamentação que apresentamos e esses passos metodológicos está em sintonia com as habilidades da área de Ensino Religioso propostas na BNCC, a saber:

  1. Conhecer os aspectos estruturantes das diferentes tradições/movimentos religiosos e filosofias de vida, a partir de pressupostos científicos, filosóficos, estéticos e éticos.
  2. Compreender, valorizar e respeitar as manifestações religiosas e filosofias de vida, suas experiências e saberes, em diferentes tempos, espaços e territórios.
  3. Reconhecer e cuidar de si, do outro, da coletividade e da natureza, enquanto expressão de valor da vida.
  4. Conviver com a diversidade de crenças, pensamentos, convicções, modos de ser e viver.
  5. Analisar as relações entre as tradições religiosas e os campos da cultura, da política, da economia, da saúde, da ciência, da tecnologia e do meio ambiente.
  6. Debater, problematizar e posicionar-se frente aos discursos e práticas de intolerância, discriminação e violência de cunho religioso, de modo a assegurar os direitos humanos no constante exercício da cidadania e da cultura de paz. (BNCC, 2018)

Tendo apresentado sugestões metodológicas para aulas de ensino religioso, entendemos que a realização de feiras ecumênicas e inter-religiosas envolvendo outros componentes curriculares potencializam a construção de um ensino comprometido com a valorização da alteridade, com a pesquisa e produções capazes de fomentar a cultura da paz.  

Ainda, neste aspecto, entendemos que colocar os estudantes em diálogo com líderes de diversas religiões e filosofias de vida potencializa o estudo dos objetos do conhecimento de cada segmento da educação básica, essa proposta pode ser elaborada em consonância com a proposta pedagógica das diferentes instituições, em espírito de diálogo e valorização da legislação em vigor. 

Muito mais do que ensinar no sentido de transmitir o que propomos, especialmente neste último ensaio, foi a construção conjunta de saberes, o que significa também produção de ciência.

O Ensino Religioso, área de conhecimento e componente curricular, possibilita acesso ao amplo conhecimento religioso já presente na história e nos habilita para a ampliação e construção de cultura, que se deseja de paz, de respeito a vida e de efetivação dos Direitos Humanos. À você que nos acompanhou nessa trajetória fica o convite: partilhe de sua experiência, com ela podes enriquecer essa reflexão que segue em construção.

Para refletir (individualmente ou em grupo de professores):

1. Qual metodologia você utiliza para as aulas de Ensino Religioso?

2. De que aulas de Ensino Religioso você lembra? Explique.

3. Partilhe vivências que te marcaram na escola (palestras, feiras, encontros, passeios). Como a pluralidade, a diversidade, as alteridades foram contempladas nesses acontecimentos?

REFERÊNCIAS:

BENINCÁ, Elli. Religião, Saúde e o Popular. Passo Fundo. Editora Berthier 2010.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.

SOUZA, Tania Silva. O ensino de Filosofia para crianças: uma nova perspectiva a partir de Matthew Lipman. Polymatheia, v. 8, n. 13, p. 58-75, 2015. Acesso em: 25 jun. 2020.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 18 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra. 1996.

Autor: Marciano Pereira.

Edição: Alex Rosset


[1] Conceito emprestado do pensador Matthew Lipman, que tratando sobre filosofia pra crianças sugere que as aulas sejam espaços de investigação de problemas, proposição de hipóteses, fazer que ocorre entre sujeitos envolvidos numa proposta dialógica capaz de fomentar a cidadania, a democracia e pôr consequência os direitos humanos.

1 COMENTÁRIO

  1. Bom dia! Feliz ano novo a todos vocês que administra estes cursos.
    Sou professora de Ensino Religioso.
    Essas formação nos ajuda a prepara melhor. O recebemos da secretaria é muito fraquinho. Metodologia é importante para o desenvolvimento dos planos.

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