O SUS sob olhar de um médico

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Alberi Nascimento Grando
é médico há 45 anos.
Especialista em Cirurgia Geral, Pediatria,
Saúde Pública, Homeopatia e Auditoria Médica.


Médico por vocação, chama atenção pela atuação profundamente humana na relação com seus pacientes.

Grando começou sua vida profissional numa pequena cidade do RS, Santa Bárbara do Sul. Envolveu-se, intensamente, na defesa do SUS (Sistema Único de Saúde). Também exerceu funções como secretário municipal de saúde, delegado e coordenador regional de saúde e vereador por dois mandatos em nossa cidade Passo Fundo.

Doutor Alberi leva uma vida simples, com intenso contato com a natureza, valorizando a família e amizades.

Nesta entrevista, Alberi Nascimento Grando fala da sua trajetória pessoal e profissional, da sua atuação política e em defesa do SUS, num momento em que este SISTEMA está correndo riscos de colapso ou extinção.

NEI ALBERTO PIES: Como surgiu seu desejo de atuar na medicina?

GRANDO: No tempo de estudante no Instituto Educacional fiz parte do Grupo Escoteiro Botucaris.  Nas atividades de campo, gostava de “socorrer” quem precisasse de um curativo, uma atadura ou tinha um desmaio. Dentro do sistema escoteiro, me especializei em Primeiros Socorros. Acho que foi por aí.  E não perdi mais o gosto de socorrer.

NEI ALBERTO PIES: O que mais o realiza na profissão, neste 45 anos de atuação como médico?

GRANDO: No “Organon de Medicina” Samuel Hahnemann diz que a única e mais alta missão do médico é restabelecer a saúde de quem está doente. Ver um paciente recuperado, seja após uma cirurgia ou tratamento clínico, é muito gratificante. Embora, nem sempre seja possível. O agradecimento é despretensioso e realizador.

NEI ALBERTO PIES: Criaste cinco filhos (dois por adoção): Uma professora, outra arquiteta, um filho advogado, outro comerciante e um funcionário público. Como foi conciliar a exigente profissão de médico com o acompanhamento da sua família?

GRANDO: Penso que eles é quem sofreram com isso. No início, o tempo era todo dedicado ao consultório e ao hospital. Mesmo hospital sendo perto de casa, várias vezes dormi lá, pois tinha uma gestante em trabalho de parto ou um paciente mal.  Sabia que a Luiza, minha esposa, comandava tudo em casa.

Hoje penso que poderia ter dedicado mais tempo à família. Quem sabe isso foi bom? Eles aprenderam a decidir por conta própria, ter autonomia, não ter uma proteção paterna em excesso. Tenho orgulho de como hoje são meus filhos: autônomos, independentes, seguem seu caminho, com ética e muito trabalho, são profissionais competentes.

NEI ALBERTO PIES: Decidiste levar uma vida simples, morando numa chácara, no interior do município. Por que?

GRANDO: Penso que um pouco está na minha origem, nasci e passei parte da infância no interior. Além disso, a Luiza também gosta de viver lá. Longe do atropelo, do barulho, da multidão. Plantas, animais também chamam.

NEI ALBERTO PIES: Começaste sua vida profissional, como médico, numa pequena cidade do RS, ainda no período em que se discutia a criação do SUS. Conte-nos sua trajetória profissional em paralelo à trajetória do SUS.

GRANDO: Podemos dividir a assistência à saúde em antes e depois de 1990. Por influência da 8ª Conferência Nacional da Saúde, de 1986, se sacramentou cinco artigos na Constituição Federal de 1988. Dois anos depois, 1990, esses artigos foram regulamentados pela Lei Orgânica da Saúde. Era o SUS legal!

Então, na era pré SUS, isto é, INAMPS (Instituto Nacional da Assistência Médica da Previdência Social), a assistência à saúde se resumia em atendimento médico hospitalar, e dar remédio aos pacientes. Tinha sua importância. Mas também tinha consequências.  Entre as consequências estava que apenas se buscava a cura da doença, pouco se investindo na prevenção. Isso levava a uma alta mortalidade infantil e baixa expectativa de vida. E não existia um planejamento de saúde.

Cada um no seu canto, atendia seus pacientes, fazia cirurgia, fazia partos e atendia quando o paciente ficava doente. Essa situação fez com que, alguns que trabalhavam na saúde pública, resolvessem brigar pela reforma sanitária. Isto é, havia necessidade de reformar.

O horizonte era: “Queremos um planejamento com base em dados epidemiológicos para resolver essa mortalidade infantil alta, essa baixa expectativa de vida. Vamos investir num bom pré natal, num bom atendimento da gestante durante o parto, de preferência normal, e depois acompanhar essa criança até 1 ano, com leite materno e fazendo vacinas e acompanhando o seu desenvolvimento físico e mental. Esse planejamento tem que prever também controle das doenças crônicas, como diabetes, pressão alta, doenças da tireoide, asma brônquica, etc. E, claro, vamos continuar e aperfeiçoar o tratamento das doenças agudas, como infecções, cirurgias, etc”.

Assumi a Secretaria Municipal da Saúde de Santa Bárbara do Sul, em 1985. Depois, aqui em Passo Fundo, em 1989 e 2005. Então, vivenciamos essa caminhada toda, antes, transição e pós SUS! Ajudamos na elaboração da Lei Orgânica do SUS. É um arcabouço legal perfeito, atende as necessidades de uma saúde preventiva e curativa. Mas, infelizmente existem ainda falhas, digamos, mais de ordem humana de que legal.

NEI ALBERTO PIES: Em que momento surgiu seu interesse pela Homeopatia? Qual é o princípio norteador?

GRANDO: Após 10 anos atendendo crianças, e a norma, o protocolo, era usar muitos medicamentos, principalmente em algumas doenças crônicas. Comecei a questionar a necessidade disso.

Algumas patologias era normal usar medicamentos como antibióticos e corticoides. Como pode interferir no desenvolvimento físico e mental da criança, pois a mesma ainda está em formação, busquei alternativas, além da medicina tradicional. Estudei medicina chinesa, acupuntura e homeopatia. Troquei algumas ideias com um famoso Pediatra Homeopata, Dr. Valtencir Linhares, de São Paulo, hoje falecido. E me entusiasmei pela medicina homeopática. Durante 3 anos frequentei, em finais de semana, a cada 15 dias, o curso da Associação Médica Homeopática, em Curitiba.

Hoje sou especialista em Homeopatia pela Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina, como qualquer outro especialista. Em 1987 iniciei medicar com medicamentos homeopáticos, como experiência, por livre opção minha e, claro, com a concordância dos pais. E o resultado foi excelente. Não que homeopatia resolva tudo, muitas vezes a medicina tradicional tem melhores resultados.

Hipócrates, considerado o pai da medicina, há 2.500 anos mudou o conceito da medicina, transformando-a em ciência, até então exercida como magia ou ação divina. Para tanto, postulou duas maneiras de curar o doente: a cura pelo contrário e a cura pelo semelhante. Vamos exemplificar, de maneira bem simplista: uma infecção pode ser curada pelo antibiótico, que destrói a bactéria, ou estimulando que o próprio organismo ganhe forças para debelar essa bactéria.

A primeira postulação é a base da medicina tradicional e a segunda é a base da medicina homeopática. Outro exemplo: dor de estômago por excesso de acidez. A medicina tradicional usa um anti-ácido e a medicina homeopática usa um medicamento, em doses ínfimas, que em doses ponderais provoca acidez. Existe outros princípios da homeopatia, mas este é o principal.

NEI ALBERTO PIES: Participaste, na década de 1990, de muitas discussões sobre a implantação do SUS, ainda no tempo do agora extinta ASEDISA (Associação dos Dirigentes e Secretários Municipais de Saúde), entidade substituída pelo COSEMS. Qual era a discussão sobre Saúde naquela época?

GRANDO: Naquela época, a grande maioria dos colegas não desejavam mudanças. Afinal, o exercício da medicina era muito lucrativo. Porque mudar?  Mas, um grupo, e não só médicos, queria um sistema que atendesse muito mais do que apenas curar. Mas, antes promovesse a saúde.

Digamos, na era pré SUS, o que exista era o INAMPS, órgão então ligado à Previdência Social, que ofertava atendimento médico-hospitalar para quem pagasse o INPS (hoje INSS).

O Ministério da Saúde praticamente não existia, era a Previdência que tratava da saúde.

Existia uma carteirinha amarela. Quem não tivesse a carteirinha amarela, não tinha esse direito. Era atendido nos postos de saúde do Estado, e de alguns Municípios, normalmente como “indigente”. Por outro, lado, quem tinha recursos próprios, pagava atendimento privado.

A crítica que se fazia, além de ser excludente, era que a assistência ofertava apenas consulta médica e medicamentos, além de cirurgias e hospitalizações, isto é, se buscava apenas curar quem estivesse doente. Claro, isso também era e é importante. Mas, não existiam programas que buscasse a prevenção da doença, e que se envolvesse outros profissionais da saúde, não apenas o médico. O resultado disso era uma estagnação na Expectativa de Vida e no Índice de Mortalidade Infantil, parâmetros fundamentais na avalição da saúde de um povo.

Quem trabalhava com saúde pública (os ditos sanitaristas) pedia mudanças, pedia uma reforma sanitária. E esse reforma veio com a Constituição Federal de 1988 e foi solidificada com a Lei Orgânica da Saúde, em 1990. A Assedisa (Associação dos Secretários e Dirigentes Municipais da Saúde), hoje Cosems/rs (Conselhos de Secretarias de Saúde), teve papel fundamental nessa discussão e na aprovação dos artigos 196 a 200 da Constituição Federal e da Lei Orgânica da Saúde.

Hoje, na era SUS temos outro sistema, que oferece ações de cura mas também se preocupa com ações preventivas. Tanto que a EV (Expectativa de Vida) e o IMI (Índice de Mortalidade Infantil) melhoraram muito após 1990. A expectativa de vida aumentou de 65 anos em 1990 para 75 anos em 2010. E a mortalidade infantil caiu mais de 60% nesse período. Com certeza, apesar de ainda ter falhas, o SUS tem muito a ver com isso.

NEI ALBERTO PIES: Qual foi a importância do SUS incorporar a prevenção, como fator de promoção da saúde pública?

GRANDO: Fundamental. Quando a abordagem do paciente enxerga apenas a cura da doença, perde-se a oportunidade de orientar no sentido usar de meios para controlar a doença. Importante, por exemplo, ensinar ao paciente hipertenso que deve controlar a ingesta do sal, da perda de peso, da nutrição adequada, para evitar as complicações da hipertensão, como o acidente vascular cerebral (derrame) ou o infarto do miocárdio.

Após o SUS, foram sistematizados, entre outros, os programas de assistência de gestantes, crianças, doenças sexualmente transmissíveis, doenças mentais, idosos, etc.  Isso trouxa mais qualidade de vida às pessoas. O advento do programa Estratégia da Saúde da Família, com a participação de vários profissionais da saúde, não apenas o médico, sem dúvida, melhorou em muito as condições da saúde da população.

NEI ALBERTO PIES: Por que é tão complicado promover a efetiva Municipalização da Saúde?

GRANDO: A descentralização, uma das diretrizes do SUS, tem como meta principal a municipalização da saúde. Isto é, o município é que deve ser o gestor a nível local: planeja, de acordo com suas necessidades, sua realidade epidemiológica, e executa todas as ações e serviços da saúde. Não tem sentido o Estado ou a União estar executando ações nos município. É aqui que as coisas acontecem. Ficam para o Estado e União questões que são nacionais, como vacinação, vigilância nas fronteiras, etc.

A municipalização é difícil porque houve a descentralização de algumas ações e serviços mas não se descentralizaram os recursos. A União não tem interesse em repassar recursos para que os municípios façam de fato a gestão da saúde. Passa parte do orçamento, e assim mesmo, mediante a prestação de contas. Então o município é um prestador de serviços, não um gestor. O poder está em quem tem o recurso.

Além disso, também é entrave para a municipalização, a indicação puramente política dos secretários da saúde, e a alta rotatividade dos gestores municipais. É difícil gerenciar questões complexas como as da saúde, quando o gestor não conhece o assunto, ou, assim que aprende, é trocado por uma questão de mudança de governo.

NEI ALBERTO PIES: Como foi a sua experiência como gestor da Saúde (secretário municipal por mais de 10 anos e Delegado/Coordenador Regional da Saúde por duas vezes)?

GRANDO: Foi um grande aprendizado, pois vivenciei, como Secretário Municipal da Saúde quando ainda era INAMPS, no período de transição e depois quando era SUS. Gerenciar uma secretaria com mais ou menos 20 servidores e depois uma secretaria com mais de 1.000, com certeza ensina muito. Além disso, no SUS tudo era novo, tínhamos que aprender juntos. E as exigências eram cada vez maiores.

Na época de Delegado Regional, abrangendo 62 municípios, nos mostrou a visão do gestor estadual, com todas as dificuldades e pouco recursos. Ajudou muito ter estado antes como secretário municipal.

NEI ALBERTO PIES: Conte-nos como foi coordenar a primeira Conferência Estadual de Saúde, no ano de 1991? Que desafios estavam postos para aquela primeira Conferência Estadual de Saúde?

GRANDO: Também foi uma grande experiência. E, importante, em 1991 vivíamos o auge de uma disputa política no Estado. Isso refletia na saúde. E, no SUS, tudo era novidade, a lei Orgânica tenha recém sido promulgada. Como Presidente da Assedisa e Coordenador da conferência, tinha que coordenar a conferência e mediar as disputas políticas.

A Conferência, seja municipal, estadual ou nacional, conforme a lei 8142/90 reúne a população para discutir e estabelecer diretrizes sobre a saúde. Não delibera, apenas opina por maioria. Depois, os conselhos deliberam, em cada nível.

Então, sendo matéria nova, foram centenas de propostas, que depois foram sistematizadas e encaminhadas às autoridades competentes. Lembro que a abertura foi no antigo Cine Pampa, tendo a palestra magna do Dr. Wilson Fadul, que havia sido Ministro da Saúde em 1963, quando se falou pela primeira vez em descentralizar para os municípios a execução das ações e serviços de saúde. A partir do 2º dia, centenas de representantes dos municípios foram divididos em grupos, trabalhando no campus da UPF. Penso que saiu um relatório muito bom, definindo o que a população e os profissionais da saúde desejavam para a saúde do nosso Estado.

NEI ALBERTO PIES: Qual é a importância do controle social no SUS?

GRANDO: Prefiro o termo participação da comunidade, assim está na Constituição Federal de 1988.  Sempre defendi a participação das pessoas na gestão da saúde. É ter os olhos da população dentro da gestão. São as pessoas que sabem das suas necessidades.

Nós, técnicos, trazemos essas necessidades para o planejamento e execução.

 Essa participação se faz essencialmente nas Conferências e nos Conselhos de Saúde.

A Conferência se reúne a cada 2 ou 4 anos, dependendo do nível e necessidade, avalia as questões da saúde e sugere mudanças. O Conselho, órgão permanente, composto em 50% pela população organizada, tem poder deliberativo. Isso é a essência da democracia dentro da gestão da saúde.  Por exemplo. Se o Conselho deliberar que o orçamento da saúde está mais voltado para ações mais curativas e menos preventivas, discute a questão e leva ao Prefeito. Da mesma maneira se existe falta de profissionais, exames, medicamentos ou estrutura física.

NEI ALBERTO PIES: Que promessas o SUS ainda não conseguiu concretizar plenamente?

GRANDO: O SUS prometeu que a gestão da saúde deve ser descentralizada, ter integralidade, ter participação da comunidade, ser universal.

Hoje, ainda se investe três vezes mais na saúde curativa que na saúde preventiva. Aí falha a descentralização e a integralidade, que é atender as necessidades desde as mais simples até as mais complexas.

A participação da comunidade, seja nas conferências ou nos conselhos, é tímida, ou porque as pessoas desconhecem seus papel ou são dominadas por grupos ou pelo próprio Prefeito. O acesso aos serviços tem falhas: consegue a consulta, mas não efetiva a cirurgia necessária. E muitas vezes tem cobrança “por fora”. Issomostra falha no sistema, na gestão do sistema.

NEI ALBERTO PIES: Sabemos que quase 50% dos recursos do SUS são gastos em hospital. Pouco menos de 20% com Atenção Básica e os restantes 30 e poucos por cento com a máquina administrativa e campanhas de prevenção à Saúde. Estes percentuais dão conta de promover Saúde Pública de qualidade no Brasil?

GRANDO: Não, com esses percentuais vamos continuar pagando a doença, não fazendo saúde. No orçamento para 2019, 129 bilhões de reais, foi previsto  investir perto de 59,9 bilhões (46,5%) na assistência hospitalar e ambulatorial e 25,1 bilhões (19,5%) na assistência básica. Sabe-se que, nos países desenvolvidos, a atenção básica resolve 80% das questões de saúde. Então, não tem sentido alocar menos de 20% do orçamento na atenção básica.

NEI ALBERTO PIES: Na visão de médico e gestor de saúde por vários anos, porque é tão importante defendermos e fortalecermos o SUS?

GRANDO: Primeiro, porque o sistema anterior demonstrou que não atendia às necessidades de uma verdadeira saúde para um país como o Brasil

Segundo, porque a proposta do SUS saiu de amplo debate da população, profissionais da saúde, prestadores de serviço e gestores. Desde a 8ª Conferência Nacional da Saúde de 1986, passando CF de 1988 culminado com a Lei Orgânica da Saúde, de 1990. Foram mais de 5 anos nessa discussão vendo o que melhor. E tem uma legislação muito boa.

Terceiro, porque acertos e bons resultados já são uma realidade. Devem ser melhorados e aperfeiçoados.

NEI ALBERTO PIES: Como avalias a Saúde pública no Brasil de hoje, ano 2019? O Brasil corre o risco de extinguir ou colocar o SUS em colapso?

GRANDO: A saúde pública, entendido aqui como a saúde ofertada pelo gestor municipal, pelas três esferas de governo, podia estar melhor. Faltam profissionais que se disponham a atender o SUS, principalmente médicos, nas várias especialidades, faltam cirurgias, faltam medicamentos, faltam consultas e também faltam bons gestores. A classe médica reclama do baixo ganho. Isso entrava.  

Um paciente com uma fratura de fêmur, por exemplo, fica meses numa fila para fazer a cirurgia. Porque não operar logo? Porque faltam profissionais que se propõe a fazer a cirurgia! Não tem profissionais? Tem, basta verificar o número de médicos que trabalham nos nossos hospitais, mas não querem operar pelo SUS.

Aqui em Passo Fundo, onde se realizam os procedimentos mais complexos, e muito bem por sinal, temos falta de médico que opere uma hérnia ou uma fimose numa criança, retirar um útero, operar uma unha encravada! Tem absurdo maior que isso?

Quero aqui deixar claro que existem muitos abnegados que se prontificam e estão fazendo inúmeros procedimentos pelo SUS.  Mas são poucos. Ou como se explica uma fila que um ano para retirar um útero de uma mulher com constante sangramento? Ou alguém esperar em cima de uma cama para operar uma perna quebrada? 

A solução? Criar a carreira de médico do SUS, que recebe um salário de acordo com aquilo que a classe acredita ser o adequado, pela responsabilidade da profissão. E, fundamental, tal como um promotor ou um juiz, o médico de carreira, só atende pacientes da saúde pública. Outros, médicos privados, atendem pacientes privados, internam e são operados em hospitais privados.  E podem cobrar de acordo com o acerto com o seu paciente.

Embora o SUS tenha uma legislação perfeita, a sua execução apresenta falhas. Uma falha é na falta de bons gestores, de quem conheçam o assunto e desenvolvam plano de saúde adequado.

A CF de 1988, em cinco artigos, de 196 a 200, definiu como seria a saúde no Brasil. E já estabeleceu as diretrizes: descentralização, integralidade e participação da comunidade.

Descentralização é cada esfera de governo ser o gestor da saúde: elaborar um plano de saúde, tomar decisões, ter o recurso à sua disposição, enfim, gerenciar a saúde. Isso não acontece. Os municípios não são gestores. Eles são prestadores de serviços à União. Por exemplo, atendem uma consulta e mandam a fatura para a União pagar. Ou o hospital realiza em procedimento e recebe direto da União, não do município. Porque? Porque o recurso está com o governo central.

Integralidade é atender todas as necessidades das pessoas, desde as ações mais simples até as mais complexas. É fazer a cura mas também a prevenção. É fazer transplante mas também operar uma unha encravada ou retirar um berne. É tratar uma infecção pulmonar ou um acidente vascular, mas também ensinar com controlar a asma brônquica ou a hipertensão arterial.  

A participação da comunidade, através das conferências e dos conselhos de saúde, caíram no desuso, ou foram usados para fazer proselitismo político. Onde tem hoje um conselho municipal com atuação resolutiva, com enfrentamento ao gestor municipal, quando necessário?

Outra falha é no orçamento da saúde, que desde há muito tempo, 15 ou 20 anos, cada ano vem diminuindo. Em 2019, a proposta foi de em torno de 129 bilhões de reais, para atender tudo que o SUS propõe: universalidade, gratuidade, integralidade.

É preciso corrigir e aperfeiçoar o Sistema Único de Saúde, não extinguir e nem deixá-lo minguando por falta de recursos e problemas na sua gestão.

NEI ALBERTO PIES: O que a sua atuação parlamentar (vereador por 6 anos) lhe ensinou? Neste período, a Saúde também foi o foco de sua atuação política?

GRANDO: Como parlamentar aprendi a importância do diálogo, da discussão. Vi também que um dos grandes problemas no sistema político é a reeleição, em qualquer nível, pois desperta o desejo da perpetuação no poder, o que não é bom e possibilita a corrupção. Mas também constatei como muitos parlamentares ainda não tem noção do papel de cada poder. Alguns pensam que o Legislativo é um apêndice do Executivo…

NEI ALBERTO PIES: Uma frase que defina sua filosofia de vida.

GRANDO: Não é uma frase, mas uma conduta que sempre tentei seguir: sempre tentar conciliar o que pensa, com o que diz e com o que faz, mas com ética, independente de estar ou não na lei.

NEI ALBERTO PIES: Uma frase pela qual, na sua visão, vale a pena viver.

GRANDO: É bom viver porque viver é sempre recomeçar, a cada instante, a cada hora, a cada dia. E ainda podemos ajustar nossa rota.



Fotos: divulgação/arquivo pessoal

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